Uma das maiores dores das empresas hoje está nas contratações erradas. A Sociedade para Gestão de Recursos Humanos (SHRM, na sigla em inglês) estima que o custo de substituição de um funcionário equivale de seis a nove meses o salário dele. Mas não se trata apenas da perda de tempo e dinheiro. A falta de afinidade entre companhia e profissional pode trazer prejuízos que vão além disso, para os dois lados, especialmente quando não é possível consertar o erro.
Não é à toa, portanto, que a área de seleção e recrutamento foi o primeiro alvo da área de recursos humanos a ser desbravado pela tecnologia. Na linha de frente desse movimento está um grupo de startups cujo objetivo é promover o encontro entre o candidato ideal e a empresa ou, usando uma gíria dos sites de relacionamento que se popularizou entre essas novas empresas, o “match” perfeito. Na mesma linha das fintechs que chacoalharam o mercado financeiro, as HR Techs, como são chamadas essas startups, estão mudando a cara do RH com a ajuda da tecnologia.
LEIA MAIS >> Empresas podem descontar faltas na greve, mas o melhor é buscar um acordo
Palavras e conceitos como inteligência artificial, gamificação, people analitycs (análise de pessoas a perfis) big data, machine learning, entre outras, passaram a fazer parte do vocabulário dos gestores de pessoas de muitas empresas, principalmente das grandes. Mais do que isso, estão mudando o jeito de selecionar, contratar, gerenciar e reter profissionais nas empresas. Os candidatos, por sua vez, também precisam se adaptar: currículos, entrevistas de emprego e dinâmicas da forma como conhecemos hoje estão com os dias contados.
Mariana Dias conhecia bem os custos da alta rotatividade de funcionários e outro problemas típicos do RH quando resolveu deixar o emprego na área de recrutamento e seleção de uma multinacional para empreender justamente neste setor. Junto com mais três sócios – o irmão Guilherme Dias, Bruna Guimarães e Robson Ventura – ela criou a Gupy.
A startup desenvolveu um sistema de recrutamento e seleção com inteligência artificial que ajuda a empresa a estruturar todo o processo seletivo, customizado conforme suas necessidades. Depois, a partir das informações inseridas no sistema, os robozinhos da Gupy entram em ação cruzando dados, gerando indicadores, indicando gaps do processo e coletando informações, preferências e movimentações dos candidatos dentro do software para entender e conectar o profissional que mais combina com a companhia de forma mais rápida e eficaz.
“Quanto mais a empresa usa o sistema, mais ele fica treinado para buscar o melhor candidato”, afirma o sócio Guilherme Dias. “Com o profissional certo no cargo certo, a relação tende a ser mais duradoura e produtiva. E todos ganham”.
Com apenas 2,5 anos de estrada, a Gupy já atendeu mais de 100 companhias, muitas de grande porte como Ambev, Cielo, Telefônica e Kraft Heinz. Escolhida pelo segundo ano seguido para um programa de residência do Google Campus, um espaço de espaço de empreendedorismo da gigante de tecnologia, a startup tem hoje uma equipe de 40 pessoas e recebeu, no ano passado, R$ 1,5 milhão de aporte dos fundos Canary e Yellow Ventures para escalar o negócio.
“Olhamos muito para o que existia lá fora antes de criar a Gupy, mas aqui o buraco é um pouco mais embaixo. Saímos do zero, do currículo de papel, para construir processo de recrutamento 100% digital”, diz.
Atuação em nichos
Se há várias startups para cada dor do RH, a TalentBrand escolheu um nicho ainda mais específico para atuar. A empresa tem menos de um ano e já fatura alto (cerca de R$ 100 mil) com soluções de big data e hunting automatizado apenas para profissionais de marketing, relacionamento e vendas. Funciona como um banco de talentos premium onde o candidato também pode se cadastrar.
“Nossa tecnologia busca profissionais que se destacam por questões técnicas e comportamentais no mercado. A maioria está empregada e é convidada a entrar na nossa plataforma para dar um novo passo de carreira”, afirma Raphael Dyxklay, cofundador da startup, composta por um equipe de 15 pessoas. Segundo ele, o recrutamento é feito entre os 5% melhores candidatos e as chances de contratação aumentam em 2,5 vezes.
O desafio, segundo Raphael, é colocar o profissional certo na vaga certa. Parece fácil, mas é difícil. “Os melhores são disputados e se você não oferecer a melhor experiência para esses profissionais, vai perdê-los. Nosso trabalho contrasta muito com o padrão de processo seletivo de muitas empresas, frio, distante, impositivo e impessoal”.
Análise de pessoas e perfis
A Pin People também nasceu focada apenas em recrutamento e seleção, há três anos. Oferecia uma análise de fit cultural (valores e comportamento) entre empresa e o profissional para ajudar na escolha da pessoa certa naquele momento. Logo teve de ampliar o foco do negócio.
“Percebemos que as empresas contratavam pela competência técnica, mas demitiam pelo comportamento. Naquele momento [da seleção] aquele candidato combinava, mas, dependendo das mudanças, a relação parava de fazer sentido”, explica Isabella Botelho, cofundadora da startup junto com Frederico Lacerda.
Hoje, além da análise do fit, a plataforma oferece uma solução de people analitycs que une psicologia organizacional, ciência de dados e tecnologia para criar um “filme” da jornada do colaborador empresa. Por que isso é importante? A Pin People automatiza essas informações, da seleção, contratação e de pesquisas com os funcionários, e transforma isso em dados que permitem à empresa corrigir a rota no meio do caminho.
Para preservar os profissionais, a análise é sempre entregue de forma coletiva, explica Isabella. “O que fazemos é agrupar os dados individuais e oferecer um diagnóstico. Por exemplo: 70% do seu grupo de talentos não esta satisfeito com essa variável”, detalha ela. Com um time de 10 pessoas focado basicamente em tecnologia e atendimento operacional, a Pin People recebeu R$ 600 mil em investimento anjo em 2016 e agora abriu nova rodada de captação.
HR Techs atuam em 11 frentes
Assim como a Gupy, TalentBrand e Pin People, a maioria das HR techs tem menos de três anos de vida e equipes enxutas. Um levantamento da aceleradora Liga Ventures identificou pelo menos 122 startups atuando em 11 categorias do RH no país, como, por exemplo, recrutamento, seleção, gestão de processos, plataformas de saúde dos funcionários, cursos e treinamentos, ponto, operações e folha de pagamento. A maioria delas está em São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio de Janeiro.
O nicho promissor despertou o interesse dos sócios Antonio Loureiro e Marcelo Vianna, fundadores da consultoria em TI Conquest One. Em janeiro deste ano, aproveitando a expertise de 21 anos em tecnologia e gestão de pessoas, eles lançaram a CQ1 Lab, uma aceleradora de negócios só de recursos humanos, em parceria com o investidor-anjo Rafael Brunacci. A aceleradora recebeu investimento inicial de R$ 1 milhão para impulsionar seis projetos neste ano.
Por enquanto, quatro startups estão em processo de aceleração no coworking da CQ1 Lab, em São Paulo, todas criadas por jovens empreendedores que atuaram na área de recursos humanos dentro de outras empresas e, conhecendo as dores do setor, acabaram saindo para desenvolver projetos próprios.
“Tem muita coisa bacana sendo feita em melhoria de processos de gestão de recursos humanos. Nós buscamos projetos que já tenham uma cara e com amplitude internacional, que possam ser replicados lá fora. É comum ter soluções muito voltadas para o mercado brasileiro, o que dificulta a escalada internacional. Olhamos muito isso”, detalha Loureiro.
Os interessados em fazer parte do projeto podem entrar em contato com a aceleradora no site http://wwww.cq1lab.com.br.