A maioria dos jovens brasileiros quer trabalhar fora do país. É o que aponta uma pesquisa realizada pelo Boston Consulting Group (BCG), nos primeiros três meses deste ano, em âmbito global, com mais de 360 mil profissionais. O levantamento mostra também que 75% dos 1.358 brasileiros entrevistados gostariam de trabalhar em outro lugar do mundo – no último levantamento, em 2014, eram 63%. A maior parte tem pelo menos a graduação (55%), qualificação secundária (21%) e mestrado (19%). Em menor fatia, aparecem pessoas com título de PhD e doutorado (2%), além de high school (3%) e educação não-formal (1%). Entre eles, 76% tinham menos de 30 anos.
A busca por experiência profissional e pessoal, oportunidades de carreira, vivência de novas culturas e, principalmente, melhora de qualidade de vida é a principal justificativa que leva os jovens brasileiros a terem o desejo cada vez mais forte de deixar o país de mala e cuia.
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Evasão de talentos é preocupante, avalia especialista
Foi o que fez Tiago Dadalto Schettino, de 32 anos. Formado em engenharia elétrica pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e com capacitação comprovada na área de coaching empresarial, ele partiu em fevereiro do ano passado de Curitiba para Las Rozas, município espanhol a 20 minutos de Madri, em busca de reconhecimento e crescimento profissional, além de segurança e qualidade de vida.
Com ele, foram a mulher, Natalia, e o primeiro filho do casal, hoje com 2 anos (há cinco meses nasceu uma menina). Schettino conta que antes de irem embora fazia seis meses que procurava emprego na capital paranaense, para cargos voltados ao desenvolvimento de pessoas, sem ao menos ser selecionado para entrevista.
“Ninguém valorizava minha experiência no meu país. Logo que comecei a procurar emprego na Europa, participei de três processos seletivos, me valendo das mesmas técnicas que usava no Brasil. Meu currículo foi tão valorizado, que me apliquei a uma vaga e em dois meses estava selecionado”, conta.
O brasileiro, que atua como coaching no banco holandês ING, escolheu a Espanha por já ter um conhecido no país e acreditar que o choque cultural poderia ser menor que em outros locais de interesse. Ele não tem qualquer pretensão de voltar. “Não é uma experiência fácil, mas encontramos o que estávamos procurando. Além da experiência profissional muito boa, nos deparamos com muita segurança para nós e nossos dois filhos e um custo de vida compensador, a ponto de podermos nos dar ao luxo de somente um trabalhar fora, algo inconcebível no Brasil.”
EUA e Alemanha lideram ranking; Canadá e Austrália se destacam
Os Estados Unidos aparecem como o destino mais popular em todo o mundo, exceto para os mexicanos, por conta das políticas do presidente Donald Trump. A Alemanha está em segundo lugar, principalmente pelo efeito Brexit, que fez muitos desistirem de trabalhar no Reino Unido. Ele caiu da segunda para a quinta posição. Destaque para países como Canadá e Austrália, também como um efeito da política anti-americana.
O casal de brasileiros Marcia, 39, e Nelson Hauptman, 41, panejou a mudança para o Canadá durante dois anos. Moradores de Curitiba, eles venderam casa, automóvel, motos e pertences pessoais, largaram seus empregos e estão desde novembro de 2016 em Toronto, com vistos de trabalho e estudo.
“Nossa vida era muito estável, mas não estávamos realizados profissionalmente, além de inseguros em relação à violência”, conta Marcia. Ela é nutricionista formada há 17 anos e em novembro fará a prova de validação do diploma para poder atuar no país. “Hoje faço um trabalho que equivale ao de um técnico em nutrição no Brasil, por não ter ainda o diploma validado. Porém, o salário já corresponde ao dobro do que ganhava como nutricionista formada em Curitiba. Com o certificado de graduação aprovado, poderei triplicar o salário.”
Nelson é farmacêutico e bioquímico há 18 anos. Está terminando a segunda pós-graduação e à procura de uma oportunidade na carreira. “Diferentemente do Brasil, ter uma especialização no Canadá em qualquer área é motivo de reconhecimento e se paga mais ao profissional.” O casal também não pensa em retornar.
“Se colocarmos na ponta do lápis, o custo de vida é muito parecido com o do Brasil, mas a qualidade de vida não tem como mensurar, a carga tributária é baixa e mesmo quem tem pouco consegue ter acesso a tudo o que o rico tem.”
O outro lado: Brasil é 23° no ranking, como esperança de crescimento para estrangeiros
O Brasil, por sua vez, apesar de aparecer em 23.º no ranking de lugares atraentes, é esperança para estrangeiros, principalmente originários do Peru, Angola, Argentina, Costa Rica, Chipre, Benin, Equador, Colômbia, República Dominicana e Nicarágua.
Leonardo Rincon, 35, mora há oito anos no Brasil e não pensa em ir embora tão cedo. Ele chegou em Florianópolis em 2010, com ideia apenas de cursar um mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e voltar para a Colômbia. Mas acabou ganhando bolsa para um doutorado e um pós-doutorado. Desde o ano passado Rincon é professor da própria instituição no câmpus de Blumenau, contratado por meio de concurso. “Fui muito valorizado no Brasil”, diz.
Ao comparar a qualidade do sistema educacional do Brasil e da Colômbia, Rincon afirma que jamais teria mesmo êxito em seu país. “O Brasil está muito à frente que outros países da América Latina. Não temos universidades públicas no mesmo nível. Teria que pagar o equivalente a R$ 200 mil em uma particular na Colômbia para ter ensino semelhante.”
O estrangeiro conquistou um salário que equivale ao dobro do que ganharia em seu país de origem. Ele afirma que pretende sair do Brasil em algum momento, para um novo pós-doutorado, e estuda lugares como Reino Unido, China, EUA e Rússia. “Mas deve demorar. Ainda quero desfrutar da grande oportunidade que o Brasil me proporcionou.”
Evasão de talentos é preocupante, comenta especialista em carreira
A pesquisa retrata uma tendência percebida há algum tempo, comenta o consultor de carreira da ESIC Business & Marketing School, Alexandre Weiler. O exterior sempre ofereceu grandes oportunidades, justamente por ser sede de grandes empresas. E nelas é que se conseguem os melhores salários, diz ele.
“Notamos que essa situação dos últimos anos tem potencializado isso muito fortemente, um pouco a questão de violência e insegurança e a própria economia. Estas pessoas com maior valor agregado em nível de competência e mais esclarecidas estão sentindo mais fortemente. E, por terem oportunidades de buscarem isso lá fora, elas fazem isso acontecer.”
Para ele, é uma situação preocupante e faz um comparativo com países como a Índia e a China. “Ambos sempre potencializaram que pessoas estudassem fora. A diferença é que a Índia nunca teve um plano para utilizar essas pessoas no retorno. Então ela acabou tendo um maior número de doutores per capita, mas sem grande evolução. A China fez isso de uma forma muito mais coerente, mandou apenas 40% em número do que a Índia enviou, porém sempre com um plano de reutilização.”
O momento, na opinião do especialista, demanda uma intervenção e uma ação sistêmica o mais pronto possível de governo, sociedade civil organizada e associações empresariais.
“É preciso que um incentive ou outro, tanto do ponto de vista de segurança, como de oportunidades e qualidade de vida, justamente para que os talentos queiram estar em território nacional. Somos um país potente frente a América Latina e temos totais condições de agir”, avalia Weiler.