Faltou dedo para contar, na última vez em que tentamos listar as cidades que querem ser o "Vale do Silício brasileiro". Também pudera. A cada duas patentes registradas nos EUA, uma fica na Baía de São Francisco (onde fica o Vale). Alguma cidade brasileira pode igualar este feito? Pouco provável. Mas criar um ambiente favorável à inovação, aí é outra história.
Por um motivo simples: as cidades estão cheias de problemas. É clichê, mas também é verdade dizer que aí estão muitas oportunidades. Principalmente para quem conseguir encontrar soluções baratas e em grande escala. Dois exemplos clássicos são o Uber e o Airbnb, que, criticas à parte, trouxeram ideias inovadoras de mobilidade e moradia.
Não há fórmula secreta para ter um ambiente inovador. São Francisco pegou carona na indústria do silício, motor da tecnologia da informação. Já Tel Aviv deve muito de seu sucesso a um investimento de 100 milhões de dólares feito pelo governo de Israel em indústrias disruptivas, no início dos anos 1990, na pré-história das startups.
Mas um consenso entre especialistas do setor é que sai na frente quem souber fazer parcerias. E mais: tem mais chance de vencer essa corrida quem estiver disposto a abrir mão. "Perder" startups para outras cidades ou países do mundo pode ser um bom sinal de um ambiente inovador.
Ambiente empreendedor
"Quando a gente fala em criar um ambiente melhor para empreender, é na cidade que isso se dá. Por isso precisa do poder público", defende o gestor de inovação do Sebrae Paraná, Luiz Gustavo Comeli, em debate sobre os ambientes de estímulo à inovação no SmartCity Business America, em Curitiba, nesta segunda-feira (22).
Não significa que o governo vai ser dono do projeto. Pelo contrário. Também não basta destinar um espaço físico e dizer "está aí a inovação". "Precisa de uma atmosfera inovadora, conectividade com as universidades, é um ambiente mais complexo", explica Comeli, que atualmente auxilia as cidades de Curitiba e Pinhais na criação de um marco legal para o setor.
Esta conectividade é um ponto chave. Um exemplo, que inclusive prescinde de participação do poder público, é o Open Innovation da Renault, em Curitiba. A empresa abriu as portas para estudantes universitários, em um primeiro momento. E hoje incuba startups com soluções de mobilidade que não vão virar negócios próprios, e que podem ter na montadora seu primeiro cliente.
O projeto colocou Curitiba no mapa de inovação dentro da empresa (que tem sede na França) e, localmente, colocou a Renault como um ator de referência em inovação, explica Alexandre Grenteski, responsável pelo Open Innovation.
O papel do poder público
Para soluções de cidades inteligentes (que basicamente é tudo que age sobre uma questão urbana, tendo uma base tecnológica), é necessário um processo de educação tanto do ecossistema de inovação, quanto do poder público. O investidor, por exemplo, tem de entender que a startup onde ele coloca o dinheiro têm chance de se relacionar com o governo. Por outro lado, um edital de cidade inteligente deve abrir espaço para inovação.
"Por exemplo uma concessionária num parque de inovação. Tem um monte de tecnologia que as startups estão criando e que ela pode incorporar", explica a advogada Evy Marques, sócia do Felsberg Advogados. No caso, a concessionária é a empresa contratada pelo poder público. As startups entram de forma complementar. Mas é importante que o edital tenha previsão para isso, já lá no começo. Outra coisa que a lei brasileira já permite, por exemplo, é que o governo entre como sócio minoritário de uma empresa, como forma de investimento.
Mas o poder público também pode atrapalhar, e muito, lembra Rodrigo Quinalha, Head da Kick Ventures (fundo que já investiu em mais de 70 startups no Brasil e no mundo). É comum que grandes prestadores de serviço para o governo passem dias, até meses sem receber por um contrato, por exemplo. “Mas numa startup, R$ 10 mil [de atraso] é o que pode quebrar o cara”.
O investidor também alerta que, mesmo nos casos em que o governo entra cena, a ação do privado muitas vezes é crucial. Ele cita a Nama, que desde janeiro oferta um serviço de chatbot (aqueles robôs de resposta automática) para o governo do estado de São Paulo.
A agência de fomento Desenvolve SP assinou contrato de financiamento no valor de R$ 1,4 milhão com a startup. “Estes caras, para chegar lá, tiveram investimento-anjo antes, então o privado [entra em cena] antes para levar algo já pronto para o governo”.