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Startup cria “airbnb black” voltado à cultura negra

Equipe do Diaspora.black passa por aceleração na Artemisia | DivulgaçãoDiaspora.black
Equipe do Diaspora.black passa por aceleração na Artemisia (Foto: DivulgaçãoDiaspora.black)

Quando começou a anunciar seu apartamento, numa área turística do Rio de Janeiro, no Airbnb, Carlos Humberto notou algo de estranho. Os hóspedes sempre perguntavam para ele coisas do tipo "você é traficante", coisa que não ocorria com seus amigos brancos. Mas as histórias se repetiam com colegas que, como Carlos, são negros. Ele é o fundador da Diaspora.black, plataforma similar ao Airbnb com propósito a valorização da cultura negra. 

Com seis meses de operação e mais de 1.500 usuários cadastrados, a startup acaba de ser selecionado pela Artemisia para o principal programa de aceleração de negócios sociais do país. A entidade busca empresas que aliem a busca pelo lucro à missão de resolver um problema social de relevância. 

A discriminação é um problema corriqueiro nas plataformas de economia compartilhada (leia mais sobre o caso do Airbnb). Um problema social que criou também um gap de mercado. Daí surgiram aplicativos de transporte exclusivos para mulheres, como o brasileiro Lady Driver. 

O funcionamento do Diaspora.black é um pouco diferente. Ele não é exclusivo para a população negra, por exemplo. "A gente não tem nenhum tipo de distinção no critério de cadastro. Pelo contrário, a gente não quer fazer nenhum tipo de discriminação. [São pessoas que têm em comum] o interesse pela cultura negra", explica o sócio-fundador Antonio Pita. 

Modelo de negócios 

O modelo do negócio foi construído a partir das falhas identificadas nos concorrentes. Carlos Humberto da Silva Filho, idealizador e CEO da startup, tem anos de experiência na articulação de redes da comunidade negra, e assessorando grandes empresas a lidar melhor com questões raciais. Quando cadastrou sua casa no Airbnb, passou por situações constrangedoras. 

Uma delas foi a de um casal que pagou a reserva e, depois de ver Silva Filho pessoalmente, foram embora deixando só um bilhete com o recado de que "não era bem isso que eles esperavam". Antonio Pita viveu uma "rejeição muito grande" como hóspede um par de vezes, em especial viajando pela Europa. Estudantes universitários, ele e um amigo camaronês foram rejeitados em uma série de acomodações gratuitas; coisa que não ocorria com os colegas brancos. 

"Você sentiu, eu senti; vários amigos nossos têm apartamentos encalhados no Airbnb, mesmo sendo boas casas e com preços bons. Por que isso acontece?". Foi a partir desta dúvida que a dupla foi estudar, e descobriu uma espécie de bola de neve do algoritmo: se os anfitriões negros são menos acessados, aparecem menos na plataforma, e os anúncios ficam quase invisíveis para os usuários. 

A solução foi criar "um algoritmo que valorizasse a nossa referência, o nosso tipo de encontro, de quem tinha interesse na cultura negra". 

Prototipação e mercado 

Para testar a viabilidade comercial do produto, os empreendedores lançaram o Diaspora.black como uma plataforma de cadastro, em dezembro de 2016. Muita gente ingressou na plataforma, antes mesmo da opção de aluguel estar disponível. 

Depois de seis meses trabalhando na parte técnica, uma versão beta da plataforma foi lançada. Foram mais de 70 acomodações e 90 hóspedes até agora, a maioria (74%) mulheres na faixa dos 25 a 34 anos. O ticket médio fica entre R$ 90 e R$ 100 a diária. 

Rio de Janeiro e Salvador são os alvos prioritários, tanto para o público nacional quanto estrangeiro. É onde estão concentrados os anúncios do Diaspora.black, além de serem cidades com um ecossistema de turismo voltado à cultura negra, que muitas vezes é forte, porém disperso. A startup quer integrar também estes serviços dentro da sua plataforma. 

Do outro lado, os usuários são do país e até do mundo todo. Há cadastros dos Estados Unidos, Uruguai, Itália, Angola, Guiné, entre outros. Em comum, são pessoas interessadas na cultura negra, o que representa um pouco da escolha do nome do aplicativo. "É um viés positivo da diáspora negra (...) a gente se dispersou pelo mundo, mas fincou em cada lugar do mundo um pouco da nossa história (...) é um sentido não mais de dispersão, mas de conexão", explica Pita. 

Racismo e Airbnb 

O Airbnb, maior plataforma de hospedagem do mundo, enfrenta há tempos problemas envolvendo discriminação racial entre seus usuários. Uma pesquisa da Harvard Business School cruzou dados censitários com os do aplicativo e identificou que um usuário com nome tipicamente afro-americano tem 16% menos chances de receber propostas de hóspedes do que anúncios idênticos (só que com nomes tipicamente brancos). 

Esta pesquisa, somada a outras e a uma campanha na rede social, em que os usuários contavam sua experiência de ser uma pessoa negra e utilizar o aplicativo (#AirbnbWhileBlack) levou o estado da Califórnia a entrar com um processo contra a startup por discriminação. 

A pressão foi tão grande que o Airbnb cedeu, e entrou em acordo com o governo para instaurar medidas que investiguem e combatam o preconceito. Em julho, o Departamento de Emprego e Habitação da Califórnia condenou um usuário do Airbnb a indenizar em US$ 5 mil o seu hóspede, depois de negar o pedido com a frase: "Apenas uma palavra. Asiático". 

Aceleração de negócio social

Pelos próximos seis meses, a Diaspora.black vai passar pelo processo de aceleração da Artemisia, em São Paulo. A startup fez inclusive um financiamento coletivo para custear a mudança para a capital paulista, já que o dinheiro arrecadado pela plataforma é totalmente reinvestido nela própria. 

Pioneira no setor, a Artemisia foi criada há 13 anos para acelerar os chamados negócios de impacto social. No começo, o fomento era a boas ideias. Hoje, com um ecossistema já fortalecido, a régua subiu, e o programa seleciona empresas já formatadas, com maior potencial de crescimento. 

SAIBA MAIS sobre a Artemisia e o conceito de negócios sociais

Uma das metas da Diaspora.black para o período de aceleração é desenvolver um modelo de negócio e tecnologia para incorporar atores já existentes do turismo focado na cultura negra à plataforma.

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