Um setores mais tradicionais da economia está abraçando as startups e as possibilidades de inovação que elas podem trazer. São mais de 350 empresas de base tecnológica, operando em mais de 40 segmentos, no Brasil, segundo um estudo recente da Construtech Ventures.
Não há uma solução confiável – e com tempo de resposta aceitável – que determine as características de qualidade do concreto fresco na hora da entrega ou do concreto endurecido com 30 dias após aplicação. Isso causa um desconforto para os clientes das concreteiras, pois não é possível assegurar totalmente a qualidade do concreto recebido. Da mesma forma, não existe um método ou tecnologia para medir, no ato da entrega, a quantidade de concreto fornecido e aplicado pela concreteira na obra.
Em busca da solução para esses dois problemas, a Votorantim Cimentos lançou esses dois desafios no segundo ciclo de seu Programa de Open Inovation, que identifica e seleciona agentes externos capazes de resolver desafios organizacionais. O primeiro ciclo ocorreu em março de 2017, recebeu mais de 100 inscrições e selecionou sete startups – GeoInova, Trackage, Virturian, Loox, Gump, Novida, Biometano –, uma para cada desafio.
INFOGRÁFICO: confira o Mapa da Construtechs
Todas realizaram pilotos – dois deles ainda em andamento –, e com pelo menos uma delas – a GeoInova, que venceu o desafio de Gestão Digital de Território –, a companhia fechou negócio. A empresa foi contratada para analisar imagens de satélite, a fim de identificar áreas que precisem ser tratadas ambientalmente, respeitando as regras do direito mineral.
“Algumas usam tecnologias tão avançadas que ainda são inviáveis comercialmente, como a tecnologia de realidade aumentada aplicada à área industrial, da Loox, cujo custo seria de R$ 250 mil por ano para um número ilimitado de plantas. Ao mesmo tempo, o ecossistema brasileiro ainda precisa ser desenvolvido”, avalia Alexandre Mosquim, consultor de arquitetura e soluções globais de TI da Votorantim Cimentos.
A Tecnisa, foi uma das primeiras empresas a criar um programa de acolhimento de startups, o Fast Date, em 2011, dedicando um dia para receber apresentação de empresas a cada 21 dias. Romeo Busarello, diretor de marketing da Tecnisa, diz que, em sete anos, a empresa recebeu mais de 750 startups e fechou negócios com 68.
“É muito pouco, porém mais de 60% dessas 68 empresas foram contratadas nos últimos três anos, porque o ecossistema de inovação brasileiro melhorou muito. Hoje há startups com executivos muito bons e ideias muito validadas”, avalia Busarello.
A Votorantim Cimentos e a Tecnisa são apenas duas das empresas da área de construção empenhadas no esforço inovar no setor, atuando como clientes-anjo para apoiar o florescimento das construtechs. De acordo com o Construtech Ventures – iniciativa da Softplan para implementar o primeiro venture builder do setor no Brasil –, já existem 354 startups na cadeia da construção e do mercado imobiliário no país. Dessas, 71% nasceram nos últimos cinco anos; e 55%, nos últimos três.
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“É um setor carente de inovação e um dos piores na introdução de tecnologia digital, atrás apenas do agro, de acordo com estudo da Mckinsey”, diz Bruno Loreto, head do Construtech Ventures. De acordo com a consultoria, o setor de construção emprega 7% da mão de obra mundial e representa um mercado anual de US$ 10 trilhões em bens e serviços. Porém, a produtividade desse mesmo setor cresceu em média 1% ao ano nas últimas duas décadas; enquanto a economia evoluiu 2,8%; e a indústria, 3,6%.
“Vimos uma grande oportunidade de fomentar a inovação investindo em empresas de base tecnológica para que o setor tenha ganhos de produtividade e eficiência. Temos 11 startups no portfólio, e nosso objetivo é chegar a 20 até o final de 2019”, diz Loreto.
No Mapa Construtech Ventures, radar de monitoramento do setor, são mais de 40 segmentos (veja no infográfico). A maior parte das startups está concentrada no canteiro de obras ou em soluções voltadas a transações imobiliárias com eliminação de intermediários e simplificação de processos de locação e vendas. “O setor imobiliário é o mais rico, onde há mais investidores interessados; e o mais carente é o dos processos construtivos”, observa Loreto.
Não por acaso, uma das estrelas do setor, com potencial de se tornar um unicórnio, é a QuintoAndar, aplicativo de aluguel de imóveis que garante o pagamento mensal para o proprietário, mesmo havendo inadimplência do morador. O inquilino, por sua vez, é dispensado de fiador e garantia. “É claro que, para isso, há toda uma análise de crédito, volume e seguro. Como temos muito volume, entendemos a taxa de inadimplência que podemos suportar”, ensina André Penha, cofundador e CTO do QuintoAndar.
Todos os processos são digitais e online. O proprietário fotografa e cadastra o imóvel. O inquilino vê o apartamento, marca a visita e negocia diretamente com o proprietário pelo aplicativo. A equipe interna prepara um contrato, e eles assinam pelo aplicativo. “Enquanto numa imobiliária o corretor atende de seis a sete pessoas por semana, aqui ele atende o mesmo número por dia”, acrescenta Penha.
A empresa entrou no ar em 2013, em Campinas. Hoje opera em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia, Belo Horizonte e Brasília, e deve chegar a Curitiba ainda este ano. Já recebeu aportes Série A de US$ 7,2 milhões liderado pela Kaszek Ventures; Série B de US$ 12 milhões liderado pela Qualcomm Ventures e Acácia Partners, além de aportes menores da QED, que apoia fintechs pelos recursos de análise de crédito da plataforma.
No ranking dos dez estados com mais construtechs, São Paulo lidera com 133 empresas, seguido de Santa Catarina com 77; Minas Gerais com 35; Rio Grande do Sul com 24; Paraná com 21, Rio de Janeiro com 16; Pernambuco com 12; Brasília com 9; Espírito Santo com 6; e Bahia com 5.
“Entre os destaques no Paraná, está a TecVerde, que pesquisou novos modelos sustentáveis de construção e industrialização do canteiro de obras. No Oeste do estado [Londrina] há uma comunidade de empreendedores com empresas como a Lajetech, plataforma de planejamento financeiro e inteligência imobiliária”, enumera Loreto.
Bruno Rondani, CEO e fundador da 100 Open Startups, plataforma de conexão entre startups e grandes empresas, diz que uma grande parte das construtechs está voltada à transformação digital do setor. A plataforma conta com 279 startups ligadas à construção, 177 grandes empresas e 1.153 avaliadores interessados nelas.
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Entre as top cinco, estão Molegolar, de design, do Recife (PE); Neogyp, de sistema construtivo, de Palmas (TO); Constructweb, de gestão de obras, de Miracema (RJ); Sii Technology, hardware de monitoramento de ambiente, de Belo Horizonte (MG); e Banib, plataforma de realidade virtual de Sorocaba (SP).
“Das 279 empresas, 75% foram criadas nos últimos três anos, o que mostra que é um movimento novo; 17% têm mais de 10 funcionários; e 44% têm menos de quatro. Apenas 13% faturam mais de R$ 1 milhão; ou seja, são todas muito pequenas.”, analisa Rondani.
Muitas construtechs utilizam tecnologia de ponta. A Banib e a VRone atuam com plataformas de realidade virtual para o mercado imobiliário. A Banib nasceu em 2010, realizando projetos sob medida, até criar uma plataforma para que as próprias imobiliárias criem seus passeios virtuais. Segundo Luciana Silva, fundadora e diretora de marketing da Banib, a empresa entrou no Programa InovaBra do Bradesco e agora vai desenvolver aplicações para vistoria e aumento de produtividade de obra.
A VRone foi criada no ano passado, unindo as expertises do publicitário Bruno Lattes e do arquiteto Antonio Coutinho, para oferecer realidade virtual 100% interativa, com foco na demonstração e na experimentação de empreendimentos ainda não construídos substituindo o apartamento físico decorado. “A empresa já realizou um projeto do Ibis Conceito, com projeto do escritório FGMS, que foi demonstrado na França, em evento da Accor. E realizou um empreendimento com a construtora MDL para o novo plano diretor de São Paulo”, diz Coutinho.
Além da Banib, a Omni-electronica é outra construtech incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), da USP. Criada, em 2016, por alunos de engenharia elétrica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), a startup oferece soluções de sensoriamento, inteligência de ambiente, monitoramento de ativos e analytics para melhoria do ar interno.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 7 milhões de pessoas morrem anualmente devido à má qualidade do ar. Desse total, 4 milhões morrem em decorrência da má qualidade do ar interno. A empresa desenvolveu o Spiri, um hardware que mede todos parâmetros de qualidade interna do ar, com recursos de Internet das coisas, inteligência artificial e big data.
“As caixas são conectadas em uma rede mesh, para enviar informações aos usuários, ou podem ser usadas no sistema de controle de ventilação e economizar energia do ar condicionado por meio de técnicas de big data, IA e controle estatístico. O cliente paga apenas pela informação. Já fizemos um piloto no Hospital Albert Einstein”, explica Arthur Aikawa – CEO Omni-electronica.
Outra tecnologia que desponta é o uso de drones e inteligência artificial para aplicações que envolvem análise de imagens. Gabriela Toribo, gerente de Inovação do Centro de Excelência da Votorantim S/A – holding do grupo –, informa que a empresa também tem programa de inovação aberta e, em 2017, selecionou duas construtechs que realizaram pilotos com drones para monitoramento de áreas: a Maply e a Pix Force.
“Temos vários territórios no Brasil e no mundo, entre os quais o Legado das Águas, com 31 mil hectares, que foi constituído pela aquisição de diversas áreas, entre as décadas de 1920 e 1950, pela Votorantim. Tínhamos um problema de invasão e temos ativos como hidroelétricas e linhas de transmissão que precisavam ser inspecionados de forma mais eficiente, porque o modelo até então era manual. Depois do piloto, contratamos a Maply, que será utilizada não apenas para monitoramento”, explica Gabriela.
A Maply foi criada em 2015, por Alexandre Miranda e Eric Polakiewicz, para melhorar processos construtivos. O principal problema que a plataforma resolve é saber o que está ocorrendo em obras em locais extensos e de difícil acesso, com coleta de dados complexa.
“A solução é um software em nuvem para monitoramento da construção, disponibilizando, quase que em real time, um escaneamento da obra com drone, tirando várias imagens, que são processadas e transformadas em mapas de alta precisão”, explica Miranda. Além da Votorantim, a empresa tem como clientes a Alphaville Urbanismos e a Andrade Gutierrez, entre outros 20 clientes.
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A Pixforce foi criada em 2014, por Daniel Moura e Renato Gomes, oriundos das áreas ambiental e de mineração, respectivamente, e é especializada em sensoriamento remoto de áreas extensas. Entre os clientes estão a CPFL, a Fibria, Columbia e a ParkIndigo, uma das maiores empresas de estacionamentos do mundo, que contrata a empresa para identificar áreas propícias à aquisição.
“A nossa análise é feita por inteligência artificial que identifica padrões a partir de imagens aéreas de drones, próprios ou do cliente, e de satélites. A cada semana entregamos relatórios com alertas. Somos remunerados por contratos spots (análises pontuais) ou por assinatura”, diz Moura.
Outra área potencial para as construtechs são os marketplaces. A Club&Casa Design atua desde 2015 como uma plataforma de relacionamento, com o objetivo de conectar profissionais – arquitetos, designers de interiores e engenheiros –, e clientes a lojistas do setor de arquitetura e design. Thiago Sodré, idealizador do negócio, explica que as lojas pagam uma assinatura.
A plataforma cria para os lojistas estratégias de marketing e de identificação de prospects, mensurando o momento da obra em que os profissionais estão, a partir da análise da jornada de compra do escritório de arquitetura – do revestimento à marmoraria e ao mobiliário. A plataforma tem 140 lojas, 3 mil profissionais associados e faturamento de R$ 5 milhões.