O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva revela preocupação com a ausência de liderança hoje no mundo. "(Barack) Obama (presidente dos EUA) pensa nos americanos, (Angela) Merkel (chanceler alemã) nos alemães, cada um no seu mandato. O mundo não está pensando de forma globalizada", advertiu o petista, em entrevista exclusiva, concedida nesta semana, à documentarista portuguesa Graça Castanheira e reproduzida nesta quinta-feira (24) no site do jornal português O Público.
Na entrevista, o ex-presidente diz que tem muito a agradecer a Deus por ter vivido oito anos de um mandato de muita intensidade. "Fizemos coisas extraordinárias, mais de 20 milhões saíram da miséria e 40 milhões passaram à classe média." E argumentou que a presidente Dilma Rousseff, sua sucessora e afilhada política, tem condições de fazer muito mais e melhor. E que se sente gratificado em ter feito uma sucessora mulher, que tem tantos ou mais compromissos do que ele e pode "dar oito anos mais ao Brasil".
Na avaliação do ex-presidente, como a esquerda está fragilizada no mundo, há um ganho em ter mais mulheres na política. E citou que Dilma está fazendo diferença no comando do país. "Governar o país é agir como se fosse uma mãe, e a mãe é o ser mais justo, tem muito mais sensibilidade política, uma leveza na compreensão das coisas e consegue enxergar coisas que o homem não consegue". Mesmo assim, revela que aconselhou Dilma a "cuidar dos pobres" e a estabelecer prioridades.
Segundo Lula, "o pobre do povo grego" está pagando para bancos franceses e alemães e que a Europa não pode destruir a União Europeia. O ex-presidente destacou o fato de os países europeus terem ficado muito na dependência da Alemanha, que teve importância nessa unificação, "mas também foi a grande ganhadora desse mercado porque 70% de suas exportações são para a Europa". Na sua avaliação, a crise da Grécia poderia ter sido resolvida há um ano "com poucos bilhões". E frisou: "Eu gosto de fazer política. Temos de trabalhar para interferir na política mundial."
Apesar de estar se recuperando do tratamento de combate a um câncer na laringe, Lula diz que não consegue descansar mais do que três dias seguidos: "Faz parte da minha genética, sempre fui habituado a trabalhar." E falou do seu compromisso moral com o continente africano. "Não é possível que o século XXI não seja o século do continente africano e da América Latina."
Barba
Na entrevista, acompanhada pelo diário português O Público, Lula falou também sobre o tratamento de combate ao câncer, revelando que em 66 anos nunca tinha ido ao hospital, a não ser para operar uma apendicite. E lamentou que sua barba - que já tinha 30 e poucos anos e pela qual tinha muito carinho - não vai mais nascer do jeito que era. "Mas sairei dessa experiência mais compreensivo, mais disposto a dar do que receber."