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Entrevista

Lições da máquina

 | Michael Langan
(Foto: Michael Langan)
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Todos os anos desde 1990, a comunidade de inteligência artificial em todo o mundo se reúne para participar de uma batalha entre humanos e computadores. O Prêmio Loebner, como é chamada a competição, é uma variação do teste de Turing, proposto pelo matemático inglês Alan Turing, considerado um dos pais da computação. Ele completaria cem anos de vida no último sábado.

No teste, um painel de juízes conversa, via chat, com duas entidades – computadores e humanos. Após cinco minutos de conversa, cada juiz deve determinar quem é computador e quem é pessoa. Turing estimou que por volta do ano 2000 os computadores seriam tão sofisticados que conseguiriam enganar os juízes e se passar por humanos. Até o último torneio as máquinas ainda não haviam vencido, mas a cada ano a disputa está mais acirrada.

A atenção dos amantes da tecnologia durante o evento está voltada para o prêmio do Computador Mais Humano, dado ao programa que mais consegue "enganar" os juízes – esses programas que simulam conversas são conhecidos como chatbots. Um outro prêmio, menos cobiçado, é dado ao humano que mais conquista os votos acertados dos juízes, e que volta para casa com o troféu de O Humano Mais Humano.

No ano de 2009, o vencedor desse prêmio foi o poeta e cientista da computação Brian Christian. Ele lançou um livro relatando a experiência e discutindo a importância do teste de Turing para os humanos, intitulado The Most Humam Human - What Talking To Computers Teaches Us About What it Means to Be Alive (O Humano Mais Humano – O Que Conversar Com Computadores Nos Ensina Sobre o Significado de Estar Vivo, ainda sem tradução no Brasil). Para este centenário do nascimento de Turing, ele conversou com a reportagem da Gazeta do Povo. Veja os principais trechos da conversa:

Como você se sente tendo sido premiado como o Humano Mais Humano? Você acha que poderia ter perdido se não tivesse se preparado e seguido a dica dos organizadores de "ser você mesmo"?

Esse é um dos grandes paradoxos do teste de Turing. Os organizadores só disseram isso, "Bem, você é humano, então seja você mesmo". Mas eu sabia que os programadores de chatbots haviam se esforçado muito ao longo dos anos para estudar a conversação humana e, em particular, as transcrições dos testes de Turing – então havia uma parte de mim que queria igualar o jogo fazendo o mesmo: aprendendo tanto quanto eu podia sobre as competições dos anos anteriores, as técnicas usadas para se construir programas de chatbot e os pormenores do diálogo humano. Foi isso que acabou sendo tão surpreendente e gratificante no final: que, ao ver as táticas usadas por programadores para imitar a conversação humana, eu passei genuinamente a compreender melhor o que é que faz da interação humana algo tão rico e complexo quando ocorre corretamente. E eu fui pegando alguns conselhos no caminho, que me foram úteis não somente para o teste de Turing, mas que permanecerão úteis também para o resto da minha vida.

Essa pergunta pode parecer boba, mas por que as pessoas deveriam se preocupar em ser "mais humanas"?

O que faz com que o teste de Turing seja tão relevante hoje – mais, talvez, do que o próprio Turing jamais poderia ter imaginado – é que ele se tornou simplesmente parte do modo como navegamos no mundo digital. Se eu recebo um e-mail de um amigo que celebra com entusiasmo um desconto em produtos farmacêuticos na Rússia, minha resposta não é simplesmente dizer "Não, obrigado", mas "Ei, você precisa mudar sua senha". E não "soar humano" ou "soar como nós mesmos" não é somente uma questão filosófica sobre a qual os filósofos têm ponderado há tempos, nem a questão literária que mantém os poetas acordados de noite – é uma habilidade prática da era moderna. O teste de Turing nos dá um novo modo de compreender nossas interação diárias um com o outro.

Qual é sua resposta à questão inicial de Turing que levou o teste a ser criado, sobre máquinas pensantes. Você acredita que chegaremos ao ponto em que um computador será capaz de pensar por si próprio? Quando esse dia chegar, o que isso significará para os humanos?

Quando perguntaram a Claude Shannon se as máquinas podiam pensar, ele respondeu, famosamente, "Eu sou uma máquina, e você é uma máquina, e ambos pensamos, não é?". Eu não acho que haja qualquer coisa de metafísico sobre o cérebro humano que faça com que ele seja capaz de pensar – isto é, eu não acho que haja qualquer coisa além de suas interações moleculares e químicas assombrosamente complexas e inacreditavelmente intrincadas que fazem com que ele seja o "órgão do pensamento" que é. Sendo assim, eu não vejo nenhum motivo ou princípio pelos quais não possa haver outro tipo de sistema dessa complexidade em algum ponto no futuro.

Sobre o que isso significaria, eu acredito que será uma oportunidade profunda para nós, como espécie, aprendermos algo sobre nós mesmos. De certo modo, será meramente uma extensão do que o computador já está há décadas fazendo por nós, como espécie. Nós construímos esses modelos de nossas próprias mentes, à nossa própria imagem, e, apesar de nosso conhecimento e esforço, o modelo não consegue capturar tudo da inteligência humana – há sempre algum tipo de divergência ou lacuna. Essa lacuna sempre tem algo novo para nos ensinar sobre quem somos.

Qual sua opinião sobre o modo como as pessoas estão lidando com tecnologia? Há uma legião de pessoas preocupadas com a possibilidade de estarmos perdendo nossa humanidade, como Sherry Turkle e Nicholas Carr, e há outros que são mais do tipo entusiasta tecnológico. Onde você acha que se encaixa nesse debate? Qual o seu conselho para as pessoas sobre como utilizar a tecnologia?

Eu me preocupo, de fato, com as trocas que fizemos no que diz respeito à comunicação. Nós passamos das linhas telefônicas para telefones celulares, ganhando uma maior acessibilidade geográfica, é claro, mas, em troca (e a maioria das pessoas não percebe isso) o atraso entre os dois lados da ligação é seis vezes maior, o que começa a erodir parte da dinâmica de temporização que caracteriza a comunicação em tempo real. Os nossos telefones começaram a se parecer com walkie-talkies. Enquanto isso, uma parte cada vez maior da interação migrou para o e-mail, com sua falta de entonação e tremendo potencial para mal entendidos e leituras equivocadas. E cada vez mais damos preferência a mensagens de texto, "tweets" e comentários no Facebook, que são ainda mais "empobrecidos" que o e-mail, um mero punhado de bytes em cada mensagem. Espero que tenhamos chegado ao ponto mais baixo da largura de banda, e que possamos começar a apreciar melhor a riqueza que esses meios deixam de fora.

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