A crise econômica dos últimos anos fez com que muitos trabalhadores perdessem seus empregos. São mais de 12,6 milhões de desempregados no Brasil, e muitos profissionais se veem tendo de fazer o downgrade de carreira, ou seja, aceitar trabalhar em posições para as quais são mais qualificados do que o exigido, na maioria das vezes com salários menores. Aceitar essa situação, além de ser um alívio financeiro, pode trazer oportunidades de crescimento na carreira.
Recolocar-se no mercado pode ser um desafio em momentos como este, uma vez que a oferta de vagas é limitada. “Com a crise, as oportunidades de trabalho foram reduzidas, e quando aparecem são para níveis hierárquicos menores ou com salários reduzidos. Isso tem perdurado mesmo com o leve reaquecimento da economia que estamos vendo acontecer”, avalia Deise Gomes, Gerente Executiva da unidade curitibana da Thomas Case & Associados, consultoria especializada em recolocação profissional e transição de carreira.
Em pesquisa realizada pelo site de anúncios de vagas de emprego Catho, 82% dos entrevistados afirmou que, para se recolocarem no mercado, têm aceitado salários menores do que o emprego anterior. 30% disseram que já chegaram, inclusive, a omitir informações sobre suas qualificações em seus currículos para poderem concorrer a vagas inferiores ao cargo que possuíam anteriormente. Apenas 17% responderam que não aceitariam cargo e salário abaixo do anterior. A pesquisa foi realizada com 742 profissionais da base nacional da Catho e divulgada em outubro de 2017.
Mas como perceber que é hora de abaixar as expectativas e recorrer ao downgrade? De acordo com Gomes, é preciso estar atento aos indícios que o mercado dá. “A partir do momento que faço uma análise de mercado e vejo que meu segmento não está contratando, que de forma geral está trazendo as remunerações para baixo, é hora de me mostrar flexível”, indica.
Para Rose Russowski, Diretora da Lee Hecht Harrison, consultoria também especializada em transição de carreira e desenvolvimento de talentos, vivemos um momento de readequação de salários. “Principalmente na era Lula, vimos uma inflação nos valores dos salários que não conseguiu se sustentar. Desde 2014, começamos a perceber uma forte readequação destes valores para que as empresas também conseguissem sobreviver”, afirma. “E quem quer voltar a trabalhar, precisa também se adequar a esta nova realidade, porque é algo generalizado acontecendo em praticamente todos os segmentos”, avalia.
Um passo para trás para encontrar novas oportunidades
Mesmo com a necessidade, muitos trabalhadores acabam tendo resistência ao downgrade. “Eles acham que estão perdendo valor e ficam com a auto-estima abalada. Mas não podemos ver apenas a árvore, e sim toda a floresta, ou seja, um passo para trás agora pode servir como impulso para novas oportunidades”, afirma Russowski.
Existe um medo de se tornar menos estratégico para a empresa no novo emprego, em especial entre os profissionais que já estiveram em posições de prestígio, de acordo com Gomes. “Muitas vezes é preciso ressignificar a maneira como se enxerga como profissional, e isso pode ser muito difícil. Também vemos receios sobre a maneira como a família e os amigos podem perceber esta mudança”, conta.
Na hora de avaliar quando a oportunidade de downgrade é válida, é importante pensar a médio ou longo prazo e ver se a empresa oferece oportunidades de desenvolvimento de carreira.
“Quem costuma focar em resultados a curto prazo pode não achar interessante. Mas se percebe que está a frente de um projeto desafiador, que tenha a ver com suas âncoras de carreira e o que você almeja e que, ainda por cima, te dê uma perspectiva de crescimento, não necessariamente salarial, mas de desenvolvimento profissional, esta pode ser uma oportunidade de alavancar sua carreira e vale a pena considerar com carinho”, orienta Russowski.
Como identificar se há benefícios do downgrade
A especialista indica algumas perguntas que podem ser feitas na hora de avaliar os benefícios do downgrande à médio ou longo prazo: é um projeto que, em seis meses, trará novas habilidades e funcionalidades para seu currículo? Ele te coloca em contato com novos conhecimentos que podem ser adquiridos? Na empresa, você terá a possibilidade de interagir com pessoas de diferentes níveis hierárquicos, de outras áreas de conhecimento? E, segundo Russowski, mesmo que não pareça que há algo de novo a aprender, pode ser a oportunidade de experimentar ensinar. “Esta é uma questão menos óbvia, mas quem acha que não tem mais o que aprender naquela posição, pode utilizar sua expertise para também ensinar seus colegas, o que já é uma nova experiência profissional”, afirma.
Nesta hora, não vale olhar apenas o salário. “Claro que quem já chegou a um nível de gerência, ganhando R$ 15 mil, por exemplo, não vai querer voltar para o cargo de analista, ganhando R$ 5 mil. Mas talvez uma posição de coordenação, ganhando R$ 10 mil, já pode ser uma boa oportunidade”, aponta Gomes. “Mas se este novo emprego ajuda a voltar mais rapidamente ao mercado e ainda proporciona possibilidade de crescimento, aliado à segurança financeira e até sentimental de estar novamente ativo, pode ser uma boa opção não só pensando na situação presente do desemprego, mas também como estratégia de carreira”, avalia Gomes.
A experiência de quem mudou de cargo — e de área
Foi o que aconteceu com Ubiratan Dib Nogueira. Há mais de 20 anos atuando na gestão de empresas ligadas à área financeira, em especial de call centers, crédito e cobrança, ele já se viu mais de uma vez em momentos em que precisou avaliar quais seriam seus próximos passos profissionais. “Para mim, trabalho é trabalho e às vezes é preciso baixar a guarda para não ficar parado”, afirma.
Paulistano, ele desenvolveu a maior parte de sua carreira em uma empresa de porte nacional, que possui 28 filiais espalhadas pelo Brasil. Ele ocupava o cargo de Superintendente e tinha, sob sua responsabilidade, 2 mil colaboradores. “Eu era um caixeiro viajante, fazia cinco viagens por mês às cidades onde a empresa tinha filiais e ainda tinha toda uma equipe para administrar”, conta.
Quando se viu tendo de repensar os caminhos de sua carreira, Nogueira conta que chegou a procurar emprego em áreas bem diferentes das que estava acostumado atuar, como no varejo. Nesta mesma época, surgiu a oportunidade de uma vaga em Vitória, no Espírito Santo, mas para o cargo de Supervisor em uma rede de financeiras do estado, que possui 44 filias, todas no Espírito Santo.
Foram então, três mudanças de uma vez só: de cargo, de porte de empresa e de estado. “A mudança de estado, por si só, já é difícil para a família, ainda mais sabendo que você vai para algo abaixo do que está acostumado. Mas encarei isso como uma aposta e deu certo. Em menos de um ano, virei gerente da empresa, e cuido de uma equipe de quase 200 colaboradores”, conta.
Claro que esta escolha também veio acompanhada de algumas renúncias. Nogueira precisou vender um imóvel para se capitalizar e conta que passou sete anos dirigindo um carro popular, que a cada ano perdia mais valor de venda. “Mas não via que era hora de trocar de carro, esperei até sentir que era o momento certo. É indiscutível que tive de repensar meu padrão de vida. Mas nessas horas, é preciso tomar um banho de humildade para que o tropeço não seja maior ainda”, reforça.
E se no futuro questionarem seu downgrade, como justificar?
Segundo Gomes, no início da crise as empresas viam com mais estranhamento os profissionais que tinham em seu currículo um recuo na carreira. “Com o prolongamento da crise, isso já não tem sido tão questionado. Mas muitos profissionais ainda se preocupam com o que dizer, como justificar ou explicar isso”, diz. “Uma das justificativas é exatamente o cenário complicado, as empresas retraídas. Dizer que foi sua opção para voltar ao mercado de trabalho, inclusive entrando no mérito do desafio”, orienta.
Russowski também parte da premissa de mostrar o downgrade como uma opção estratégica de carreira num momento de crise. “Você pode trazer qual foi o ganho em termos de projeto, como uma estratégia ou para voltar ao mercado e ser mais competitivo, ou de carreira com visão de médio prazo, e não como uma decisão isolada. Mostrar que houve reflexão na tomada desta decisão é importante”, orienta.
Pela sua experiência, Nogueira diz que o fundamental é não faltar com a verdade para o possível empregador. “Tem de deixar claro que foi um movimento necessário naquele momento, mas demonstrar que está sempre olhando à frente, com visão de futuro. Se eu cheguei até aqui e estou tendo a oportunidade de conversar com uma possibilidade de trabalho é porque quero olhar para frente. No passado a gente não consegue mexer mais”, afirma.
Empresas também precisam avaliar riscos na hora de contratar
Durante um processo seletivo, as empresas também precisam estar atentas aos candidatos em situação de downgrade, e então podem surgir algumas dúvidas. “Este profissional mais qualificado, entrando na empresa, fazendo por exemplo um trabalho mais operacional, não vai desmotivar? Ele aceita a remuneração menor agora, mas se o mercado reaquecer, ele vai embora?”, questiona Gomes.
Segundo Russowski, se existe uma diferença muito grande entre a vaga oferecida e a qualificação do profissional, as chances da empresa perdê-lo com o reaquecimento do mercado é grande. “Um candidato sênior, por exemplo, pode agregar muito à empresa em termos de conhecimento, mas há um risco maior de ele aceitar outra proposta com salários mais altos, caso o mercado onde ele atua volte a ficar aquecido. Como os custos com contratação e recisão são altos, aliados ao trabalhoso processo de seleção, muitas empresas optam por não correr o risco. Elas admitem contratar alguém um pouco melhor, mas não muito acima, por conta desta preocupação”, afirma.
Para Nogueira, uma boa forma de mostrar o comprometimento com a empresa é deixando claro quais são suas expectativas. “Meu discurso sempre foi: preciso trabalhar, quero contribuir com sua empresa e quero crescer junto com vocês, fazendo todos os esforços possíveis para a entrega do meu trabalho. É preciso mostrar que sua qualificação trará resultados práticos. Novamente, é essencial ser honesto com o empregador”, conclui.
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