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Lula diz que Brasil tem estabilidade de sobra para o investidor. Os fatos mostram o oposto

Lula diz que Brasil tem estabilidade de sobra para o investidor. Os fatos mostram o oposto
Pesquisa revela novos indies elevados de reprovação em setores do governo Lula. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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No auge de uma crise política e de incertezas sobre o futuro do ministro Fernando Haddad à frente da Fazenda, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que o Brasil tem "estabilidade de sobra" para atrair investimentos.

"O Brasil merece ser digno da confiança. Sempre digo que a coisa mais importante para o investidor é a estabilidade. E isso o Brasil tem de sobra para oferecer", assegurou, na quarta-feira (12), a uma plateia de empresários brasileiros e árabes presentes no FII Priority Summit, encontro organizado pelo principal fundo da Arábia Saudita, no Rio de Janeiro.

Logo após o discurso, em que Lula também enfatizou o foco do governo no aumento da arrecadação e não fez menção a corte de gastos, o dólar alcançaria sua maior cotação do ano, de R$ 5,42. O Ibovespa – principal termômetro da B3, a Bolsa brasileira – fecharia o dia em queda, abaixo dos 120 mil pontos.

O episódio ilustra um dos aspectos que desmentem a afirmação do presidente sobre a tal estabilidade para investir no Brasil. Mas não é o único.

Empresários e investidores, unânimes em eleger a segurança jurídica como premissa básica das decisões de investimentos, reclamam frequentemente de atitudes do governo ou dos tribunais do país em evidente desrespeito à Constituição e disposições legais.

A taxa de investimento – que mede quanto dinheiro é destinado a máquinas, equipamentos e construção – é baixa. Correspondeu a apenas 16,9% do PIB no acumulado de 12 meses até março, pouco acima da observada entre 2016 e 2019, quando oscilou entre 14% e 16% do PIB, os níveis mais baixos desde o início do século.

Desde que assumiu, o governo tem demonstrado forte viés intervencionista, tentando influenciar o rumo de empresas privadas, postura que afasta o capital privado. Usualmente recorre a um Judiciário aliado, que tem se destacado por aumentar a insegurança jurídica, sobretudo em questões tributárias.

Ministros de Lula costumam pregar a revisão ou revogação de reformas relevantes dos últimos anos e buscam privilegiar sindicatos ao regular setores econômicos. A reversão de privatizações aprovadas pelo Congresso em gestões anteriores é expressão corrente nos discurso do presidente e seus aliados – como a deputada Gleisi Hoffmann, que comanda o PT.

Governo e aliados atacam a autonomia do Banco Central e interditam mesmo os mais tímidos debates sobre contenção de gastos. Empresários são surpreendidos com a vigência imediata de medidas arrecadatórias que drenam o caixa das empresas.

Confira a seguir algumas das atitudes que ilustram a instabilidade econômica do país.

Revisão da reforma trabalhista

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, falou diversas vezes em reverter pontos da reforma trabalhista, aprovada em 2017, no governo Michel Temer (MDB). A reforma buscou privilegiar as negociações diretas entre empregadores e funcionários e inibir uma indústria de ações trabalhistas que sobrecarregava empresas e Poder Judiciário. O governo petista, em sentido oposto, tenta reforçar as amarras do Estado sobre as relações de trabalho e restabelecer o financiamento compulsório dos sindicatos pelos trabalhadores.

Revisão da reforma da Previdência

Desde o primeiro ano do governo Lula, enquanto a equipe econômica do governo tentava aprovar meios de incrementar a arrecadação para zerar o déficit das contas públicas, o ministro Carlos Lupi, da Previdência, acenava com a possibilidade de enviar ao Congresso uma proposta de revisão de regras da reforma previdenciária.

Lupi, que ao assumir o cargo criticou a reforma pelo que chamou de "absurdos", voltou à carga, mais tarde pedindo "sensibilidade" ao Congresso para discutir uma eventual revisão da reforma no início de 2024. Um dos pontos criticados foi a pensão por morte: ele defende um aumento no valor do benefício.

Em sentido aposto, especialistas defendem uma nova reforma para conter a explosão do déficit em função de medidas populistas do governo, como a correção de benefícios acima da inflação.

Medida Provisória 1.202

No apagar das luzes de 2023, o governo editou, em edição especial do Diário Oficial da União (DOU), a Medida Provisória 1202, prevendo o fim da desoneração da folha de pagamento de 17 setores intensivos em mão de obra. A prorrogação da desoneração havia sido aprovada pelo Congresso em novembro. Lula vetou a iniciativa e os parlamentares derrubaram o veto.

Com a edição da MP, o fim da desoneração seria imediata, mas o governo estipulou o prazo de 90 dias para que as empresas se programassem para pagar os novos valores. Houve um acordo com o Legislativo, mas o governo recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde o ministro Cristiano Zanin concedeu liminar obrigando os parlamentares a encontrar uma forma de compensação à renúncia de receita.

Medida Provisória 1.227

Para resolver o impasse gerado com a MP 1202, o governo editou outra medida para compensar a desoneração da folha dos setores. A MP limitou o abatimento dos créditos de PIS/Cofins pelas empresas. A reação dos setores produtivos e do Legislativo foi estrondosa e a MP foi devolvida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, gerando uma crise que desgastou o ministro Fernando Haddad, da Fazenda.

O imbróglio ainda persiste. Governo e Congresso têm pouco mais de 40 dias para achar uma solução consiga somar ao Orçamento da União os R$ 26 bilhões referentes à desoneração.

Quebra da "coisa julgada" pelo STF

Em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal mudou sentenças transitadas em julgado sobre o recolhimento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

As empresas não vinham recolhendo a CSLL por terem decisão judicial definitiva a seu favor. Com a quebra da chamada “coisa julgada”, o STF obrigou as empresas a recolherem o tributo retroativamente desde 2007.

Revisão da privatização da Eletrobras

Desde a campanha presidencial, Lula prometeu rever o processo de privatização, defendendo uma retomada do protagonismo que as estatais tiveram nos governos do PT. A Eletrobras deixou de ser controlada pela União em junho de 2022, no governo de Jair Bolsonaro (PL).

A empresa, responsável por 23% da capacidade de geração de energia do país, deixou de ter controle estatal após um histórico de prejuízos, ineficiência e episódios de corrupção nos governos petistas anteriores.

Em maio de 2023, a Advocacia Geral da União (AGU) protocolou uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar pontos da privatização da Eletrobras. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), também assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pedia a suspensão da regra que determina que qualquer acionista da empresa tenha no máximo 10% do poder de voto nas assembleias. A União possui 42,6% das ações.

Nesta quinta-feira (13) a deputada e presidente do PT, Gleisi Hoffmann, declarou apoio à greve dos empregados da Eletrobras e disse que a empresa tem de voltar a "ser do povo". A greve, que começou na segunda-feira (10) em protesto contra a proposta de readequação dos salários feita pela empresa, tem adesão de 80% dos trabalhadores.

Interferência na Vale

Lula buscou insistentemente alternativas para aumentar seu poder de influência na segunda maior empresa do país. Após tentativa fracassada de emplacar o ex-ministro da fazenda Guido Mantega (PT) na presidência da companhia, sob denúncias de pressões por meio do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, o conselho de administração da mineradora decidiu prorrogar o mandato do atual CEO, Eduardo Bartolomeo, que se encerraria em maio, para 31 de dezembro.

Discreto e pouco atento a interlocuções políticas, Bartolomeo nunca contou com simpatia do Planalto. Uma consultoria foi contratada para auxiliar o conselho da Vale na escolha do próximo presidente.

Lula já explicitou sua convicção de que as empresas devem seguir a orientação do governo em suas decisões. O mandatário afirmou, em maio deste ano, que a Vale, privatizada há 30 anos, "não é dona do Brasil" e que, assim como todas as empresas brasileiras, deve estar alinhada com o pensamento de desenvolvimento do governo.

"A Vale não pode pensar que ela é dona do Brasil, não pode pensar que ela pode mais do que o Brasil. Então o que nós queremos é o seguinte: empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro. É isso que nós queremos", afirmou.

Ministros e aliados de Lula em empresas privadas

Além de tentar emplacar o presidente da Vale, o governo Lula indicou ministros e aliados para conselhos de administração de empresas privadas. Fez isso por meio do BNDES, que é sócio de muitas empresas.

Em um dos casos, o banco de fomento violou suas próprias normas ao indicar Carlos Lupi, ministro da Previdência, para o conselho da metalúrgica Tupy. A política do banco veda a indicação de dirigentes partidários, mesmo licenciados.

Os conselhos são alvo constante de aparelhamento e indicações políticas, em especial nas gestões petistas. A indicação funciona normalmente como bônus para complementação de salários de ministros e aliados.

Com o BNDES sob o comando de Aloizio Mercadante, as diretrizes de indicações se alinham à estratégia do governo de ter maior influência e poder de decisão nas empresas, ampliando o papel do banco e do Estado na economia.

Interferência no Banco Central

Lula e aliados iniciaram a gestão tecendo críticas à atuação da autoridade monetária, em especial a manutenção da taxa de juros (Selic), então fixada em 13,75%.

O presidente chegou classificar o patamar dos juros como uma "vergonha", chamou a autonomia do BC de "bobagem" e sinalizou que pode rever a independência da instituição após o fim do mandato do atual presidente, Roberto Campos Neto, em 31 de dezembro.

Apesar dos ataques frequentes, Campos Neto defendeu a autonomia técnica para manter a inflação dentro da meta, e o BC iniciou a queda dos juros somente em setembro de 2023.

A partir de então houve quedas sucessivas de 0,5 ponto percentual na taxa, mas o ritmo de cortes foi reduzido na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em função da piora fiscal, da tendência de aumento da inflação e das incertezas externas. Novas críticas vieram, especialmente por parte de Gleisi Hoffmann.

O mercado teme a volta da maior interferência do governo no BC com o sucessor de Campos Neto, que será indicado por Lula. O atual diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, é o mais cotado para o cargo.

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