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Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) critique a quantidade de incentivos fiscais e uma suposta captura do Orçamento pelos "ricos", seu governo tem trabalhado para retomar a concessão de subsídios a determinados setores via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a serem bancados pelo contribuinte.
Um projeto de lei do Executivo que tramita em regime de urgência no Congresso introduz novas isenções e benefícios para diversos setores por meio da criação de Letras de Crédito do Desenvolvimento (LCD). O texto (PL 6.235/23) é o primeiro item de apreciação da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado nesta terça-feira (25).
As LCDs são títulos de renda fixa sujeitos a isenção tributária, que pode ser repassada integralmente aos tomadores de recursos. Na prática, isso significa juros menores para as empresas.
Os títulos serão emitidos principalmente pelo BNDES e por bancos estaduais de desenvolvimento. Aloízio Mercadante, presidente do BNDES, é entusiasta da ideia e tem pressionado pela aprovação da proposta.
O senador Rogério Marinho (PL-RN) diz que a proposta é um "subsídio disfarçado". "O governo colocou como prioridade voltar a política de subsídios implícitos ao BNDES, com as consequências que já conhecemos: fragilização da política monetária, atalhos que não atacam o problema fiscal do país", diz o senador.
Ele vê risco de favorecimento no uso de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), responsável pelo pagamento do seguro-desemprego e abono salarial. "Argumenta-se que ajudarão a indústria. Mas há repercussões que vão gerar custos que serão pagos pelo cidadão comum", avalia o senador.
"Se o presidente e sua equipe econômica dizem que estão preocupados com o nível de subsídios, por que um projeto que dá mais subsídios se encontra em regime de urgência? Alguém está tentando ludibriar a sociedade. Conhecemos há décadas e já vimos o que aconteceu com a política de juros subsidiados no BNDES. Não adianta mascarar as intenções", afirma Marinho.
Projeto que retoma subsídios via BNDES foi apresentado em regime de urgência
O projeto foi enviado às vésperas do Natal e do recesso legislativo do ano passado, com tramitação inicial pela Câmara dos Deputados. Devido à urgência, foi votado em maio, sob risco de trancar a pauta da Casa.
A justificativa do governo é fomentar “projetos destinados à produção ou à comercialização de bens e serviços de reconhecida inserção internacional”. A proposta, porém, não estabelece critérios para tal reconhecimento.
Marinho destaca a incoerência entre discurso e prática do Executivo. Atualmente, pelas contas do governo, os subsídios estão na casa dos 6% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo ele, este percentual era de 2% do PIB quando governo petista assumiu, após a gestão de Fernando Henrique Cardoso.
"Lula e Dilma [Rousseff] levaram isso para 6% do PIB", afirma Marinho. "O governo do PT sempre falou uma coisa e fez outra. Na última semana, arrumou outro discurso. Dizendo que está preocupado com os subsídios. Mas eles são os reis do subsídio."
Após o impeachment de Dilma, os governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) passaram a tentaram conter o rombo, diz o senador. "Havia atitude prática diante do problema. A intenção de reduzir para 2% do PIB em um horizonte de quatro a oito anos. Os interesses, agora, são outros", afirma.
Proposta pelo governo Bolsonaro, a Emenda Constitucional 109, aprovada em março de 2021, determinou a criação de um plano para reduzir pela metade o total de renúncias fiscais, então equivalentes a 4% do Produto Interno Bruto (PIB).
Porém, ao longo da tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC), o Congresso proibiu o corte de uma série de benefícios. E o governo, ao apresentar seu plano de redução de incentivos, entendeu que precisaria cortar apenas uma pequena parte dos subsídios "não blindados" pelo Congresso. Com isso, assumiu o compromisso de um corte equivalente a apenas 0,06% do PIB.
Senador aponta para risco aos fundos de pensão de estatais
Uma das preocupações é que fundos de pensão de estatais sejam usados para a compra dos títulos, com risco de prejuízo para os funcionários e aposentados dessas empresas.
"As pessoas ainda se lembram da operação Greenfield"?, indaga Marinho, em referência à operação da Polícia Federal que expôs fraudes e má gestão em fundos de pensão. "Será que os senadores lembram que aposentados do Postalis [fundo de pensão dos trabalhadores dos Correios] estão, até hoje, tendo suas pensões descontadas, todos os meses, porque o Fundo comprou ativos mais do que duvidosos?"
O senador afirma ser "uma piada" o governo dizer que deseja captar recursos “no mercado” enquanto aparelhou os fundos de pensão com sindicalistas. "É captar no mercado ou 'convidar' os sindicalistas na chefia desses fundos para 'investirem' em LCDs?", questiona.
Emendas tentam diminuir riscos associados à proposta do governo
A tentativa da oposição, segundo o senador, atualmente licenciado por conta das eleições municipais, será tentar retirar o projeto do regime de urgência. "Entendo que, idealmente, é necessário votar contra esse tipo de iniciativa. Mas, no mínimo, retirar a urgência do projeto e discutir impactos na previdência complementar, na dívida pública, no enfraquecimento da política monetária", diz.
Em paralelo, Marinho apresentou emendas ao projeto para minimizar os riscos e aumentar a transparência da iniciativa. Uma das mais importantes é a que suprime um artigo que altera uma reforma aprovada no governo do ex-presidente Michel Temer.
A reforma transformou a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) em Taxa de Longo Prazo (TLP), reduzindo os subsídios do Tesouro ao BNDES. Foi feita para garantir que os custos dos empréstimos estejam alinhados com as taxas de mercado.
O projeto do governo Lula propõe o uso de outras taxas, além da TLP. O que, segundo Marinho, abre caminho para o retorno de juros subsidiados que, no fim das contas, são bancados pelo contribuinte.
"Temos as mesmas práticas, com os mesmos personagens, que, se antes foram membros da equipe econômica, hoje encontraram no BNDES um lugar para fazer suas ideias florirem", diz Marinho.
As emendas propostas pelo senador também suprimem a possibilidade de o Conselho Monetário Nacional (CMN) aumentar o limite de emissão anual por instituição emissora e a aplicação das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC, os populares fundos de pensão) em LCDs para 5% dos recursos de renda fixa. "É para proteger os fundos de pensão contra a exposição excessiva", explica.
As EFPC deverão, segundo as alterações, submeter estimativas detalhadas de risco e retorno à Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) antes de adquirir LCDs, o que pode evitar fraudes, além de auditorias pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
"O país precisa saber se esse risco será afastado. Não queremos ver aposentados pagando a conta disso no futuro", diz o senador.
Além disso, ele diz ser necessária a avaliação dos benefícios pelo TCU, bem como a apresentação de demonstrativos do Tesouro Nacional sobre o impacto nas contas públicas.
Se aprovado na CAE, o projeto seguirá para o plenário do Senado e deverá ser votado até 10 de agosto.
Medida objetiva estimular investimentos no país, diz BNDES
Segundo o BNDES, a LCD faz parte das medidas institucionais do novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) para estimular os investimentos no país. "O objetivo é aumentar a capacidade do BNDES e demais bancos de desenvolvimento de financiar o investimento de longo prazo para o desenvolvimento sustentável com prazos e taxas adequados", destaca o banco.
A instituição financeira estimativa é que a LCD acrescente R$ 10 bilhões por ano em financiamentos ao desenvolvimento, contribuindo para reduzir a taxa de juros aos tomadores de crédito, sem criar qualquer subsídio. "Com isso, será possível, por exemplo, uma atuação mais atrativa para o fomento às micro, pequenas e médias empresas, gerando mais emprego e renda para o Brasil", destacou por meio de nota enviada à Gazeta do Povo.
A Gazeta do Povo entrou em contato com as assessorias dos Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), mas não obteve retorno.