O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta terça-feira (18) que a única "coisa desajustada" do país é o Banco Central, e que os ricos se apoderaram do Orçamento mas se queixam dos gastos com o "povo pobre".
Em entrevista à rádio CBN, o presidente buscou concentrar o debate das contas públicas no tamanho dos incentivos fiscais, o que dá a entender que seu foco continuará sendo em medidas para aumentar a arrecadação. E não se comprometeu com redução de despesas, limitando-se a afirmar que "a equipe econômica tem que me apresentar a necessidade de corte" e que seu governo "está fazendo um estudo muito sério sobre o Orçamento".
Presidente do Banco Central não demonstra autonomia, diz Lula
"Nós só temos uma coisa desajustada no Brasil nesse instante. É o comportamento do Banco Central, essa é uma coisa desajustada. Um presidente do BC que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político e que na minha opinião trabalha muito mais para prejudicar o país do que ajudar, porque não tem explicação a taxa de juros do jeito que está", disse Lula.
Na quarta-feira (19) o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central vai definir o nível da taxa básica de juros (Selic). A expectativa da maioria dos bancos, consultorias e corretoras é de que o juro básico seja mantido em 10,5% ao ano, interrompendo um ciclo de cortes iniciado em agosto do ano passado. O governo e o PT, por sua vez, cobram novas reduções, e mais fortes.
Lula criticou o recente encontro do presidente do BC, Roberto Campos Neto, com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). "O que é importante saber é a quem esse rapaz é submetido. Como que ele vai para uma festa de São Paulo quase que assumindo um cargo no governo de São Paulo? Cadê a autonomia dele?"
O presidente disse já ter lidado muito tempo com o Banco Central e que duvida que Campos Neto tenha mais autonomia do que tinha Henrique Meirelles, que dirigiu a autoridade monetária nos primeiros governos do petista.
Lula afirmou que escolherá para o comando do Banco Central alguém que não pense só em controlar a inflação, mas que também leve em conta o crescimento econômico e da massa salarial. O mandato de Campos Neto termina em dezembro.
"Vou escolher um presidente do BC que seja uma pessoa que tenha compromisso com o desenvolvimento desse país, controle da inflação, mas que também tenha na cabeça que a gente não tem que pensar só no controle da inflação. Nós temos que pensar em uma meta de crescimento, porque é o crescimento econômico, da massa salarial que vai permitir a gente controlar a inflação", declarou o presidente.
Ricos se apoderaram do Orçamento e se queixam de despesas com "povo pobre", diz Lula
Em meio às pressões por corte de despesas do governo, Lula criticou o volume de benefícios fiscais. Segundo ele, tais incentivos são concedidos a ricos, que se queixam dos gastos do governo. Na segunda-feira, ministros da área econômica afirmaram que o presidente ficou impressionado com o valor das renúncias de impostos.
“As pessoas que falam que é preciso parar de gastar são as que que tem R$ 546 bilhões de isenção, de desoneração da folha de pagamentos. São os ricos que se empoderam de uma parte do orçamento do país e eles se queixam do que você está gastando com o povo pobre", disse Lula.
"Não me venham querer que se faça ajuste em cima do povo pobre deste país. Estou disposto a discutir o orçamento com a maior seriedade com a Câmara, com o Senado, imprensa, empresários, banqueiros, mas para que a gente faça com que o povo humilde, trabalhador, o que mais precisa do Estado, não seja prejudicado”, acrescentou o presidente.
Presidente repete queixas sobre diferenciação de "gasto" e "investimento"
Lula voltou a criticar a imprensa e o mercado por chamarem de "gasto" o que para ele é "investimento". “Normalmente você tem uma guerra histórica em determinados setores dos meios de comunicação e do mercado sobre a questão da utilização dos recursos do Orçamento. E eu tenho uma divergência profunda, e diria até conceitual, sobre o que é gasto e o que é investimento. E, de vez em quando, as pessoas jogam a responsabilidade dos gastos nas políticas que você está implantando, que é pra resolver a melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro”, afirmou.
Em outras ocasiões, Lula sustentou que transferências de renda e aumentos salariais para servidores públicos, por exemplo, deveriam ser considerados "investimentos". Os manuais de contas públicas seguidos pelos governos no Brasil e mundo afora, porém, não tratam assim tais despesas.
O glossário oficial de termos orçamentários do Congresso, por exemplo, define os investimentos – reunidos no Grupo de Natureza de Despesa (GND) 4 – como despesas voltadas para "planejamento e execução de obras, realização de programas especiais de trabalho, aquisição de instalações, equipamento e material permanente e constituição ou aumento de capital de empresas que não sejam de caráter comercial ou financeiro".
Lula não se compromete com corte de gastos
Ao comentar as cobranças por redução de gastos públicos, Lula disse que o governo está fazendo "um estudo muito sério sobre o Orçamento".
“Tem uma coisa na minha vida que eu sempre prezei muito: primeiro, eu não gosto de gastar aquilo que eu não tenho, eu aprendi com uma mulher analfabeta, que era minha mãe. 'Você não pode gastar o que você não tem, você só pode gastar o que você ganha. Se você tiver que fazer uma dívida, você tem que fazer uma dívida para aumentar alguma coisa na vida’. É assim que eu prezo a minha consciência política. Nós temos que gastar corretamente aquilo que nós temos, e é por isso que nós estamos fazendo um estudo muito sério sobre o Orçamento", disse.
O presidente, porém, não se comprometeu com qualquer corte de gastos. No momento em que citou redução de despesas, foi apenas para dizer que a equipe econômica precisa lhe apresentar "a necessidade de corte". Logo em seguida, Lula passou a falar nos "benefícios para os ricos", dizendo que há "muita isenção sem que haja reciprocidade".
Lula admite contradição, mas defende exploração de petróleo na Margem Equatorial
Na entrevista à CBN, Lula também comentou as divergências entre a Petrobras e o Ibama sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial. Ele deixou claro que é favorável à busca por riquezas na área, mesmo admitindo que isso é contraditório em relação à defesa que seu governo faz em fóruns internacionais de uma transição energética para fontes mais "limpas".
Situada na costa norte brasileira, entre o Amapá e o Rio Grande do Norte, a Margem Equatorial é considerada a região mais promissora do país para a descoberta de jazidas. Blocos de exploração de hidrocarbonetos foram concedidos ainda em 2013, mas até hoje as petroleiras – Petrobras à frente – não conseguiram autorização do Ibama para iniciar as pesquisas.
"O problema é que o Ibama tem uma posição, o governo pode ter outra posição. Em algum momento eu vou chamar o Ibama, a Petrobras e o Meio Ambiente na minha sala para tomar uma decisão. Esse país tem governo e esse governo reúne e decide. Se as pessoas podem ter posições técnicas, vamos debater tecnicamente. O que não dá é para a gente dizer a priori que vai abrir mão de explorar uma riqueza que se for verdade as previsões é uma riqueza muito grande para o Brasil", disse Lula.
"É contraditório? É, porque nós estamos apostando muito na transição energética. Ora, enquanto a transição energética não resolve o nosso problema, o Brasil tem que ganhar dinheiro com esse petróleo", acrescentou.
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