Quem viaja pelo Litoral Norte de Santa Catarina vê um cenário de transformação nas cidades da região. O ritmo de obras é frenético, tanto nas regiões centrais quanto às margens das principais rodovias, como a BR-101, onde armazéns, galpões e condomínios empresariais estão sendo erguidos. A região vive um "boom" demográfico e econômico.
Duas das cidades região, Itapoá e Barra Velha, estão entre as sete que mais cresceram em população no país entre os censos de 2010 e 2022, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A taxa média de crescimento foi superior a 6% ao ano, o que significa que a população mais que dobrou no período. A expansão populacional do Brasil nesses 12 anos foi de 0,5% ao ano, e a média de todo o estado de Santa Catarina, de 1,7%.
Investimentos privados nas cidades e nos arredores contribuíram para esse cenário. O Produto Interno Bruto (PIB) das oito cidades da região – Itapoá, São Francisco do Sul, Balneário Barra do Sul, Araquari, Barra Velha, Piçarras e Penha – cresceu a uma média de 7,53% ao ano entre 2002 e 2020 (último dado disponível), quase quatro vezes a média nacional no período (1,97% ao ano).
O Litoral Norte também se beneficiou da expansão da atividade econômica em centros próximos, como Joinville e Jaraguá do Sul. Questões logísticas também favorecem a região: em um raio de 200 quilômetros, há quatro aeroportos (Curitiba, Joinville, Navegantes e Florianópolis) e cinco portos (Paranaguá, Itapoá, São Francisco do Sul, Navegantes e Itajaí).
Outro atrativo são as praias da região. A falta de disponibilidade de terrenos e os elevados preços de imóveis em Balneário Camboriú, onde o preço do metro quadrado chega a superar os R$ 32 mil em prédios de alto padrão de frente para o mar, está levando investimentos no setor imobiliário para outras cidades do Litoral Norte catarinense.
“É uma área em franca expansão”, diz Thales Silva, diretor comercial da construtora Rôgga, de Joinville, que tem forte presença no Litoral Norte. A empresa espera alcançar valor geral de vendas de R$ 1 bilhão em 2024.
A combinação de polos empresariais e portos tem impacto em outra frente na construção: o surgimento de grandes galpões e complexos voltados para operações logísticas. “O segmento está em ampla expansão e está se profissionalizando muito rapidamente. O avanço foi muito grande desde a pandemia”, diz Jonas Tilp, especialista em imóveis com destinação corporativa.
A tendência de redução na taxa Selic também pode dar um estímulo a mais para os segmentos da construção civil e imobiliário. Desde agosto, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) vem promovendo reduções nos juros básicos da economia. A taxa passou de 13,75% ao ano para 12,25%, no início de novembro, e o BC sinaliza novos cortes adiante.
O executivo da Rôgga explica que a queda na Selic dá maior estímulo para o crédito imobiliário: “O custo do financiamento cai e aumenta o poder de compra dos clientes”.
Itapoá teve o quinto maior crescimento populacional do país
Um dos exemplos da transformação na região é vivenciada por Itapoá, com mais de 30 mil habitantes, e que teve o quinto maior crescimento demográfico entre os municípios brasileiros.
Segundo o consultor Osvaldo Aly Júnior, da Arkhe, dois fatores foram decisivos para essa virada: a duplicação da BR-101 e a chegada do Porto Itapoá. “Houve um efeito sinérgico entre estes fatores e o desenvolvimento de Itapoá, o que gerou oportunidades para que o município crescesse economicamente com condições para gerenciar esse processo”, diz.
Desde 2011, quando foi inaugurado o terminal portuário, já foram investidos R$ 2 bilhões e gerados 7 mil postos de trabalho diretos e indiretos. Segundo o presidente do Porto Itapoá, Cássio Schreiner, para os próximos dez anos estão programados outros R$ 2 bilhões em investimentos. “O fluxo vai depender do crescimento da demanda”, afirma.
Para 2024, está previsto um crescimento de 10% na movimentação de cargas para exportação e importação. Neste ano, o terminal já movimentou 1,1 milhão de TEUs (medida equivalente a um contêiner de 20 pés).
"Com o porto vieram mais empresas do segmento. Isto gerou mais recursos para a cidade", destaca o secretário de Desenvolvimento do município, Sérgio Grassi.
Ele destaca que as expectativas são favoráveis para a cidade. Há planos para a construção de um novo terminal portuário, da cooperativa paranaense Coamo, a maior do Brasil. Os investimentos estão estimados em R$ 1 bilhão e preveem a construção de três berços de atracação para grãos, fertilizantes, líquidos e gás. Ainda não há prazo para início das obras.
“O anúncio da instalação de um novo porto privado, além da expansão do terminal de Itapoá e dos investimentos na duplicação do acesso ao local, são importantes atrativos para a construção civil, mas não são os únicos. Também tem belas paisagens e forte apelo turístico”, diz o presidente do Sindicato da Indústria da Construção de Joinville e Região (Sinduscon), Carlos Lopes.
Itapoá reformulou também o seu plano diretor. No ano passado, a Câmara de Vereadores local aprovou a outorga onerosa, que possibilita a construção de prédios mais altos.
Uma das construtoras que está aproveitando a oportunidade é a Grassi Zapellini, que recentemente lançou um edifício de 17 andares com 59 apartamentos. “Depois da Covid, muita gente passou a priorizar a qualidade de vida, o que favoreceu a cidade”, diz o sócio Gerson Grassi.
Expansão dos negócios favorece Barra Velha
Quem também passou por um "boom" demográfico foi Barra Velha, que, segundo o IBGE, teve o sétimo maior crescimento populacional no país entre 2010 e 2022. O número de habitantes entre os censos saltou de 22,4 mil para 45,4 mil.
Grandes empresas se instalaram na região. A cidade recebeu um dos maiores centros de distribuição da varejista Havan e também uma fábrica da multinacional Cebrace, que fabrica vidros para a indústria automobilística. Nas redondezas, pouco mais de 20 km ao norte pela BR-101, na vizinha Araquari, está a única fábrica na América Latina da montadora alemã BMW, de carros de luxo, e uma fábrica de fios sintéticos da Hyosung, um conglomerado coreano.
“A expansão econômica e a facilidade para se chegar pela BR-101 tornou Barra Velha uma cidade atraente”, destaca Silva, da Rôgga. Paranaenses e paulistas estão entre os principais clientes da construtora.
Outro ponto que ele destaca é que a localidade, assim como Balneário Piçarras e Penha, fica no contrafluxo da rodovia para quem chega pelo aeroporto de Navegantes, o segundo mais movimentado de Santa Catarina e muito usado por quem vai visitar o Beto Carrero World, um dos principais parques temáticos do país e localizado em Penha.
Crescimento acelerado impõe desafios à região
Rosana Silva dos Reis, professora de Arquitetura e Urbanismo da UniSociesc, destaca que esse crescimento acelerado impõe uma série de desafios à região, como o abastecimento de água e energia, acesso ao esgoto, e à drenagem. Outros são unidades de saúde e ensino.
Segundo Reis, o Litoral Norte catarinense tem poucos mananciais de água e chega a enfrentar problemas de falta de energia em épocas como o fim do ano. Uma grande preocupação também é com a tendência à impermeabilização do solo, o que pode gerar alagamentos.
“Mais gente demanda mais esgoto, água e energia. Exige um reforço no planejamento urbano para que as cidades não entrem em colapso”, destaca.
Outra preocupação da professora é com o processo da gentrificação, no qual áreas urbanas de baixa renda passam por revitalização e valorização, muitas vezes forçando a saída dos moradores locais e substituindo-os por pessoas de maior poder aquisitivo, o que pode levar à transformação da identidade e cultura da comunidade.
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