O enfermeiro Jake Creviston já foi chamado de doutor várias vezes. Adam White diz que os pacientes de quem cuida como aluno de enfermagem no Hospital de Veteranos se sentem à vontade com dele, porque é “grandão e barbado”. Glenn Fletcher, após ser demitido de uma serraria durante a crise financeira, encontrou uma nova carreira na enfermagem. E, com ela, “uma sensação boa de deitar a cabeça no travesseiro sabendo que ajudei outras pessoas”.
As experiências dos enfermeiros oferecem lições que poderiam ajudar a resolver um problema atual: como preparar os trabalhadores para uma das profissões que mais crescem e em um momento em que mais de 25% dos homens dos Estados Unidos estão fora do mercado de trabalho.
Apenas 13% dos enfermeiros nos Estados Unidos são homens, mas esse número cresce constantemente desde 1960, quando era de 2%, de acordo com um trabalho publicado em outubro pelo Centro Washington de Crescimento Equitativo.
Nesta reportagem, leia também:
“Não é um número altíssimo, mas representa uma mudança”, disse Abigail Wozniak, economista da Universidade de Notre Dame, que escreveu um trabalho sobre esse tema com Elizabeth Munnich, economista da Universidade de Louisville. As principais razões para uma maior proporção de homens na profissão, como elas descobriram, foram as mudanças na economia e a ampliação dos papéis de gênero.
A reportagem conversou com alguns enfermeiros com trajetórias profissionais e especialidades diferentes e que trabalham no Noroeste dos Estados Unidos, região onde o recrutamento se concentrou na tentativa de levar homens para a enfermagem.
Alguns foram atraídos pela ideia de prestar cuidados; outros, pela adrenalina do trabalho. É um emprego que oferece estabilidade e boa remuneração, coisas difíceis de achar hoje, disseram elas, mas também uma atividade da qual se orgulham.
Áreas tradicionalmente femininas são as que mais crescem. E isso é um desafio
As mulheres entram em campos dominados por homens há décadas, mas é menos comum para uma ocupação predominantemente feminina ter um aumento substancial da participação dos homens. Porém, os postos de trabalhos que estão desaparecendo tendem a ser os de áreas tradicionalmente masculinas, e os que estão crescendo em sua maioria estão nas femininas.
A enfermagem não é nenhum modelo de igualdade entre os sexos: mesmo que eles sejam uma minoria, recebem salários maiores que os delas. O estigma ainda é profundo, particularmente entre os pacientes mais velhos e em partes do país com papéis de gênero mais tradicionais, contaram os enfermeiros.
Vários disseram que o filme “Entrando numa Fria”, no qual Ben Stiller interpreta um enfermeiro, e o pai de sua namorada não gosta nem um pouco dessa carreira, não ajudou.
Mas, para alguns homens, a noção de que esse tipo de trabalho é feminino está desatualizada. “Essa ideia de que os homens não conseguem cuidar dos outros da mesma maneira que as mulheres é parte de uma narrativa cultural que não conhece os fundamentos da enfermagem”, disse White, o aluno do Hospital de Veteranos, que vai se formar pela Universidade de Ciências e Saúde do Oregon, em Portland.
Os pesquisadores também descobriram que os fatores econômicos influenciam; há um declínio em algumas profissões por causa da crise da habitação, do comércio e da automação, e um crescimento em empregos e salários na área de saúde.
A enfermagem está crescendo mais rápido do que a ocupação média, e os salários aumentaram de forma constante desde 1980. O salário médio é de US$ 68.450, aproximadamente o mesmo que recebem trabalhadores de nível universitário em geral.
“Muitos desses empregos na indústria e outros semelhantes não existem mais. Recebemos um salário realmente bom, e acho que isso está começando a atrair mais enfermeiros”, disse David Baca, enfermeiro do departamento de emergência em Medford, Oregon.
O trabalho usou dados do censo de homens nascidos nos Estados Unidos que completaram 18 anos entre 1973 e 2013. E revelou que o aumento no número de enfermeiros foi uniforme em todo o país, embora negros e latinos, além dos que vivem em áreas rurais, sejam menos propensos a ingressar nessa profissão.
Enfermagem é uma carreira na qual homens e mulheres geralmente iniciam mais tarde na vida, em parte porque é possível receber um certificado no meio da carreira, sem a necessidade de um bacharelado. Porém, como os hospitais estão cada vez mais exigentes, buscando enfermeiros com quatro anos de formação, essa pode se tornar uma barreira para aqueles que querem entrar no campo, disseram os pesquisadores.
“Sabemos que os trabalhadores podem levar muito tempo para se estabelecer em suas ocupações, mas esse não é o caminho tradicional que vêm à cabeça quando pensamos em treinar nossa força de trabalho”, disse Wozniak.
É mais provável que os enfermeiros, não as enfermeiras, já tenham trabalhado como técnicos de emergência médica, enfermeiros militares ou técnicos de laboratório, e que estejam envolvidos com tratamentos agudos em hospitais, em vez de clínicas de atendimento primário. Quase metade dos enfermeiros anestesistas, um dos empregos de enfermagem mais bem pagos, é de homens.
Em entrevistas, eles dizem que gostam da variedade no trabalho: podem atender pacientes no quarto, auxiliar cirurgias, dar aulas e trabalhar com a parte técnica ou administrativa.
Muitos disseram achar uma vantagem ser a minoria no campo de enfermagem. Hospitais e pacientes se beneficiam quando os enfermeiros refletem mais de perto a população de pacientes, mostram pesquisas.
Às vezes os pacientes preferem um funcionário de um determinado sexo, particularmente para procedimentos como inserir um cateter, e alguns homens se sentem mais à vontade para falar abertamente com outro homem.
“Trabalho neste andar com pacientes que fizeram cirurgia urológica ou amputações, e eles me dizem que, quando entro no quarto e fecho a porta, se sentem mais compreendidos e deixam de lado a atitude de durão”, disse White.
Por que a enfermagem ganhou essa tradição feminina
A enfermagem acabou se tornando uma profissão feminina porque as mulheres eram vistas como cuidadoras naturais, disse Patricia D’Antonio, historiadora da profissão da Universidade da Pensilvânia. Mas até a segunda metade do século XIX, os homens eram empregados como enfermeiros em áreas que exigiam força física e coragem, como cuidar de pacientes durante uma epidemia perigosa. Isso começou a mudar quando Florence Nightingale levou um grupo de enfermeiras para trabalhar na Guerra da Crimeia, em 1854.
A enfermagem se tornou uma profissão tão vinculada ao gênero que os homens eram impedidos de servir no corpo de enfermeiros do exército durante as duas guerras mundiais. Só na década de 1960 que área começou a tentar refletir melhor seus pacientes em termos de gênero e raça, disse D’Antonio.
O Centro de Enfermagem do Oregon, um grupo de desenvolvimento da força de trabalho, começou a recrutar homens e minorias para a enfermagem no início de 2000. E também uma campanha de marketing – “Você é homem o suficiente para ser enfermeiro?” –, que se espalhou por todo o país. Cartazes mostravam enfermeiros carregando uma prancha de snowboard ou vestindo uma jaqueta de motociclista.
“Foi só uma tentativa de repensar o modo em que descrevemos o trabalho e de focar no perfil que é preciso ter para conseguir ser um bom profisional”, disse Deborah Burton, que fundou o centro e agora é chefe de enfermagem no Providence St. Joseph Health, um sistema de saúde na Costa Oeste.
Ultimamente, os esforços para recrutá-los vêm se concentrando menos em gênero e mais nas recompensas da carreira, com o slogan: “Faça o que ama, e você vai acabar amando o que faz”.
Os enfermeiros disseram ter gostado da mudança. Creviston, enfermeiro psiquiátrico e professor de Enfermagem de Saúde Mental em Portland, Oregon, disse: “Não acho que estamos fazendo nenhum favor à sociedade ao passar essa mensagem de que a enfermagem é essa coisa supermasculina. Se o objetivo é trazer os homens certos para o campo, por que não mostrar como é gratificante segurar a mão de uma pessoa que está morrendo?”.