O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não parece disposto a abrir mão da indicação do ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao comando da mineradora Vale, nem a disfarçar a pressão sobre a companhia.
Em semana decisiva para o desfecho da novela da sucessão, Lula criticou a empresa nesta quinta-feira (25), aniversário de cinco anos da tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais. O presidente aproveitou para mandar recados sobre a necessidade de fiscalização em projetos de mineração.
"Cinco anos e a Vale nada fez para reparar a destruição causada. É necessário o amparo às famílias das vítimas, recuperação ambiental e, principalmente, fiscalização e prevenção em projetos de mineração, para não termos novas tragédias como Brumadinho e Mariana", escreveu o presidente no X (antigo Twitter).
A pressão do Planalto se deve à resistência do conselho de administração e de acionistas da mineradora em aceitar a indicação do ex-ministro. Nas últimas semanas, a pedido de Lula, o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, iniciou tratativas diretas com os acionistas e conselheiros. Silveira chegou a negar a intenção do governo, que depois se confirmou. Os acionistas tem resistido à pressão, já que a companhia, privatizada desde 1997, tem políticas de governança e compliance consolidadas.
Lula vai discutir sucessão com ministro e conselheiros da Previ
Lula marcou para a terça-feira (30) uma reunião com o Ministério de Minas e Energia, o Banco do Brasil e a Previ, fundo de previdência dos funcionários do BB, maior acionista individual da companhia, com 8,7% das ações e dois assentos no colegiado.
Outros acionistas relevantes da Vale são a japonesa Mutsui, com 6,3% das ações, o fundo americano BlackRock, com 5,8% e a Cosan, gigante com negócios em açúcar e álcool, que comprou 4,9% das ações no ano passado.
Uma das alternativas na mesa é tentar a aprovação do ministro para o conselho, mas para isso um dos conselheiros da Previ tem de renunciar.
O conselho de administração se reúne na próxima quarta (31) para decidir se reconduz o atual presidente Eduardo Bartolmeo ao cargo. Se optar pela continuidade, o executivo ficará mais três anos à frente da empresa. Caso contrário, o colegiado escolherá um novo nome a partir de uma lista de três indicações de consultorias de headhunting. São 13 conselheiros, oito deles independentes, ou seja, não relacionados com os acionistas.
A Previ é a maior ponte de influência do governo na Vale. No passado, o governo tinha mais poder, pois participava do bloco de controladores por meio do BNDES.
Mas, com o programa de desinvestimentos do governo de Jair Bolsonaro (PL), em 2020 o BNDES vendeu sua fatia e a Vale se tornou uma corporation. Nesse modelo, comum nos EUA, a empresa não tem controlador definido. As ações são pulverizadas entre investidores privados e há regras rígidas de governança corporativa.
Além da Previ, um outro instrumento limitado para influir na Vale são as golden shares, um tipo de participação indireta que a União detém em empresas estatais que foram privatizadas.
As 12 golden shares que o governo detém não rendem dividendos e não dão direito à indicação de CEO ou integrantes para o conselho de administração. Mas garantem o direito de veto a decisões da empresa, como a venda ou encerramento de atividades em jazidas, ferrovias e portos.
Governo tem instrumentos de pressão sobre empresa e acionistas
O recado do governo aos acionistas tem sido que, caso o nome de Mantega não seja contemplado, a empresa não terá o apoio do governo em algumas de suas operações que dependem de envolvimento da administração federal.
Apesar da gestão profissional, a pressão sobre as escolhas da companhia pode funcionar. Os grandes acionistas privados são empresas que dependem de decisões do Executivo federal para inúmeras demandas.
A própria Vale também tem uma fila de projetos, sobretudo na infraestrutura, que envolvem órgãos federais.
Entre os exemplos estão as concessões de ferrovias usadas pela Vale. O Executivo pretende rediscutir os contratos prorrogados no governo Bolsonaro, sob o argumento do valor supostamente baixo desembolsado pelas concessionárias.
Entre elas estão a EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas) e a EFC (Estrada de Ferro de Carajás), operadas pela mineradora. A EFC foi totalmente duplicada para aumentar o escoamento de minério de ferro do Pará rumo aos portos do Maranhão. Segundo cálculos do governo, pelo menos R$ 20 bilhões extras deveriam ser pagos pela companhia pelas renovações contratuais.
Apurações da imprensa dão conta de que Mantega teria sinalizado a acionistas que pode solucionar os problemas com concessões de ferrovias. Segundo reportagem do site Infomoney, Mantega teria manifestado a disposição de funcionar como elo entre a empresa e o Planalto.
"Por exemplo, em concessão de licenças ambientais para atuais e novos projetos, renegociação das renovações de contratos de ferrovias e também nas negociações de reparação de danos ambientais e sociais causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. Os valores colocados na mesa são de dezenas de bilhões de reais", diz trecho da reportagem.
Além dos interesses da Vale, existem interesses dos demais grandes acionistas. Mitsui, BlackRock, Bradesco e a Cosan têm investimentos que dependem de regulação. Em geral as empresas prezam em ter uma boa relação com o governo e não parece bom negócio se indispor com uma gestão que ainda tem três anos pela frente.
Segundo apurações de bastidores, governo e acionistas buscam ganhar tempo para definição em que a renovação, ou não, do contrato de Bartolomeo seja por unanimidade. Já foi cogitado um novo mandato, porém mais curto, para o atual CEO. O conselho esta dividido sobre a questão.
No caso de mandato menor de Bartolomeo, seria negociado um cargo de alta relevância na diretoria executiva da mineradora para Mantega. Por exemplo, uma vice-presidência, apurou o Infomoney.
Caso a permanência de Bartolomeo seja negada, Mantega poderia integrar a lista tríplice de nomes a ser elaborada pela empresa de headhuntig de executivos. Com isso, haveria espaço até abril para negociações que acomodassem o pleito do governo.
A manobra não é bem vista por alguns dos investidores da Vale e até conselheiros. Vai contra todas as políticas da empresa e é arranjo de interesses que não é o da mineradora. Uma divisão dos votos dos conselheiros, porém, é tudo que não se quer para a companhia.
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