Na escola, Giana Soares vai bem em história e português. Aos 15 anos, ela ainda não sabe que profissão seguir, mas agora sabe de uma coisa: se quiser, há todo um mundo de carreiras em tecnologia à sua espera.
A estudante integrou uma turma de 19 meninas com idade entre 15 e 16 anos, que passou os últimos dois finais de semana na sede da startup Ebanx, no Centro de Curitiba. Elas participaram do Girls4Tech, curso que visa incentivar o gosto de meninas em idade escolar pela área de tecnologia. A iniciativa é em parceria com a Junior Achievement.
A ideia é "despertar o interesse dessas meninas para a tecnologia" agindo na educação de base, antes destas meninas escolherem as profissões que vão seguir, resume Nayana Rogal, coordenadora de Cultura do Ebanx.
O sentimento é de que a hora da contratação é "tarde demais" para começar a ter políticas de equidade de gênero. Não adianta tentar equiparar o número de homens e mulheres na equipe se elas sequer ingressam em profissões tecnológicas.
A última edição do programa de estágio em tecnologia do Ebanx dá um sinal disso. Foram 84 mulheres entre os 594 inscritos — média de uma candidata mulher para cada seis homens.
"Cada vez mais há este recorte de gênero. As empresas querem contratar, são pressionadas para contratar mulheres", mas às vezes simplesmente não há candidatas, explica a consultora Carine Ross, da consultoria de inteligência em gênero e inovação Upwit.
Isso acaba criando uma situação meio bizarra em que há vagas "sobrando" para mulheres que trabalham com tecnologia. Embora exista uma série de entraves tanto para elas ingressarem quanto para permanecer na área.
Em um setor que caça talentos, o fato de muitas empresas terem políticas de equidade de gênero cria uma situação favorável para as mulheres que se qualificam na área. E são poucas.
Apenas 15% dos estudantes dos cursos de Ciência da Computação são mulheres, segundo dados da Sociedade Brasileira de Computação (2016)
Nos cursos de Ciência da Computação elas são apenas 15% dos alunos. Mas nem sempre foi assim. Na década de 1970, a proporção de mulheres nos cursos de computação era de 35%.
Esta mudança tem um aspecto cultural, explica Carine Ross. "Nos anos 1970 os computadores eram basicamente para trabalho de contabilidade", considerados mais simples. Na década seguinte a computação virou tecnologia de ponta, com a chegada dos computadores pessoais. E a desigualdade de gênero cresceu.
Necessidade de mudanças na base
A educação de base é o principal gargalo para as mulheres nas carreiras de tecnologia. As meninas que seguem na área, em geral, têm algum exemplo na infância. Caso de Aline Borges, que tinha paixão por trocar e consertar as luzinhas de suas bonecas.
A desenvolvedora, hoje com 25 anos, foi a professora da turma do Girls4Tech. Ela ensinou às meninas o básico das linguagens HTML e CSS. "Elas foram muito além do que eu ensinei", conta Aline, que se emocionou com o envolvimento das garotas.
Dados do Pisa indicam que, na média dos países da OCDE, apenas 5% das meninas consideram seguir uma carreira em computação e engenharia. Entre os meninos, a proporção é de 17%.
Outro programa que busca aproximar meninas da tecnologia é o Node Girls, em Porto Alegre. O grupo nasceu para discutir a plataforma "node" (que dá escala a sistemas de computação), e mistura debates (sobre machismo na computação, por exemplo) e eventos práticos.
Muitas das participantes são meninas na casa dos 18 anos que estão entrando agora no mercado de tecnologia. "Nosso desafio é trazer mais mulheres, e também fazer com que elas conheçam o node", explica Camilla Martins, 21, organizadora do grupo.
Elas até entram. Mas não ficam
No mundo todo, as mulheres representam pouco menos de um quinto da força de trabalho nas áreas de computação e matemática. A retenção de mulheres na tecnologia é inferior à média de outras carreiras.
Oito em cada 10 alunas de tecnologia de informação desistem do curso já no primeiro ano. Uma pesquisa norte-americana identificou que metade das mulheres desistiram de carreiras nesta área em menos de 12 anos. Em outras profissões, apenas 20% das mulheres largaram ao longo dos 30 anos cobertos pela pesquisa. Os dados estão compilados no e-book “Mulheres líderes na tecnologia”, da Upwit.
A equidade de gênero na revolução tecnológica
A disparidade de gênero em carreiras de tecnologia é um desafio para o futuro do trabalho. Isto porque muitas das vagas de emprego que devem ser criadas, nos próximos anos, estão ligadas a este setor. Enquanto muitos cargos vão ser extintos, na chamada 4.ª revolução industrial.
A pesquisa "Futuro do Trabalho", do Fórum Econômico Mundial, estima que dois milhões de empregos devem ser criados nas áreas de computação, engenharia e matemática, no período entre 2015 e 2020.
Para cada vaga na área que empregar uma mulher, devem surgir seis outras empregando homens. O fórum também identificou que as empresas mais afinadas com as inovações disruptivas são justo as que mais incorporam políticas para enquadrar mulheres em cargos-chave da empresa.