Na rua, um grupo de homens tenta atrair, aos berros, clientes para um restaurante. Eles lançam olhares lascivos, desagradáveis, às transeuntes. Três passos para o lado, o clima é bem diverso. "Homens, favor não aguardar na frente do provador", diz um pequeno anúncio (no momento pouco útil, já que ali só há mulheres) e as araras mostram que há mais tipos de saias jeans do que palavras para descrever a neve na língua dos esquimós.
LEIA MAIS sobre empreendedorismo, finanças e carreira
Na fachada, um manequim exibe um casaco vermelho comprido, típico da época de frio, em Curitiba. Mas as mangas longas e o estilo recatado, ali, duram o ano todo. É um dos valores da moda evangélica, que tem ganhado adeptas, entre as consumidoras; e suscitado a criação de novos negócios.
O segmento evangélico é gigantesco. As diferentes denominações respondem por quase um terço da população brasileira, cálculos do Datafolha. São 60 milhões consumidores em potencial para o mercado gospel, que já girou R$ 21,5 milhões, no ano passado, segundo a Abrepe, associação que reúne empresas do setor.
No mundo da moda evangélica, uma história se repete. Cansada de ficar sujeita ao humor das lojas que trabalham com a chamada "moda convencional", a empreendedora —ela própria religiosa — resolve buscar roupas mais apropriadas aos seus costumes. E lucrar com isso.
Essa é a história de Rose Caetano, que começou a vender roupas evangélicas ainda menina, aos 17 anos (e que há dez comanda a Saias & Cia, no Centro de Curitiba). É também a das lojas virtuais Bela Evangélica e Lara Bless, criadas há menos de cinco anos; e da Joyaly, que fabrica peças com inspiração religiosa desde 1990.
Essa empresa de moda masculina descobriu como mandar bem nas redes sociais
"A gente quase não sentiu a crise. Se teve algum impacto, foi nesses últimos dois meses". Josiane Martins criou a Bela Evangélica como um e-commerce, em 2012, para trabalhar de casa enquanto cuidava da filha.
Mesmo nestes últimos meses o crescimento se manteve. A fé ajuda a explicar. "É muito importante para a evangélica estar bem vestida, elegante para ir à igreja, ao culto". Daí essas clientes priorizarem, mais do que outras, a renovação do guarda roupa.
Ainda segundo o Datafolha, a cada quatro evangélicos, no Brasil, três são de denominações petencostais, as mais inclinadas a orientar as vestimentas de seus fiéis. Não existe um conceito fechado do que faz uma roupa ser evangélica. Para as mulheres, há a regra do "comportado". As saias nem sempre são compridas até os pés (muitas são na altura do joelho). O mais importante é que fiquem soltas, e não justas no corpo.
As blusas seguem o mesmo padrão. Nada de alcinha fina, estilo regata, ou grandes decotes. A manga comprida faz sucesso. Tirando isso, a variedade de opções segue tendências da moda, como qualquer outra roupa. Cores, estampas, tecidos, tudo varia. Mas um look resiste como top de vendas o ano todo: a saia jeans.
Nichos internos
Com uma definição tão ampla, a moda evangélica acaba sendo um guarda-chuva, que abriga diferentes nichos. A grande sacada do Lara Bless, loja virtual com sede no Rio Grande do Sul, foi achar o seu.
Empresas com propósito vendem mais, vendem melhor e ajudam a melhorar o mundo
"A gente atende público de lugares onde não tem lojas físicas, vendemos muito para cidadezinhas pequenas do Norte e Nordeste", para consumidoras das classes C e D, conta Atilibre Lara. Ele largou uma carreira consolidada no mundo da contabilidade para trabalhar com a esposa, Nilza, na loja virtual. No começo, o plano era vender roupas pelo Facebook e ter um complemento de renda. Hoje a loja vende cerca de 50 peças por dia, a um ticket médio de R$ 280.
O desafio de ser grande
Desde que abriu o Bela Evangélica, Josiane Martins só viu seu negócio crescer. Não significa que esteja sobrando dinheiro. Formada em administração, ela se orgulha de crescer de forma conservadora (sempre estudando bem os próximos passos), mas constante.
Em novembro do ano passado, ela mudou a empresa para um espaço de dois andares, onde o escritório do e-commerce divide espaço com uma loja física, no térreo.
A empresária também dobrou a equipe. Passou de duas para quatro pessoas. Com um faturamento entre R$ 40 e R$ 50 mil mensais — e ainda pagando investimentos no espaço e em um site novo—ficou apertado. Mas é a aposta de expansão da empresa. Fazer com que o dia a dia do negócio ande por conta própria, para liberar a empreendedora para construir o futuro do seu negócio.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura