Você já deve saber que a desigualdade social está aumentando em boa parte do Ocidente. E estudos sugerem que essa desigualdade é prejudicial ao crescimento econômico.
Porém, e quando falamos das relações interpessoais? Ser rico —ou pobre — afeta a forma como tratamos os outros?
A maior parte das evidências científicas não é muito encorajadora: os ricos têm mais chances de tirar doces de crianças, mentir durante uma negociação, sonegar impostos e aprovar comportamentos antiéticos no local de trabalho.
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Naturalmente, pode ser verdade que os ricos simplesmente têm mais oportunidades de sonegar impostos do que os pobres. O comportamento egoísta de uma pessoa não está necessariamente correlacionado a atitudes invariavelmente egoístas. O contexto é importante.
Também é verdade que muitas das descobertas recentes de que os ricos são mais egoístas se baseiam em pesquisas e experimentos de laboratório. Mas, por uma série de razões, nem sempre é fácil mensurar o altruísmo dessa maneira.
Por exemplo, as pessoas que sabem que estão participando de um estudo podem se comportar de forma diferente da maneira que habitualmente agiriam no mundo real. Além disso, os participantes de alguns desses estudos faziam parte de um grupo homogêneo: estudantes universitários.
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Para resolver alguns desses problemas, três economistas — James Andreoni, da Universidade da Califórnia, em San Diego, Nikos Nikiforakis da NYU Abu Dhabi, e Jan Stoop da Escola de Economia Erasmus, na Holanda — colaboraram recentemente em um audacioso experimento de campo no mundo real para determinar se os mais abastados realmente são mais egoístas que as outras pessoas.
Os pesquisadores identificaram 360 famílias na Holanda: 180 ricas, 180 pobres. As famílias pobres foram encontradas por meio dos registros de assistência financeira e de moradia popular subsidiada pelo Estado; as ricas com base no valor de mercado das casas ao redor das suas.
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Em seguida, Stoop usou o uniforme oficial da empresa de correios da Holanda - adquirido por meio de amigos — e começou a fazer “entregas erradas” em todas as 360 casas. Cada envelope semitransparente continha ou dinheiro (5 ou 20 euros) ou um cartão de transferência bancária (no valor de 5 ou 20 euros). Os cartões de transferência são nominais e só podem ser usados pela pessoa à qual são destinados.
Dentro de cada envelope também havia um recado enviado por um avô ficcional dirigido ao seu neto “Joost”, oferecendo o dinheiro de presente. Joost era uma pessoa real - um dos pesquisadores da equipe - e seu endereço estava claramente anotado no envelope.
Em seguida, os pesquisadores se sentaram e esperaram: quem iria devolver os euros perdidos do pequeno Joost, e quem iria guardar o dinheiro?
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Stoop e seus colaboradores ficaram chocados com os resultados iniciais. As famílias ricas tinham mais de duas vezes mais chances (81 por cento contra 38 por cento) de devolver o dinheiro ou os cartões do que as famílias pobres. “Eu pensei que havíamos falhado e encontrado o resultado errado. De certa forma, eu esperava que os pobres se mostrariam muito mais gentis que os ricos”, afirmou Nikiforakis.
Mas, então, os pesquisadores foram um pouco mais a fundo para descobrir se os pobres não haviam devolvido o dinheiro em função de um egoísmo inerente, ou do estresse da pobreza (a frustração de depender do salário, por exemplo), que, conforme os estudos mostram, pode afetar o processo de decisão e dificultar a realização de tarefas do dia a dia.
Mesmo as famílias pobres que devolveram os envelopes demoraram muito mais tempo para fazê-lo do que as famílias ricas. Além disso, há o fato de que 20 euros representam muito mais dinheiro para uma mãe solteira que trabalha no comércio, do que para uma mãe abastada que trabalha em um escritório e é casada com um marido bem empregado.
Em outras palavras, o dinheiro de Joost era mais relevante para as famílias pobres, do que para as ricas.
Senso de dever e contexto
Quando os pesquisadores levaram isso em conta — separando o senso de dever em relação a Joost do estresse da pobreza e do valor elevado do dinheiro para as famílias pobres —, descobriram que as famílias pobres e ricas eram igualmente generosas. De acordo com Andreoni, “a tendência básica era a de devolver o dinheiro, tanto entre os pobres, quanto entre os ricos”.
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Naturalmente, este foi um único estudo; a pesquisa sobre a relação entre desigualdade e altruísmo, além de outros comportamentos pró-sociais, ainda está evoluindo. Contudo, ela tem profundas implicações na forma como observamos os custos sociais da pobreza. “Quando alguém perde parte de sua renda, isso não acarreta apenas efeitos pessoais, mas também afeta as pessoas do entorno, que talvez se beneficiassem de ações pró-sociais, de ações altruístas da pessoa que agora ficou pobre. Por isso, quando pensamos nos benefícios e custos de programas de combate à pobreza, precisamos levar em conta esse fator”, afirmou Nikiforakis.
*Stephen J. Dubner é coautor, com Steven D. Levitt, de Freakonomics: O Lado Oculto e Inesperado de Tudo Que Nos Afeta e Super Freakonomics: Resfriamento Global, Prostitutas Patriotas e Por que os Homens-Bomba Deveriam Fazer Seguro de Vida.
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