Após três anos de discussões sobre o tema, uma circular publicada no início deste mês pelo Banco Central Brasileiro finalmente autorizou as instituições financeiras a emitirem as chamadas Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs), um novo instrumento financeiro que deve ajudar a capitalizar o setor imobiliário no país e servir como nova opção na carteira de investimentos. Ainda falta aprovar algumas regulamentações complementares, especialmente relacionadas a regras de registro contábil, mas em breve a nova modalidade deve começar a ser ofertada pelos bancos, em especial pela Caixa Econômica Federal, que já demonstrou grande interesse nas LIGs.
A Letra Imobiliária Garantida é equivalente ao covered bond, instrumento de captação de longo prazo bastante usado nos Estados Unidos e Europa, onde representa em torno de 20% do crédito imobiliário. Por aqui, deve competir especialmente com as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e com os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). O diferencial da LIG é estar isenta de imposto de renda. Além disso, o título possui uma dupla garantia para o investidor no caso de insolvência do banco: por parte da própria instituição financeira que a emitiu e por parte dos ativos financeiros (que podem ser títulos imobiliários) que formarão o pool desse título.
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Para o investidor que pensa em apostar suas fichas na LIG, o gestor da Ativa Investimentos, Arnaldo Curvello, explica uma diferença importante desse título para a LCI. “Quando você compra uma LCI, embora o banco seja obrigado a repassar esse recurso para projetos imobiliários, o investidor não fica com o risco imobiliário, e sim com o risco da instituição que está emitindo esse papel. Com relação à LIG, quando o banco emite esse papel, o investidor passa a ser solidário diretamente naquela operação. Então, ele passa a correr o risco também daquele projeto”, esclarece. Um risco parecido, segundo ele, com o CRI.
No entanto, a LIG promete ter uma garantia real dos ativos e uma garantia da instituição, embora não seja coberta pelo FGC (Fundo Garantidor de Créditos), o que ocorre com a LCI, que tem uma cobertura de até R$ 250 mil em caso de insolvência da instituição financeira. De acordo com Daniel Malheiros, editor-analista do setor imobiliário da Empiricus, as LIGs têm como lastro uma carteira de crédito imobiliário, muitas vezes com ativos físicos do setor, mas podem estar atreladas ao CDI (Certificado de Depósito Interbancário), que deve ser seu principal indexador, e também à inflação e ao câmbio.
Taxa de administração ainda é incógnita e pode influenciar sucesso das LIGs
Apesar da isenção de IR, se a remuneração das Letras Imobiliárias Garantidas não for atraente, o investidor não irá correr para elas, afirma Malheiros. “A LIG é interessante para o setor imobiliário, mas para o investidor pode não ser tão atrativa dependendo da taxa que o banco for cobrar. Justamente por concorrer com a LCI, que possui um fundo garantidor, se der problema na LIG, você vai ter de executar a carteira de crédito imobiliário. Então, com um prazo grande, ausência de fundo garantidor e, por mais que se tenha uma garantia do emissor e uma carteira de crédito ligada ao ativo, eu não acho que isso supre a garantia que o FGC dá, que é um fundo que provavelmente nunca vai quebrar”, explica.
Por outro lado, se os bancos atuarem fortemente, especialmente a Caixa, a LIG pode se tornar um investimento interessante, segundo Curvello. “Poderia se fazer isso com o CRI, mas ele já tem normas de ofertas e regulamentações demoradas e burocráticas e talvez mais onerosas para quem está tomando esse empréstimo do que através de uma Letra. Acho que a LIG é um instrumento interessante e que num cenário de juros mais baixos deveria ser um produto acessível ao investidor diretamente. O investidor brasileiro gosta do mercado imobiliário. Ele entende a garantia real imobiliária como uma garantia interessante. Vai depender muito mais dos bancos de ofertarem esses papéis, para fazer com que fiquem mais populares”, observa.
Num primeiro momento, os analistas concordam que as LIGs devem atrair um perfil de investidor mais qualificado, com conhecimento do mercado, até porque são investimentos de médio e longo prazo, que terão de combinar com a maturação do projeto imobiliário, segundo Curvello.
Para o pequeno investidor, ele acredita que é mais fácil apostar nos fundos imobiliários, que têm opções pelo perfil de renda do investidor. O que pode acontecer, diz o analista, é de outros fundos de investimentos comprarem LIGs. “O investidor que não quer concentrar o risco num papel específico pode fazer isso através de um fundo, que vai diversificar o risco com outros papéis”, pontua.
Sem funding, não dá
O setor imobiliário, principal beneficiário das Letras Garantidas, vem sofrendo nos últimos anos com a falta de funding (fontes de recursos utilizadas pelos bancos para pagar o financiamento oferecido aos clientes). O principal deles é a poupança, que segundo Malheiros perdeu mais de R$ 100 bilhões.
“Esse novo instrumento vem para mitigar um pouco essa dependência de poupança, obviamente que para a LIG, em algum momento, substituir a poupança como principal funding imobiliário seria um cenário ultraotimista”, afirma. Em todo caso, os recursos devem ajudar a retomar obras em um dos principais setores da economia, ligado a várias cadeias produtivas e de serviços.
Para Renato Lomonaco, gerente de projetos da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), a LIG será uma alternativa importante de financiamento do setor, hoje dependente da poupança e do FGTS.
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“Com isso, o Brasil se alinha com o que já é feito fora do país. No longo prazo, a LIG deve atrair também investidores estrangeiros”, aposta. A expectativa, segundo o especialista, é que o ativo também deva favorecer bancos médios que querem ingressar no mercado de financiamento imobiliário, favorecendo assim mais gente que precise de crédito.
A falta de recursos para investimentos imobiliários, segundo Lomonaco, tem a ver com a insegurança jurídica que o setor vive, tanto por causa de mudanças constantes em leis de zoneamento quanto por causa da atual regulamentação dos distratos (quando há desistência da compra do imóvel na planta).
“É uma regra que atrapalha muito quem constrói, porque o comprador do imóvel pode desistir da compra no meio da obra e quase não sofre penalidade. Aí complica, porque todo o seu dinheiro estava investido na obra que não vendeu mais. Isso prejudica a todos”, diz.
Para ele, o Brasil precisaria aumentar a oferta de crédito imobiliário para ao menos 20% do PIB. Atualmente, o funding imobiliário movimenta só metade disso. E as LIGs, como nova aposta para atrair recursos para o setor, podem ajudar bastante nesse sentido.