Os lucros das empresas brasileiras de capital aberto dispararam no ano passado. Mas a análise dos resultados dos três últimos meses do ano mostra que, apesar do bom desempenho no acumulado do ano, alguns fatores domésticos e externos começaram a afetar os balanços.
Segundo a Economatica, as empresas listadas em bolsa de valores lucraram R$ 228,6 bilhões no ano passado, um crescimento de 235% em relação a 2020 e de 116% em comparação a 2019, ano anterior à da crise da pandemia.
Os números não consideram empresas que fizeram IPO (oferta inicial de ações) no período, que não têm dados disponíveis para todo o intervalo, e a Petrobras e a Vale, que registraram “lucros historicamente muito elevados” que distorceriam a amostra em geral – em valores ajustados pelo IPCA, as duas empresas do segmento de commodities registraram os maiores lucros anuais da história entre empresas brasileiras de capital aberto.
Segundo a Economatica, a receita líquida das empresas de capital aberto no ano passado foi de R$ 2,6 trilhões, 32,2% a mais que em 2020 e 45,9% acima da verificada em 2019. Os destaques foram os segmentos de alimentação e bebidas (+63,3%), siderúrgica e metalúrgica (+94,2%) e química (+101,6%).
Fatores domésticos e externos afetaram os lucros no quarto trimestre
Apesar do bom resultado no acumulado de 2021, fatores domésticos e externos afetaram os resultados das empresas no quarto trimestre. Segundo os analistas do grupo Inter, os resultados do período mostraram mais um trimestre de margens deterioradas devido à dificuldade no repasse de custos ao consumidor final.
“Como no terceiro trimestre do ano passado, incertezas sobre a trajetória fiscal brasileira e a mudança no teto de gastos, pressões inflacionárias levando a taxas de juros mais altas, projeções de crescimento econômico mais baixas – para 0% em 2022 – e tensões políticas crescentes pressionaram os ativos brasileiros", apontaram analistas da XP em relatório.
Fora do Brasil, segundo eles, os mercados globais foram afetados por questões como "o anúncio do Federal Reserve sobre a necessidade de antecipar a alta das taxas de juros norte-americanas, as preocupações com a nova variante Ômicron, a crise energética mundial e a ruptura nas cadeias de produção”.
Outro fator que teve impacto nos resultados foi a alta no preço das commodities. Os analistas da corretora apontam que a rápida retomada das atividades econômicas após o afrouxamento das restrições impostas na pandemia não foi acompanhada pela produção de commodities, causando um desequilíbrio entre a oferta e a demanda.
“Com menos quantidade disponível do que a necessária para abastecer as cadeias produtivas, os preços das commodities tenderam a subir”, aponta a XP.
Segundo a corretora, a proporção de resultados de Ebitda que superaram as estimativas da corretora foi inferior à observada nos dois trimestres anteriores. No último trimestre de 2021, 44% dos resultados superaram as previsões, contra 64% no anterior. E os resultados abaixo das estimativas (48%) foram mais comuns que nos períodos imediatamente anteriores – o índice havia sido de 29% no segundo trimestre e 26% no terceiro.
Outro indicador que mostra que os resultados vieram mais fracos do que o esperado foi o de receita líquida. Houve uma queda nos resultados que superam as estimativas – de 55% no terceiro trimestre para 46% no quarto trimestre – e um aumento na proporção de resultados aquém das expectativas – de 26% no terceiro trimestre para 34% no quarto.
A XP aponta que estes resultados refletem a alta no preço das commodities e a continuidade na ruptura nas cadeias econômicas globais, com a deterioração do cenário macroeconômico.
O Inter destaca que o quadro internacional parece trazer alguns desafios para a economia brasileira: a atividade na China segue influenciada pela Covid e pela retração do mercado imobiliário; o Fed (o BC americano) iniciou o ciclo de alta de juros nos Estados Unidos; e a guerra na Ucrânia segue sem desfecho previsível.
Esse conjunto traz riscos para a demanda externa e pode afetar indicadores econômicos brasileiros, aponta Gabriela Joubert, head de equity research do Inter.
A situação por segmentos
Mesmo entre as commodities metálicas, os resultados não foram tão animadores quanto se esperavam. Na mineração, diz Gabriela, do Inter, o quarto trimestre decepcionou um pouco, com as empresas trazendo resultados fracos em termos de receitas, refletindo demanda fraca chinesa, em razão da menor produção siderúrgica, e volumes vendidos abaixo do esperado, devido à sazonalidade das chuvas. Os custos de operação seguiram avançando no período, amparados pela alta no preço dos insumos.
A alta nos custos também impactou as siderúrgicas. Todas reportaram custos acima do esperado no último trimestre do ano passado, reflexo da alta em insumos como minério de ferro, carvão e sucata. Além disso, as receitas caíram em decorrência da sazonalidade de fim de ano. “Vimos desafios de repasses de preços, o que pode limitar o crescimento das receitas a partir de agora”, destaca Gabriela.
O segmento de papel e celulose surpreendeu. A expectativa inicial era de resultados estáveis, em função dos desafios de demanda, especialmente na China. Mas o que se viu, segundo analistas do Inter, foram resultados acima do esperado, refletindo a retomada do consumo em todos os continentes. E os custos vieram abaixo do esperado, mesmo com a pressão de maiores preços dos insumos.
O ano passado foi extraordinário para o segmento de frigoríficos, apontam os analistas do Inter. E o quarto trimestre mostrou resultados robustos, acima das expectativas. Os preços em seus maiores patamares históricos e a demanda global aquecida foram os principais fatores que contribuíram para esse cenário. Mas para o mercado interno, o mercado mostrou-se mais desafiador, por causa da perda de poder de compra da população, bem como oferta limitada e custosa.
Reforma tributária promete simplificar impostos, mas Congresso tem nós a desatar
Índia cresce mais que a China: será a nova locomotiva do mundo?
Lula quer resgatar velha Petrobras para tocar projetos de interesse do governo
O que esperar do futuro da Petrobras nas mãos da nova presidente; ouça o podcast