Trunfo para bons pagadores, nova versão do cadastro positivo está empacada em Brasília. Entenda melhor na Gazeta do Povo.| Foto: Hugo Harada/ArquivoGazeta do Povo

Em meio aos pontos prioritários da equipe econômica do governo Temer, anunciados em dezembro de 2016, estava a intenção de tornar a adesão ao cadastro positivo algo automático, por meio de uma alteração na Lei 12.414/2011, que trata do tema, via medida provisória. Com essa mudança, 120 milhões de brasileiros (número estimado de pessoas economicamente ativas no país) entrariam automaticamente no banco de dados positivos, dizem os serviços protetores de crédito. Hoje são pouco mais de 5 milhões de pessoas lá, incentivados a entrar na dança via serviços como Serasa Experian e SPC Brasil. Quatro meses depois da coletiva do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, porém, a proposta está empacada em Brasília.

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A grande sacada do cadastro positivo, segundo o governo e alguns especialistas, seria a inversão da lógica perversa de análise de crédito no Brasil— uma “aberração” em meio às dez maiores economias do mundo —, em que o veredicto é dado com base em informações negativas dos consumidores, não nas positivas. 

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Essa inversão da lógica de análise de crédito no Brasil daria, em tese, mais poder para os bons pagadores e, de quebra, colaboraria para reduzir a inadimplência e, consequentemente, os juros no país. Embora outros fatores contribuam para os juros altos no Brasil, essa mudança, basicamente, alteraria o quadro atual, em que a grande maioria dos consumidores paga o pato pelo comportamento “caloteiro” de uma minoria. 

Esse efeito, porém, só viria com o tempo, e com um bom volume de bons pagadores identificados – por isso a ideia da adesão automática. E mesmo assim, a própria equipe de Meirelles acredita que serão necessários pelo menos seis meses para que algum efeito seja sentido no mercado de crédito. 

Procurada pela reportagem, a assessoria do Ministério da Fazenda encaminhou a questão para o Banco Central, que, por sua vez, pediu para que uma posição sobre a publicação da MP fosse cobrada também da Casa Civil. 

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Segundo informações de bastidores, as discussões sobre a redação da tal MP, trazendo a adesão automática como principal mudança, continuam em Brasília, e não há previsão para que o cadastro positivo deslanche.

Oficialmente, o BC disse, apenas, que tem “participado ativamente de discussão” sobre o “aperfeiçoamento da legislação do cadastro positivo”. Casa Civil não retornou a tempo do fechamento desta reportagem.

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Serviços de proteção ao crédito tentam sair na frente na utilização dos dados

Por ora, algumas iniciativas como o Serasa Score, sistema de pontuação de crédito lançado pela Serasa Experian no início do último mês de abril, tentam se adiantar e dar uma ideia de como todos esses dados poderiam ser utilizados pelo mercado de crédito brasileiro. O Serasa Score é um modelo estatístico que considera informações sobre o comportamento dos consumidores para classificá-los segundo uma pontuação, que vai de 0 a 1.000 e indica as chances de o cidadão honrar compromissos financeiros nos próximos 12 meses.  De 0 a 300 é a pontuação dos clientes com alto risco de não honrar; 300 a 700 médio risco; e 700 a 1.000, baixo risco. 

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“O Serasa Score não é uma base de dados. Toda a vez que o consumidor acessar o site, um novo cálculo vai ser feito [com base nas informações disponíveis naquele momento]. Ou seja, é uma ferramenta que ajuda no processo decisório [da concessão de crédito]. Quanto mais informações disponíveis, melhor a avaliação. Por isso, o Serasa Score também funcionará como um incentivo ao cadastro positivo”, explica a diretora do Serasa Consumidor, Fernanda Monnerat. Desde o início de abril, qualquer cidadão pode consultar seu Serasa Score gratuitamente no site www.serasascore.com.br.

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Fernanda admite que as vantagens para o bom pagador só viriam com o tempo e com um certo volume de consumidores utilizando o cadastro positivo e os serviços de pontuação das empresas de proteção de crédito. O Serasa Score é apenas um primeiro produto nesse sentido. 

“Ele está muito atrelado ao cadastro positivo e o desafio é mesmo o de educação financeira. Esse movimento de bottom up [a base pra cima], fazendo com que o consumidor fique mais informado, entendendo como os dados impactam a decisão de crédito, querendo melhorar o score, pode movimentar o mercado [como um todo]”, ressalta ela.

Esse esforço para pensar no lado “mais fraco” hoje mas que pode ser o mais forte amanhã, o consumidor, é algo que a Serasa Experian vem fazendo há pelo menos sete anos. A possibilidade de deslanche do cadastro positivo, porém, e a criação de uma nova empresa do ramo a partir dos cinco maiores bancos do país (Bradesco, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Itaú e Santander ) parece ter colocado mais lenha nessa fogueira.

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A Gestora de Inteligência de Crédito (GIC), como vem sendo chamado bureau dos bancos que concorrerá diretamente com Serasa Experian, Boa Vista SCPC e SPC Brasil, teve sua criação aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em novembro de 2016. Num setor em que os players já são bastante fortes, a GIC é um tubarão com potencial para abocanhar boa parte do mercado de proteção de crédito logo de início. 

Procurados pela reportagem, os bancos envolvidos na criação da GIC disseram que a Febraban, federação que representa o setor, é quem responde oficialmente sobre o tema. A entidade, porém, não conseguiu dar informações sobre a quantas andam os preparativos para a criação da GIC até o fechamento desta reportagem.

E é com essa concorrência toda também, de olho nos dados dos bons pagadores brasileiros, que as entidades de defesa do consumidor se preocupam.

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Ideia ainda tem velhos entraves, como falta de transparência e padrão de utilização

A adesão automática já fazia parte do projeto de lei original do cadastro positivo lá em 2011 e foi descartada principalmente por receios em relação à privacidade dos dados dos consumidores. E isso continua sendo um problema. 

Entidades como o do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o próprio Ministério Público Federal (MPF), que já publicou parecer sobre o assunto, colocam em dúvida o potencial do cadastro e batem o pé no sentido de que algumas lacunas, como a questão da privacidade dos dados e da transparência do processo, precisam ser sanadas antes de a ferramenta ser “automatizada”.

Desde 2011, a posição do MPF é a de que sem um marco legal que proteja os dados dos consumidores de abusos, não há como tornar a adesão ao cadastro positivo algo automático. Para o órgão, falta clareza sobre que dados serão coletados, por quanto tempo e como serão utilizados, embora a própria lei do cadastro positivo traga algumas dessas informações.

Da forma que está a lei do cadastro positivo hoje, a avaliação do MPF é a de que a medida viola o direito à privacidade e proteção de dados pessoais nas relações de consumo, além de colocar o cidadão em situação de vulnerabilidade em relação às instituições financeiras,

A economista do Idec, Ione Amorim, também aponta esses riscos relacionados ao cadastro positivo. “A medida [da adesão automática]não é objetiva sobre como o consumidor pode se beneficiar (...) É preciso que essa informação seja transformada numa linguagem simples. As empresas que usam o cadastro não são responsáveis pela avaliação final de crédito, mas fazem uma pontuação que pode impedir que o consumidor receba o crédito. É preciso, então, que o consumidor tenha clareza sobre o processo. Se hoje a minha pontuação é x , como posso chegar a y e conseguir taxas de juros mais competitivas?”, diz ela.

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Ione lembra que não há um olhar regulador sobre os bureaus de crédito e que um avanço do cadastro positivo dependeria da clareza sobre como os dados dos consumidores são utilizados e também de um procedimento mínimo padrão, que oriente a formulação de avaliações a partir desta ferramenta. Caso contrário, o consumidor corre o risco de ter uma pontuação em cada bureau e ainda ter serviços e compras negados por isso. 

Outra preocupação é o que acontece até que o salto das vantagens do cadastro positivo realmente aconteça. Até que um volume grande de consumidores motive uma política de juros que beneficie os bons pagadores,  alerta Ione, é possível que esses mesmos bons pagadores, por exemplo, passem a ser atormentados por ofertas de telemarketing. “É fato que esse mercado extraoficial de dados existe. Você vê isso quando vai abrir uma conta no banco e o atendente te diz que tem informações sobre uma outra conta que você teve anos atrás ou ainda que possui dados sobre uma empresa que você tem no seu nome. Como isso acontece? E o que impede que os dados do cadastro positivo sofram o mesmo tipo de abuso?”, indaga a economista do Idec.