Antes mesmo de fazer uma boa planilha de despesas e receitas, saber como as emoções e o comportamento dos outros influenciam o próprio modo de consumir é vital para conseguir ter as contas equilibradas.
Essas são ideias da economia comportamental, disciplina relativamente recente que incorpora dados empíricos da psicologia, da neurociência e de outras ciências sociais nos estudos sobre consumo, poupança e negócios.
As pesquisas na área sugerem que as pessoas decidem o que fazer com seu dinheiro com base em hábitos e sem muita racionalidade. Não conseguem distinguir interesses de curto e longo prazo, são muito influenciadas pelas emoções e compensações e que valorizam excessivamente as decisões dos outros.
Foi para tentar entender por que clientes tomavam “decisões irracionais” nas compras de planos telefônicos, no início de sua carreira, na área de vendas, que a economista Flávia Ávila se aproximou desse campo que “estava na moda” principalmente na Europa, no início dos anos 2010.
Em 2011, ela fez um mestrado Economia Comportamental na Inglaterra. Desde o final de 2016, Flávia coordena um MBA nessa área na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo, que parte agora para a quarta turma de alunos. Criou também a consultoria InBehaviour Lab e divulga informações sobre o tema no grupo Economia Comportamental.
Na entrevista a seguir, Flávia falou à reportagem sobre que fatores impulsionam as decisões de consumo e como evitar armadilhas.
O que impulsiona as decisões de consumo?
A economia comportamental estuda os principais vieses cognitivos, os desvios que acessamos nas tomadas de decisão. Tudo parte do que foi descrito por Daniel Kahneman, mais importante teórico sobre o tema, Nobel de 2002, de que estamos sempre lidando com dois sistemas de avaliação. Um deles é mais rápido, imediatista, emocional. O outro seria o mais lento, reflexivo e racional. Tendemos a achar que estamos operando com o sistema mais racional, mas as pesquisas têm demonstrado que preferencialmente usamos o sistema mais emocional, e não nos damos conta.
Quais são os principais desvios nos processos de decisão?
Existem mais de 100, mas os principais são o viés do presente, o viés da inércia, a aversão à perda e a prova social. O viés do presente é a tendência a ver apenas os benefícios imediatos mesmo que se saiba racionalmente que há perdas envolvidas. O da inércia é a dificuldade de sair de uma situação, sentindo que é sempre melhor deixar tudo como está.
Muitas vezes as pessoas deixam uma dívida se avolumar porque não conseguem tomar a decisão de ir renegociar os seus termos. Mas, o mesmo princípio pode ser usado a seu favor, se você programar uma amplicação e deixar lá sem tocar, por exemplo. A aversão à perda é o sentimento de valor maior que temos em relação a algo que vamos perder, mesmo que o ganho seja numericamente o mesmo. Prova social é a valorização maior que damos às decisões de outras pessoas, admitindo como fato que o outro já pesou prós e contras para decidir e que podemos adotar o mesmo para nós.
Como evitar essas armadilhas?
A chave é o autoconhecimento. Conhecer os vieses habituais e conseguir se ver, lembrar de situações vividas para ver que tipos de desvios prevalecem no seu próprio comportamento. Se você se dá conta de que é falível, de que nem sempre comanda suas decisões, fica mais fácil se preparar para momentos em que será posto à prova.
Como se preparar para essas situações?
A preparação pode ser feita em forma de listas de compras para seguir ou do estabelecimento de regras, como limites de gastos em determinado período de tempo. É importante não se impor restrições muito grandes ou tirar todas as coisas boas do seu dia a dia, senão você não consegue cumprir. É bom estipular pequenos presentes e benefícios para valorizar as conquistas alcançadas.
Como ajudar as crianças a serem conscientes?
Elas tendem a ser mais impulsivas, mas nem todas têm os mesmos gatilhos. Todo processo de conhecimento parte da observação. Observar as crianças para ver que tipo de estímulo consegue impressioná-las mais é importante para poder ajudá-las. Deixar explícitas restrições imediatas que poderiam resultar em benefícios futuros é muito importante.