Economista de formação, Perla Rafaelly trabalhou nove anos em banco. Na última década, no entanto, sua fonte de renda foi outra. Tudo que ela ganha vem das bonecas de pano. Ela fabrica os brinquedos à mão e vende pelo país inteiro, além de lucrar com a comercialização de insumos e com aulas para quem quer ingressar na profissão.
Perla é uma das tantas bonequeiras que existem no Brasil. O número exato é difícil de dimensionar, até porque a fronteira entre quem produz as bonecas como hobby ou tradição e quem tem nisso uma fonte de renda é um pouco nebulosa.
Para Perla e sua sócia, Nete Oliveira, as bonecas são um negócio. Elas criaram a Caseado.com em 2008, em Curitiba, como um projeto. Em 2011 formalizaram a empresa. Os ganhos variam muito, podem ir de R$ 2 mil a R$ 4 mil, a depender do mês. Elas dividem o valor pela metade.
São três tipos de produtos. As bonecas prontas, normalmente vendidas para mulheres mais velhas, são feitas só sob encomenda. Em geral Perla é quem cria os modelos, e as duas sócias fazem a produção. Um modelo mais simples, para brincar, custa em torno de R$ 60. Mas bonecas colecionáveis e de enfeite, mais requintadas, podem chegara R$ 200 a unidade.
Elas também dão aulas e vendem insumos (como moldes e panos) para quem quer produzir suas próprias bonecas. As alunas têm outro perfil. Em geral são mulheres na casa dos 25 a 45 anos, que veem na produção de bonecas uma alternativa para diversificar suas rendas.
Um estudo feito pelo Clube do Artesanato com 3.649 artesãos de todo o país, de diferentes áreas, identificou que quase um terço (31%) sustentam de duas a quatro pessoas com o dinheiro obtido da venda das peças.
Perla Rafaelly, que começou com a chamada "costura criativa", há anos se dedica somente às bonecas. A cada dois meses, em média, ela e a sócia participam de feiras de artesanato, onde vendem um volume massivo de bonecas.
São mais de 100 unidades por evento, sendo que há sempre de cinco a seis peças inéditas em cada feira (já que os clientes muitas vezes se repetem). Elas também insumos, por exemplo "aquele tecido mais aveludadinho, que tem muito aqui no Sul, mais para cima, no Rio de Janeiro, não tem; então a gente comercializa estas coisas, também".
Lado sentimental
Há um lado sentimental na produção de bonecas de pano. Foi o que conquistou Perla Rafaelly, por exemplo, que "se apaixonou" pela personalização. "Dificilmente você esquece [de uma boneca artesanal que tinha quando era criança], então tem um lado afetivo muito forte".
As bonecas de pano são, também, alternativa para a confecção de bonecas negras, muitas vezes pouco valorizadas pela indústria. A popularização das bonecas negras no Brasil, por exemplo, deve muito às chamadas Abayomis, bonecas de pano sem costura de origem iorubá, que começaram a ser confeccionadas nos anos por iniciativa da educadora Lena Martins.
A artesã Karen Gubert, de Curitiba, aprendeu a fazer as bonecas aos 13 anos, com sua avó. Depois de adulta ela fez cursos e se aperfeiçoou. Há alguns anos, a produção de bonecas era seu carro chefe.
"Principalmente por causa Tilda, aquela boneca magrinha. Depois que os americanos lançaram em feiras de patchwork virou uma febre", relembra. A Tilda é uma criação da artista norueguesa Tone Finnanger.
Educação
As bonecas de Nina Veiga, artesã de Juiz de Fora (MG), são relacionadas à pedagogia Waldorf, “que entende a importância da boneca de pano feita à mão para desenvolvimento da criança”. São bonecas simples, que têm intuito de estimular a criatividade da criança.
Os brinquedos são segmentados de acordo com a fase de desenvolvimento das crianças. Em geral para os menores, de até três anos, as bonecas bebês são as preferidas. Para crianças maiores a opção costuma ser por bonecas tradicionais (cujas proporções respeitam as de uma criança normal, e que não têm caricaturas, mas rostos simples).
Nina Veiga, que mantém uma loja no site Elo7, notou um crescimento nas vendas nos últimos anos, com “a conscientização da importância de brincar e da natureza na vida da criança”. Há dez anos, diz ela, as bonecas inspiradas na pedagogia Waldorf eram pouco conhecidas. Mas houve um crescimento tanto no número de clientes quanto de artistas que produzem as bonecas.
Crise e indústria
Nos últimos anos, a artesã Karen Gubert deixou as bonecas um pouco de lado. A diversificação das bonecas industrializadas, inclusive daquelas que parecem "bebê de verdade", fez com que "as bonecas de pano fiquem um pouco de lado", na percepção dela. "Mas ainda tem vendas. Até porque as crianças gostam mais, porque é molinha, bom de dormir junto".
No meio do artesanato, o sentimento é de que a crise ajudou a embalar o setor. Seja com o aumento no número de artesãos (gente que busca diversificar suas fontes de renda), ou por consumidores que buscam alternativas de compra.
Organizador da feira Patchwork Design, que reúne artesãos e marcas ligadas ao setor, Zeca Medeiros notou um crescimento de público de 30%, em 2017; e de 15%, este ano, no evento que realiza no Rio de Janeiro. "O consumidor final vai em busca de opções mais baratas e originais, e o artesanato atende bem a esta necessidade".
O crescimento se repetiu, ainda que mais tímido, no evento realizado em São Paulo. E a perspectiva é de manter a tendência na edição de Curitiba, que ocorre de 14 a 17 de junho.
No portal Elo7, que reúne 90 mil artesãos do Brasil todo, há 4,5 mil vendedores que trabalham com bonecas artesanais. São mais de 34 mil produtos deste segmento à venda. O site é um marketplace, ou seja, uma loja virtual onde qualquer pessoa pode se cadastrar para vender seus produtos.
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