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Segundo destino favorito de brasileiros, Portugal carece de bons empregos e salários

 | Agliberto Lima/Fotos Públicas

Portugal foi escolhido como o novo país queridinho dos brasileiros que querem fugir da crise econômica e política que circunda o país. Embora uma pequena parte de quem cruza o Atlântico não precise se preocupar muito com questões financeiras, a maioria das pessoas que se dirigem rumo aos encantos portugueses acredita que o país será um bom lugar para recomeçar e, principalmente, investir na carreira profissional. 

Segundo uma pesquisa da Datafolha, o destino é o segundo favorito dos jovens brasileiros com intenção de emigrar, perdendo apenas para os Estados Unidos. No entanto, as estatísticas mostram que o crescimento econômico dos últimos anos em Portugal ainda não se refletiu em todos os setores da sociedade, tornando a precariedade uma realidade estrutural do mercado de trabalho local.

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Segundo Luís Coelho, professor na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve, era de se esperar que o bom momento econômico vivenciado por Portugal tivesse um desempenho positivo no mercado de trabalho. E, em partes, há motivos para comemorar. Com um crescimento no PIB do país estimado em 2,3% no segundo trimestre de 2018 em relação ao mesmo período do ano anterior, a taxa de desemprego vem caindo significativamente desde 2016, atingindo os 6,7% atualmente, ou seja, um montante muito perto do que era típico em Portugal no período pré-crise, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).

O problema é que as criações de empregos estão centralizadas em duas áreas principais: turismo e construção. No ano passado, por exemplo, o setor de restaurantes e hospedagem foi responsável por 29,1% dos empregos gerados, enquanto a área da construção criou 11,6%, ainda segundo dados do INE. “A precariedade está ligada ao tipo de emprego que estamos a criar. A esmagadora maioria destes empregos é dirigida a pessoas com baixos níveis de escolaridade”, explica o economista. No que diz respeito aos empregos criados em turismo, setor que já representa 9% do PIB de Portugal, 9 em cada 10 anúncios exigem apenas o equivalente ao ensino fundamental no Brasil, segundo informações do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).

Sendo o trabalhador pouco qualificado ou não, os baixos salários dos empregos são uma constante no mercado português. Para elucidar essa realidade, o jornal luso Expresso fez recentemente uma reportagem mostrando que 79% das ofertas de trabalho anunciadas entre janeiro e maio em Portugal para pessoas com grau universitário pagavam menos de mil euros brutos (o que traduz-se em 800 euros ou menos após os impostos). 

A matéria destacava, inclusive, duas vagas de empregos que ofereciam 600 euros a um pedreiro com até o 4.º ano de escolaridade – mais cinco euros por dia para as refeições – enquanto a um arquiteto com especialização, experiência profissional, versatilidade de horários e capacidade de liderança pagava-se somente 580 euros, isso sem vale-alimentação.

Por outro lado, os salários dos presidentes das 20 maiores empresas cotadas na bolsa de valores de Lisboa subiram 40% nos últimos três anos, segundo dados do jornal português Diário de Notícias. Ou seja, a quantia da remuneração média desses executivos é 46 vezes maior do que a de seus respectivos funcionários. 

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Com frequência, as contas de quem veio para Portugal não fecham

Ganhando um dos salários mais baixos da Europa Ocidental (580 euros) enquanto os custos de vida só aumentam por causa do boom turístico, as contas de quem vive em Portugal não fecham. É o caso da curitibana Elizabete Oliveira, de 40 anos, que chegou em fevereiro na companhia do marido e de dois filhos (um de 11 anos e o outro de 6). Graduada em Relações Internacionais e com especialização em Gestão de Qualidade e Processos, Elizabete trabalha como assistente administrativa em uma imobiliária na região de Castelo Branco, no centro de Portugal.

“Quando cheguei em Portugal, fui trabalhar na recepção de um hotel, mas, chegando lá, não havia muito movimento, então eles me pediam para ajudar em algumas outras tarefas, como limpar e passar roupa. Eu pedi demissão e comecei a trabalhar no lugar que estou hoje”, conta. Meses depois, a situação de Elizabete não parece muito melhor. “Estou na imobiliária há três meses, mas só consegui contrato neste último mês. Nos dois primeiros meses, trabalhei 52 horas semanais, de segunda a sábado, mas como não tinha nem contrato não tinha como reclamar. Continuo trabalhando muitas horas hoje, mesmo que no contrato esteja somente 40 h, mas espero que tudo melhore quando eu validar meu diploma. Com salário mínimo e gastando 150 euros só de combustível para ir e voltar para o trabalho, estou meio que pagando para trabalhar só para conseguir experiência aqui.” 

Para a arquiteta e urbanista Lua Bittencourt, de 28 anos, nascida em Portugal e educada no Brasil, a dificuldade começa pela validação do diploma universitário, mas não para por aí. “O mercado de trabalho é bastante fechado aqui. Para conseguir entrar no cenário, é preciso fazer contatos e conhecer alguém. Vivendo há dois anos aqui, já passei por uma série de entrevistas e nunca consegui nada. Como estou fazendo doutorado, meu plano é conseguir me encaixar na vida acadêmica daqui, outro grande desafio.”

Em Portugal desde 2015, a especialista em marketing digital paulistana Luli Monteleone, 34 anos, mudou de país porque queria ter a experiência de morar fora – e não andava contente com a falta de segurança no Brasil. Apesar de estar feliz com a qualidade de vida, ela estranha o mercado pouco aquecido em sua área. “Vagas na área de marketing existem, mas esta ainda não é uma área tão valorizada e respeitada pelas empresas portuguesas como é no Brasil”, relata. 

Sobre a precariedade do mercado de trabalho, Luli conta que já chegou a trabalhar em empresas que não pagavam hora extra e exigiam mais de 12h de trabalho por dia, e chegou até mesmo a ser demitida por carta, sem nenhum aviso dos superiores ou feedback sobre o motivo da demissão. “A minha percepção é de que o trabalhador aqui não é valorizado nem como profissional, nem como pessoa.” 

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Em contato com muitos brasileiros que sonham em vir para Portugal por causa do seu blog e Instagram, com cerca de 12 mil seguidores, Luli costuma alertar que, apesar de Portugal ser um lugar excelente para se viver, não é esse paraíso todo que muitos falam no Brasil. 

“Costumo dizer para as pessoas pensarem no que elas procuram ao se mudarem para cá. Qualidade de vida? Ótimo. Mas se você procura construir uma carreira, não acho que Portugal seja a melhor opção. Se o mercado de trabalho já é difícil para os próprios portugueses, imagina para um brasileiro que muitas vezes tem que lidar com estereótipos e preconceitos até com o jeito que falamos no Brasil?”

Portugal também vive ‘fuga de cérebros’

A solução para muitas pessoas, brasileiros ou não, é mudar de área, geralmente migrando para empregos pouco qualificados e com contratos temporários, outra característica que marca a precariedade no mercado de trabalho português. Formado em Geografia e Planejamento Regional, o português Nuno Diogo Pais, de 33 anos, percebeu desde cedo que teria dificuldades no mercado de trabalho se continuasse na sua área de especialização. 

“Desde os 18 que trabalho. Já passei por vários lugares... Trabalhei em loja de telecomunicações e em vários call centers. Na minha área mesmo, só trabalhos breves e a recibos verdes [o equivalente à emissão de nota fiscal MEI no Brasil]”, conta Nuno, que atualmente trabalha no atendimento ao público do Airbnb em uma empresa terceirizada.

Em razão desse panorama pouco atrativo, muitos jovens portugueses costumam emigrar para outros países europeus. Atualmente, cerca de 1,7 milhão de portugueses vive pela Europa (ou seja, 17% da população portuguesa), em países com a economia mais forte, como Reino Unido e Alemanha. Nos últimos anos, o cenário vem apresentando melhoria e o desemprego entre os jovens diminuiu significativamente - desceu para 19,4% no segundo trimestre deste ano, mas chegou a bater 38,1% em 2013. Ainda assim, há uma boa parcela que prefere construir carreira fora. 

A publicitária portuguesa Carolina Valentim, de 25 anos, é uma dessas pessoas. Após estagiar em Portugal e perceber que não teria muito sucesso na área, mudou-se para São Paulo em março de 2015 para fazer um curso de especialização e procurar trabalho. Feliz com as conquistas profissionais (hoje ela trabalha em uma agência de publicidade digital na capital paulista), Carolina diz pensar em voltar para Portugal um dia, mas não em breve. “Amo o meu país, mas por enquanto não considero viável voltar porque com a minha idade e anos de experiência profissional não conseguiria um salário bom o suficiente para morar sozinha em Lisboa atualmente. Quando quiser ter filhos, volto para Portugal. Mas por enquanto quero viver a minha vida de jovem-adulta numa cidade que me oferece um salário digno.”

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De longe, Carolina acompanha a vida dos amigos que ficaram em Portugal com certa preocupação. “Foram poucos foram aqueles que conseguiram sair de casa dos pais até agora.” Já aos brasileiros que querem trocar o país por Portugal, ela afirma que costuma avisá-los que os salários portugueses não são como os brasileiros, ao menos para quem é altamente qualificado, e que a vida na terrinha é bem mais simples. 

“Eu conto que é difícil encontrar emprego porque o país é pequeno e tem menos oportunidades. Outra coisa que eu digo é que essas pessoas terão de repensar muitos hábitos do cotidiano. Por exemplo, aqui em São Paulo é muito comum a classe média alta almoçar e jantar fora, assim como chamar um Uber, por exemplo, mas em Portugal essas ações ficam reservadas para ocasiões especiais. São comodidades que os portugueses não têm há muito tempo porque os salários não permitem. É preciso fazer uma excelente gestão do salário porque dificilmente sobra no fim do mês. Em contrapartida, essas pessoas vão poder viver num lugar lindo e seguro, algo que muitos brasileiros me dizem que estão à procura.”

Algumas áreas oferecem mais oportunidades

Para quem busca mudar de área, precisamente para os setores de desenvolvimento web (também conhecido como programação), mercado imobiliário ou empreendimento turístico, Portugal pode apresentar boas possibilidades. Graduado em Tecnologia de Informação, o português Frederico Sanches, 29 anos, tinha dificuldades em achar um emprego que pagasse bem em Portugal dentro de sua área. Por isso, decidiu mudar de carreira e fez um curso intensivo em desenvolvimento web, o que resultou em várias propostas de empregos. 

“Consegui uma boa oportunidade de emprego bastante rápido e senti, pela primeira vez, um grande interesse nos meus conhecimentos técnicos da parte do mercado de trabalho em Portugal. Acredito que foi um bom investimento e hoje sinto que tenho facilidade em arranjar oportunidades nesta área e com boas condições de trabalho.”

A publicitária paulistana Ana Paula Alcalde, de 28 anos, foi outra que não teve medo de se jogar em outra área quando percebeu que sua especialização não era valorizada em Portugal. No país desde 2013, ela chegou a trabalhar em empresas portuguesas de grande porte, mas com condições de trabalho piores do que havia encontrado no Brasil. “Muitas horas de trabalho e remuneração baixa foram os tópicos mais visíveis. Embora continue apaixonada pela minha primeira escolha de carreira, fiquei frustrada com o que encontrei aqui e resolvi mudar de área”, conta Ana Paula, que atualmente é proprietária de uma empresa de turismo receptivo e faz tours de tuk tuk, em voga nas ruas de Lisboa e Porto. 

“Acho que o fundamental é vir para cá com a cabeça aberta, não esperando encontrar a mesma realidade do Brasil. Eu vejo uma pequena melhora no mercado de trabalho português em geral, há mais possibilidades hoje do que quando cheguei, mas acredito que é a maior dificuldade mesmo é causada pelo custo de vida ter subido muito mais do que os salários.”

Para conseguir tornar o mercado de trabalho de Portugal mais atraente e adequado ao atual estilo de vida no país em crescimento, a solução, segundo o economista Luís Coelho, seria o governo focar em atividades com maior valor agregado, que necessitem de recursos humanos mais capacitados e preparados. “Caso contrário, será difícil manter jovens qualificados se a aposta do país continuar a ser na criação de uma economia pouco especializada e diferenciada, assente em emprego pouco qualificado e precário.”

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