Enquanto tenta equilibrar as contas do governo a fim de zerar o déficit primário no ano que vem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, recebeu uma nova bomba para desarmar. O problema, desta vez, foi criado por um aliado, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), autor de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pode gerar um custo adicional de R$ 6,3 bilhões por ano para a União.
Aprovado por unanimidade pelo Senado, o texto pode incorporar à folha de pagamento do governo federal até 50 mil servidores públicos que eram contratados dos antigos territórios federais de Rondônia, Amapá e Roraima, transformados em unidades federativas nos anos 1980. A proposta ainda permite que funcionários de municípios e até mesmo pessoas que trabalhavam sem vínculo efetivo tenham o mesmo direito.
Hoje, segundo cálculos obtidos pela “Folha de S.Paulo”, a União já paga salários de 16,3 mil servidores de ex-territórios, cujos vínculos foram reconhecidos a partir de 2015. A remuneração média desses funcionários é de R$ 9,7 mil, mas há cargos em que os vencimentos chegam a R$ 30,9 mil mensais.
Caso o a PEC aprovada no Senado passe integralmente na Câmara e todas as pessoas que tiverem direito de serem reenquadradas sejam atendidas, haverá um incremento de R$ 485 milhões à folha mensal, considerando o salário médio, o que resultaria em um gasto adicional de R$ 6,3 bilhões ao ano, já considerando o 13.º salário.
O montante imporia ao governo a necessidade de encontrar uma fonte de compensação, em um cenário em que a meta estabelecida pela Fazenda de ter resultado primário neutro em 2024 já é considerada inviável por boa parte dos analistas econômicos.
Técnicos do governo, sob condição de anonimato, disseram à "Folha" que, além do impacto orçamentário, a medida também pode dificultar a realização de concursos públicos planejados pelo Executivo.
Um acordo teria sido firmado com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que a matéria fosse votada na semana de aniversário de criação do território do Amapá, celebrado em 13 de setembro. A aprovação, em dois turnos, com votos de integrantes da base do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ocorreu no dia 12.
Em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, classificou a proposta como “muito ruim”.
“A PEC é muito ruim, e eu já falei isso para todo mundo: para o presidente [do Senado] Rodrigo Pacheco, para o líder do governo [no Senado, Jaques Wagner] e para o Randolfe. A gente entende o contexto da aprovação, foi uma questão interna do Congresso”, disse. “Agora vamos fazer um trabalho na Câmara para mudar o texto”, disse a ministra.
A intenção do governo é pelos menos tornar mais rígidas as regras para o enquadramento de servidores à folha da União. “[A PEC] ampliou prazo, afrouxou regras, incluiu outros Poderes, pessoas que não trabalhavam não só na administração estadual, mas também em municípios”, comentou Dweck.
Randolfe minimizou a resistência ao projeto e não descartou mudanças no texto. “Conversei com a ministra Esther. O maior problema eram as emendas [apresentadas]. Eventuais ajustes faremos na Câmara”, disse o parlamentar à “Folha” após a aprovação da proposta.
PEC uniu base e oposição e foi aprovada por unanimidade no Senado
Eleito pelo Amapá, o senador foi o primeiro signatário da PEC ainda em 2018. A proposta chegou a receber parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas foi arquivada em 2022 com o fim da legislatura anterior.
Este ano, o atual líder do governo no Congresso, além do senador Lucas Barreto (PSD-AP) fizeram pedidos pelo desarquivamento. Segundo os autores da proposição, a intenção é acabar com o tratamento desigual aos servidores dos diferentes ex-territórios.
Quando Rondônia passou a ser um estado da Federação, em 1981, a folha de pagamentos dos servidores ficou a cargo da União durante dez anos, até 1991. Com a promulgação da Constituição de 19881, Amapá e Roraima deveriam ser transformados em estados segundo os mesmos critérios, mas o período de transição acabou sendo fixado em apenas cinco anos.
“Esse direito, ao longo do tempo, não foi concretizado, lamentavelmente. Houve uma longa trajetória para chegarmos até o dia de hoje e garantir esse direito histórico daqueles que trabalharam nos ex-territórios de Rondônia, Roraima e Amapá. Nós estamos assegurando um direito represado para os cidadãos desses territórios federais”, disse o líder do governo.
O texto contou com amplo apoio no Senado, onde foi aprovado por unanimidade entre os presentes nos dois turnos de votação. O relator foi o senador Marcos Rogério (PL-RO), que faz oposição ao governo, mas que se uniu a Rodrigues na pauta.
“Veja que aqui nós temos, dentro da atuação política, dois extremos. O senador Randolfe, que é um dos líderes do governo no Senado e no Congresso, e eu, senador Marcos Rogério, de oposição. É um tema que une os dois extremos em defesa das populações dos nossos estados”, disse o relator no Plenário.
A PEC prevê que todas as pessoas que mantiveram vínculo de trabalho com a administração dos ex-territórios e seus municípios, ou que se tornaram servidores durante os dez primeiros anos de criação dos respectivos estados, poderão optar pelos direitos e vantagens do quadro funcional da União.
Se avalizada pela Câmara, essa será a quinta emenda constitucional com o objetivo de ampliar as possibilidades de incorporação de servidores dos ex-territórios. A novidade será a ampliação do espectro de beneficiários que podem integrar o quadro em extinção da administração pública federal.
Pela atual regra, a verificação do vínculo com os ex-territórios ocorre em um período de cinco anos, contado da data de criação dos estados. Pela PEC, o prazo passa a ser de dez anos.
Além disso, poderá ser reconhecido como beneficiário quem teve vínculo funcional, de caráter efetivo ou não, ou relação empregatícia, independentemente da forma de remuneração.
A regra valerá para pessoa que tenham trabalhado para a administração pública dos ex-territórios e de seus municípios; para a União, atuando no âmbito dos ex-territórios, dos estados ou das prefeituras; ou para empresa pública, sociedade de economia mista ou instituição financeira oficial, mesmo as já extintas. O enquadramento deve ter se dado por pelo menos 90 dias.
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