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Análise

Por que a adesão automática ao cadastro positivo não salvará consumidor de juro alto

 | Daniel Castellano / AGPDaniel Castellano / AGP

Encalhada durante todo ano de 2017, a proposta que trata da adesão automática dos consumidores ao cadastro positivo e também da responsabilidade civil das entidades que lidarem com esses dados bateu na trave nesta terça-feira (19), na última sessão do ano da Câmara dos Deputados. 

Derrotado em relação à reforma da Previdência, o governo federal insistiu com os parlamentares que era preciso passar essa medida, um das muitas anunciadas pela equipe econômica de Henrique Meirelles ainda no fim de 2016. Mas o texto ficou pra 2018.

A proposta prevê a adesão automática dos consumidores ao cadastro positivo, ou seja, sem que eles sejam consultados previamente, por meio da alteração de duas leis que tratam sobre cadastros e responsabilidade civil dos operadores de crédito (Lei Complementar 105/2011 e Lei Federal 12.414/2011).

Com essa mudança, 120 milhões de brasileiros (número estimado de pessoas economicamente ativas no país) devem entrar automaticamente no banco de dados positivos, dizem os serviços protetores de crédito. Hoje são pouco mais de 5 milhões de pessoas lá, incentivadas a entrar na dança via serviços como Serasa Experian e SPC Brasil.

A grande sacada do cadastro positivo, segundo o governo e alguns especialistas, seria a inversão da lógica perversa de análise de crédito no Brasil— uma “aberração” em meio às dez maiores economias do mundo —, em que o veredicto é dado com base em informações negativas dos consumidores, não nas positivas.

Essa inversão da lógica de análise de crédito no Brasil daria, em tese, mais poder para os bons pagadores e, de quebra, colaboraria para reduzir a inadimplência e os juros no país. Embora outros fatores contribuam para os juros altos no Brasil, essa mudança, basicamente, alteraria o quadro atual, em que a grande maioria dos consumidores paga o pato pelo comportamento “caloteiro” de uma minoria.

Em outubro, quando a proposta passou pelo Senado, Meirelles reforçou a importância da medida em sua conta no Twitter: "O cidadão terá uma nota de crédito dada de acordo com seu histórico de pagamentos e somente essa nota será acessada por bancos e financeiras (...). É importante lembrar: nenhuma instituição terá livre acesso aos dados dos consumidores. Tudo isso continua protegido", disse ele.

A própria equipe de Meirelles, no entanto, sustenta que seriam necessários pelos seis meses para que essa adesão involuntária e em massa ao cadastro positivo tivesse algum efeito nos juros ao consumidor. 

Essa visão, no entanto, parece ser um tanto otimista demais, dada a conjuntura econômica do Brasil e outros fatores.

Risco Brasil, concentração de mercado e outras razões travam efeitos do cadastro positivo

Embora a Selic, base das transações financeiras do país, já tenha caído bastante e tenha condições de cair ainda mais se a inflação, entre outros fatores, for mantida sob controle, outras razões para os juros altos no Brasil continuam a existir. Uma das principais delas é o chamado Risco Brasil, ou seja, a capacidade do país de honrar seus compromissos, dentro e fora de seu território, e também de ser um bom alvo de investimentos. 

LEIA TAMBÉM: Por que os juros são tão altos no Brasil?

Desequilíbrios fiscais e políticos são os principais calos do Brasil nesse item. Exemplo: não importa qual a sua opinião sobre a reforma da Previdência; o mercado espera que o Brasil a faça o mais rápido possível.

Há também as razões próprias do sistema brasileiro para os juros altos. Além da inadimplência, há a alta concentração de mercado — os cinco grandes bancos (Caixa, BB, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander) dominam mais de 75% do crédito — e a questão do crédito direcionado e dos compulsórios. 

Os depósitos compulsórios são uma forma do Banco Central controlar a quantidade de dinheiro na economia. Os bancos precisam depositar parte dos recursos captados dos clientes em depósitos à vista, a prazo ou poupança, numa conta do BC. Em 2015, o BC reduziu as exigências para o depósito à vista, mas apertou aqueles de poupança ao destinar parte deles para custeio do PAC. 

Na prática, os bancos tentam compensar essas obrigações compulsórias e a regulação do crédito direcionado, como no caso da habitação, nas taxas das demais modalidades de crédito. É o chamado subsídio cruzado. 

A ofensiva do CMN no rotativo do cartão, iniciada em abril deste ano, é uma tentativa de minar umas dessas modalidades de maior lucro para os bancos. De 2007 para cá, a proporção do crédito direcionado no total de crédito bancário passou de 35,6% para 50,1%, em grande parte devido ao uso dos bancos públicos como agentes de políticas anticíclicas e ferramentas de fomento. O BC está estudando esse quadro para propor mudanças.

Sozinho, nenhum desses fatores, dizem os especialistas, é determinante para os juros altos no Brasil. Mas juntos, e isso não deve mudar tão cedo, travam qualquer esperança dos consumidores do país.

Falta de transparência e padrão de uso preocupam entidades 

A adesão automática já fazia parte do projeto de lei original do cadastro positivo lá em 2011 e foi descartada principalmente por receios em relação à privacidade dos dados dos consumidores. 

Entidades como o do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o próprio Ministério Público Federal (MPF), que já publicou parecer sobre o assunto, colocam em dúvida o potencial do cadastro e batem o pé no sentido de que algumas lacunas, como a questão da privacidade dos dados e da transparência do processo, precisam ser sanadas antes de a ferramenta ser “automatizada”. 

Desde 2011, a posição do MPF é a de que sem um marco legal que proteja os dados dos consumidores de abusos, não há como tornar a adesão ao cadastro positivo algo automático. Para o órgão, falta clareza sobre que dados serão coletados, por quanto tempo e como serão utilizados, embora a própria lei do cadastro positivo traga algumas dessas informações.

Da forma que está a lei do cadastro positivo hoje, a avaliação do MPF é a de que a medida viola o direito à privacidade e proteção de dados pessoais nas relações de consumo, além de colocar o cidadão em situação de vulnerabilidade em relação às instituições financeiras.

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