Não importa se você é um empreendedor ou um funcionário que passa 60 horas por semana na empresa. Se quiser produzir mais, vai ter que abrir mão de perseguir a “produtividade”. É no que acredita o especialista em inteligência emocional David Baker, fundador da revista Wired no Reino Unido. “Alguém que trabalha de forma inteligente 15 horas por semana ‘produz’ muito mais. Além de ser bem mais feliz”.
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Escritor, coach e consultor, Baker se especializou na chamada inteligência emocional. O que, para ele, não é uma mera questão de usar suas emoções para atingir um objetivos. Pelo contrário. É ter objetivos que se adequem ao seu perfil emocional. Buscar a felicidade no trabalho e também fora dele.
Criador da Wired World – braço da revista que prevê as tendências tecnológicas de cada ano – David também é um crítico contumaz das tecnologias digitais. Mais especificamente do uso que fazemos dela, que muitas vezes cruza a fronteira do vício e pode estar inibindo a criatividade humana. Ele próprio só lê seus e-mails duas vezes ao dia.
O especialista expôs suas ideias esta semana no blastU, evento de empreendedorismo ocorrido em São Paulo. Ele foi convidado para falar sobre sua experiência na Escola da Vida, organização internacional que tem uma filial em São Paulo.
Confira abaixo o papo exclusivo que a Gazeta do Povo teve com David Baker
Na Escola da Vida, onde você dá aula, um dos objetivos é ajudar as pessoas na busca de um propósito, um lugar no mundo. Ao mesmo tempo, os manuais de empreendedorismo dizem que as empresas devem buscar seus propósitos para fazer diferença no mundo. É possível comparar estas duas ideias de propósito, digamos um propósito “pessoal” e outro, “empresarial”?
É interessante como nós tentamos separar nosso lado público e privado, inclusive quando falamos de negócios. Porque, no fim das contas, nós somos sempre a mesma pessoa, independente do espaço em que estamos. Na Escola da Vida nosso foco é na inteligência emocional, como o senso de propósito, confiança, resiliência, em relacionamentos e na criatividade. Isso se aplica igualmente às nossas vidas privadas e no trabalho. Nós falamos sobre isso na BlastU.
Ao longo do século 20, em especial nos Estados Unidos, surgiu esta noção de que os trablahadores são meras partes de uma engrenagem, que geram o lucro e os produtos e serviços de uma corporação. Isto fez com que muita gente fosse forçada a trabalhar em condições desumanas. Não estou falando só de fábricas ilegais no 3.º mundo, mas também dos cubículos nos escritórios, iluminados por lâmpadas fluorescentes, rotina de tantos trabalhadores por aí. É compreensível que tanta gente tenha pavor de ir trabalhar. Afinal, nós não deixamos de ser seres humanos quando estamos no trabalho; então as habilidades humanas que desenvolvemos na nossa vida privada devem ser igualmente celebradas e cultivadas no ambiente corporativo.
É compreensível que tanta gente tenha pavor de ir trabalhar. Afinal, nós não deixamos de ser seres humanos quando estamos no trabalho
Você já teceu duras críticas à forma como hoje nos relacionamos com a tecnologia, de certa forma até dependente da internet, do celular, dos eletrônicos. Por outro lado, sabemos que muitos avanços em inovação que tivemos nos últimos anos se devem a esta tecnologia vinculada à internet. Em geral são as startups tecnológicas, por exemplo, que conseguem atingir uma produção rápida. Como equilibrar estas duas coisas .em escala de forma
Você tem razão. Eu já fui e sigo muito crítico da relação que temos com a tecnologia. Não tenho nenhuma “saga contra a inovação”, mas algo que tem a ver com o meu amor pelas pessoas. Eu fui o editor fundador a Wired no Reino Unido, e acho evidente que a internet criou uma revolução na forma como pensamos o mundo. Na ciência, na economia, na política, e em quase todos os aspectos da nossa vida, foi uma quebra de paradigma. Sim, muito disso, foi graças à cultura ágil das startups. Mas me preocupa que a gente enxergue a tecnologia como algo imutável. Sendo que a capacidade de questionar o status quo é justamente nossa maior força enquanto humanidade. Foi esta curiosidade implacável que possibilitou os grandes avanços da humanidade, desde a invenção das ferramentas à erradicação da pobreza, passando pelo envio de sondas para o espaço.
Eu realmente preciso estar online e checando notificações o tempo inteiro? Será possível reinventar a internet para acabar com as fake news e os ciberataques a governos? São questionamentos que vão tornar o mundo digital ainda melhor
Eu queria que nós questionassemos mais o nosso uso da tecnologia digital. Seja no aspecto pessoal – eu realmente preciso estar online e checando notificações o tempo inteiro? – ou político – será possível reinventar a internet para acabar com as fake news e os ciberataques a governos? São questionamentos que vão tornar o mundo digital ainda melhor. Da mesma forma que a indústria ficou melhor, graças às pessoas que fizeram campanha pela saúde e segurança dos trabalhadores, lá nos primórdios da revolução industrial.
Em uma entrevista há alguns anos, a uma revista brasileira, você comentou que lia e-mails duas vezes por dia, naquela época, por cerca de 30 a 40 minutos, apenas. Você mantém esta prática ainda hoje? Acha que isso traz ganhos em produtividade? Te faz mais feliz?
Sim, eu ainda faço isso. Claro que quebro essa regra algumas vezes, quando alguém me pede para ler algo com urgência, por exemplo. Mas uma coisa que eu reparei, depois que adotei este costume, foi que meus dias ficaram mais tranquilos. A tentação de ficar respondendo e-mails e acessando notificações o tempo todo é muito grande. Mas fazer isso cria uma sensação de que o seu tempo foi todo fragmentado, ou de que você não fez nada o dia todo. Quantas vezes a gente não chega no fim do dia e percebe que passou o tempo todo lendo e respondendo mensagem? Ao criar uma hora específica para ver e-mails (no meu caso é por volta das 11h e das 16h) eu percebi que consigo me concentrar mais e dar respostas melhores.
Eu sei que em algumas empresas faz parte do trabalho monitorar o email de forma constante. Mas acho ninguém parou para pensar no lado negativo disso. Por exemplo para o fato de que notificações constantes nos impedem de concentrar naquilo que é de fato o nosso trabalho. E isso acaba nos tornando mais lentos. Não estou dizendo para todo mundo fazer como eu (seria bem arrogante fazer isso). Na Escola da Vida nós conversamos sobre fazer pequenos experimento: tenta mudar alguma coisa e veja o que acontece. Talvez começar desligando o aplicativo de email por uma hora, deixar de olhar pelo celular, ou desativar as notificações. Limitar o tem que eu dedico aos e-mails certamente me tornou uma pessoa mais feliz, e não diminuiu a minha produtividade. Então foi uma coisa que funcionou, para mim.
Eu sei que em algumas empresas faz parte do trabalho monitorar o email de forma constante. Mas acho ninguém parou para pensar no lado negativo disso. Por exemplo para o fato de que notificações constantes nos impedem de concentrar naquilo que é de fato o nosso trabalho. E isso acaba nos tornando mais lentos
E por falar em produtividade, parece existir uma tendência, atualmente, de pessoas que buscam um bem estar emocional com o objetivo de serem mais produtivas. Como se o bem estar individual fosse uma mera ferramenta para produzir mais e melhor. Você concorda que muita gente trata o tema “inteligência emocional” desta forma? O que acha disso?
Eu odeio a palavra “produtividade”, que sugere que nós somos iguais a máquinas. É uma palavra que vem da economia, uma ciência que, até muito recentemente, ignorava o fato de que nós somos humanos (embora isso esteja mudando, como vimos recentemente no Nobel de economia). A produtividade entrou com tanta força no jargão comercial que nós paramos de questioná-la. Mas muitas das coisas que nós fazemos no trabalho não são produtivas (preencher planilhas, ir a reuniões, fazer apresentações). Não seria melhor se nós pudéssemos parar e pensar: “o que eu faço que é realmente produtivo? Que contribuição eu posso dar para esta empresa, para o mundo, para a minha vida?”. E começar por aí. Isto é inteligência emocional. É algo que vai dar muito mais sentido para as nossas vidas, dentro e fora do trabalho. Se o sentido do seu trabalho tiver um propósito maior, você vai ver que não é a produtividade, não são os números que importam. Mas o produto do seu trabalho. Alguém que trabalha de forma inteligente 15 horas por semana “produz” muito mais do que alguém que enrola em um emprego de 60 horas semanais. Além de ser bem mais feliz.
Não seria melhor se nós pudéssemos parar e pensar: “o que eu faço que é realmente produtivo? Que contribuição eu posso dar para esta empresa, para o mundo, para a minha vida?”. Isto é inteligência emocional.
Por fim, queria que falasse um pouco sobre a experiência da School of Life em São Paulo. Por que o interesse da escola no Brasil? O que sente que há de diferente entre dar uma mesma aula aqui e na Inglaterra, por exemplo?
Eu amo dar aula no Brasil. É um privilégio enorme vir aqui e vivenciar um país com uma cultura tão diferente da britânica (onde passo a maior parte do tempo). A minha impressão – e digo isso com todo o cuidado, porque sei que trago um olhar de fora – é que o Brasil ainda é um país jovem, com todos os desafios e oportunidades que provêm disso. E é muito interessante observar este processo. Nas nossas aulas nós trabalhamos com temas comuns no mundo todo (como a busca por boas relações no trabalho). Mas algumas questões são muito particulares de cada cultura, como os papéis do homem e da mulher; de rico e pobre; jovens e velhos. Não dá para escapar da influência destas questões. Mas nós podemos pensar sobre como vamos deixar que elas definam a forma como vivemos. Como lidamos com temas universais, nossas aulas seguem um mesmo ponto de partida nas escolas do mundo todo. Mas a direção que elas tomam sempre é definida pela experiência das pessoas que estão naquela sala. É aí que estão o aprendizado: na troca de boas ideias entre amigos. E a Escola da Vida é um ótimo lugar para estas trocas acontecerem.
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