Os lucros recordes da Petrobras, que o presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a chamar de “estupro” em um momento de alta nos preços dos combustíveis, podem agora ajudar o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) a registrar o primeiro superávit primário após oito anos no vermelho.
No mais recente relatório de receitas e despesas do Tesouro Nacional, divulgado no fim de julho, a projeção do resultado primário já havia passado de déficit de R$ 65,5 bilhões para de R$ 59,35 bilhões. Ainda sem os números do segundo trimestre da Petrobras, a equipe econômica já falava na expectativa, ainda que pequena, de fechar o ano no azul.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, dizia ser possível zerar o déficit da União ainda em 2019, no primeiro ano de governo, mas o objetivo só ficou mais próximo agora, graças à forte alta dos lucros das estatais e outras receitas extraordinárias.
No fim de julho, a petroleira anunciou um lucro de R$ 54,3 bilhões para o período de abril a junho e a distribuição de um valor recorde de R$ 87,8 bilhões em dividendos a serem pagos em agosto e setembro. Desse montante, a União, como acionista majoritária, receberá diretamente R$ 25,2 bilhões.
Com os R$ 45,2 bilhões que o Tesouro já tinha de receitas com dividendos de estatais este ano, o governo federal acumula, agora, R$ 70,4 bilhões de repasses de estatais em 2022.
O valor já ultrapassa em 28,4% uma projeção feita pela equipe econômica antes da divulgação do resultado da Petrobras. Os cálculos apontavam R$ 54,8 bilhões em receitas extras com dividendos e participações até o fim do ano – estimativa que já havia sido revista para cima após pagamentos complementares de R$ 18,9 bilhões do BNDES referentes a lucros apurados em 2020 e 2021.
Até dezembro, entrarão ainda dividendos da Petrobras correspondentes ao resultado do terceiro trimestre. Além disso, o governo pode receber repasses do BNDES e da Caixa que originalmente seriam pagos apenas em 2023, mas que as empresas avaliam antecipar após pedido do Ministério da Economia.
O próprio BNDES é também acionista da Petrobras e, por isso, receberá R$ 6,97 bilhões em dividendos referentes ao resultado do segundo trimestre da petroleira.
Com tudo isso, o total repassado de lucros de estatais para o governo federal este ano deve superar os R$ 100 bilhões, com aumento de mais de 130% em relação a 2021, quando a União obteve R$ 43 bilhões em dividendos e juros sobre capital próprio (JCP).
Além disso, entre outras receitas extraordinárias, houve aumento substancial na rubrica “concessões e permissões”, de R$ 26,87 bilhões, devido, principalmente, à arrecadação de receitas de novos contratos de geração de energia elétrica advindos da desestatização da Eletrobras.
Receita extra supera gasto com desoneração de combustíveis e PEC dos Benefícios
Após a realização dos números, as receitas extraordinárias devem cobrir, com uma folga de mais de R$ 42 bilhões, o rombo aberto pela Emenda Constitucional 123/2022, que criou e ampliou benefícios sociais até o fim do ano, e pela Lei Complementar 194/2022, que zerou temporariamente as alíquotas de PIS, Cofins e Cide de gasolina e etanol.
A Emenda Constitucional 123, que turbinou até dezembro o Auxílio Brasil e o vale-gás, além de lançar vouchers para caminhoneiros e taxistas, gerou uma despesa adicional de R$ 41,25 bilhões para a União neste exercício. E a retirada de impostos federais sobre combustíveis terá impacto de R$ 16,5 bilhões. Com isso, chega a R$ 57,75 bilhões o total de despesas não previstas no Orçamento.
Finalmente, um acordo assinado entre a União e a prefeitura de São Paulo relacionado ao acordo de cessão do Aeroporto do Campo de Marte deve impactar o saldo do governo central positivamente em mais R$ 24 bilhões. A operação envolveu um encontro de contas, com o encerramento de uma dívida do município com a União em troca do valor da indenização devida pelo governo federal pelo uso da área.
Assim, as novas receitas não previstas podem superar com alguma margem as despesas projetadas até aqui, tornando mais tangível a possibilidade do primeiro superávit primário do governo central desde 2013. No ano passado, houve superávit do setor público consolidado, quando se consideram os balanços de Estados, municípios e empresas estatais. O governo federal, no entanto, teve déficit de R$ 35,1 bilhões.
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