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Política monetária

Lula declara guerra ao Banco Central. Quais as consequências para a economia do país

“Vou esperar esse cidadão terminar o mandato dele pra gente fazer uma avaliação do que significou o Banco Central independente”, disse Lula esta semana, referindo-se ao presidente do órgão, Roberto Campos Neto (Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil)

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As reiteradas críticas do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) à atuação do Banco Central (BC) podem gerar um efeito contrário ao que ele defende, segundo economistas. Ao atacar a taxa básica de juros, definida pela autoridade monetária, e questionar até mesmo a independência do órgão, a tendência é de que os juros nominais, praticados pelo mercado, acabem subindo ainda mais.

Ao prever uma interferência do Estado na condução da política monetária do BC, as instituições financeiras buscam se proteger de um cenário provável de maior pressão inflacionária. Os resultados são acesso mais limitado a crédito, menor consumo e índices mais baixos de crescimento da economia.

Na semana passada, críticas de Lula ao BC, à taxa de juros e às atuais metas de inflação feitas durante uma entrevista à RedeTV fizeram com que as taxas de contratos futuros de depósito interfinanceiro (DI) disparassem. O DI com vencimento em janeiro de 2025, por exemplo, avançou de 12,97% para 13,275% em um único pregão, na sexta-feira (3).

Na entrevista, Lula chegou a dizer que pretende reavaliar a autonomia do BC após encerrado o mandato de Roberto Campos Neto à frente da instituição, que ocorre ao fim de 2024. “Quero saber do que serviu a independência [do BC]. Eu vou esperar esse cidadão [Campos Neto] terminar o mandato dele pra gente fazer uma avaliação do que significou o Banco Central independente”.

As taxas de juros futuros acabaram recuando de volta aos patamares anteriores nesta quarta-feira (8) após o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmar que não existe qualquer discussão no Planalto para se alterar a legislação que garante a independência do BC ou as metas de inflação.

Na terça-feira (7), em uma palestra, Campos Neto defendeu a autonomia do órgão. “A principal razão da autonomia do Banco Central é desconectar a política monetária do ciclo político”, disse. “Quanto mais independente você é, mais eficaz você é, menos o país pagará em termos de custo de ineficiência da política monetária.”

Autonomia do BC é um dos legados de Bolsonaro e Guedes

A autonomia do BC foi formalizada por lei aprovada em fevereiro 2021 e é considerada uma das principais vitórias na área econômica obtidas no Congresso pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-ministro Paulo Guedes.

Com a lei, o BC deixou de ser vinculado ao Ministério da Economia (atual Ministério da Fazenda), passando a ser classificado como autarquia de natureza especial, caracterizada pela “ausência de vinculação a ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica”.

Além disso, o texto estabeleceu mandatos de quatro anos para o presidente e os oito diretores do BC em períodos não coincidentes com os da gestão do presidente da República. Embora ainda sejam indicados pelo chefe do Executivo, os nomes também passam agora por aprovação do Senado.

À época da discussão da lei, o PT já se opunha à medida. Após a aprovação, o partido chegou a impetrar, junto com o PSOL, uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a legitimidade da norma.

As legendas argumentavam que a autonomia do BC “retira a autoridade do governo eleito sobre um instrumento central de definição da política econômica e interfere na coordenação da implantação dessa política, reduzindo sua eficácia, ao diluir a responsabilidade sobre os seus resultados”. A ADI acabou rejeitada pelo Supremo pelo placar de 8 a 2.

Declarações de Lula pressionam mercado e resultado pode ser juros ainda mais altos

O economista Bruno Mori, sócio fundador da consultoria Sarfin, explica que a definição de um patamar elevado da taxa básica de juros é o principal remédio para conter a inflação de preços ao consumidor. “A principal função do BC é prezar pela moeda, o que quer dizer que ele tem que defender o valor de compra dela, ou, em outras palavras, trazer a inflação para a meta preestabelecida. Ele está menos sujeito a interferências políticas quando ele tem essa autonomia legal”, diz

A independência do órgão em relação ao governo foi o que garantiu que a volatilidade dos ativos financeiros tenha sido menor em 2022 do que em outros processos de eleição para presidente, afirma o economista.

O mercado estima que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2023 deve ficar em 5,78%, segundo a edição de segunda-feira (6) do Boletim Focus, que todas as semanas consolida projeções de analistas do mercado. A meta de inflação estabelecida para o ano é de 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto porcentual para mais ou para menos – ou seja, uma faixa entre 1,75% e 4,75%.

No dia 1º de fevereiro, após manter a Selic em 13,75%, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC deu a entender que pode sustentá-los nesse nível por um bom tempo – talvez até o fim do ano, na interpretação de parte do mercado.

Para o presidente, a meta de inflação deveria ser mais alta, o que permitiria ao BC manter uma taxa de juros menor. “Por que não fazia 4,5%, como nós fizemos? O que precisamos nesse instante é saber o seguinte: a economia brasileira precisa voltar a crescer. E nós precisamos fazer distribuição de renda, nós precisamos fazer mais políticas sociais”, disse Lula em entrevista à Globonews em janeiro.

“A consequência de ele falar sobre tolerar a inflação mais alta é juros ainda mais altos”, diz Mori.

“O fato de os juros estarem altos no Brasil não tem correlação com a autonomia do Banco Central, muito pelo contrário”, diz Raphael Vieira, co-head de investimentos na Arton Advisors. “Um BC independente acaba se desvirtuando do cenário político e olha efetivamente, dentro da economia, aquilo que beneficia ou prejudica a expectativa e a ancoragem da inflação”, afirma.

Ele lembra que Campos Neto foi muito elogiado por sua atuação na retoma econômica pós-pandemia, por ter se antecipado aos choques de preços e iniciado o ciclo de alta de juros muito antes de outros países, inclusive economias desenvolvidas.

“Acho que essa discussão é muito mais um balão de ensaio do governo para obviamente não atacar o ponto principal, que é a contenção dos gastos públicos e efetivamente olhar de uma forma mais diligente para o controle inflacionário do país”, opina.

Para Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, Lula parece estar focado “em desfazer o legado dos dois últimos mandatos”, “em um sinal de que o pragmatismo não vingou e o revanchismo deve guiar as decisões daqui em diante, independente se tal herança foi positiva ou não”.

“Desse modo, ainda que estivesse 14 anos no poder, [somando os períodos dos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff,] o atual presidente parece não compreender que juros não são causa, são consequência e que, portanto, o governo fazer a ‘lição de casa’, ‘a sua parte’ na economia, é literalmente a melhor forma de dar espaço para que o Banco Central corte os juros de maneira livre e desimpedida”, escreveu o economista em relatório para investidores.

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