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Troca de comando

Lula quer resgatar velha Petrobras para tocar projetos de interesse do governo

Lula quer resgatar "velha Petrobras" para tocar projetos de interesse do governo
Lula veste uniforme da Petrobras em cerimônia de retomada das obras na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco: presidente quer resgatar estatal "desenvolvimentista" para tocar projetos que o governo considera estruturantes. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Magda Chambriard, indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tornou-se a nova presidente da Petrobras, consumando a oitava troca na presidência da estatal nos últimos oito anos. A mudança foi concretizada nesta sexta-feira (24), com a eleição da engenheira pelo conselho de administração da estatal.

A nomeação de Chambriard – que assume o lugar do demitido Jean Paul Prates – busca tornar realidade um antigo desejo do PT para a maior empresa, arrecadadora de impostos, investidora e geradora de dividendos do país. A ideia de Lula é resgatar a “velha Petrobras”, aquela dos primeiros governos petistas, menos preocupada com eficiência e lucratividade e mais “nacionalista” e “desenvolvimentista” – e que acumulou perdas bilionárias com preços abaixo de mercado, investimentos antieconômicos e escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato.

O presidente vinha cobrando essa postura da estatal desde o início do governo. "A Petrobras, que no nosso tempo era uma empresa de desenvolvimento do nosso país, agora é uma empresa exportadora de óleo cru. Não foi para isso que nós descobrimos o pré-sal", disse Lula em março de 2023.

A gestão de Prates, que é filiado ao PT, já caminhava na direção desejada pelo Planalto, mas a cúpula do governo deixou claro que quer acelerar o passo. E que não quer ser contrariada. Não foram poucos os episódios em que o ex-presidente da empresa trocou farpas públicas com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que teve papel decisivo na demissão.

A estratégia de uma "estatal indutora do desenvolvimento" caminha em paralelo com projetos como o Nova Indústria Brasil, que retoma ideias como subsídios e metas de conteúdo local.

Lula também já relevou o desejo de que as empresas privadas trabalhem conforme o pensamento dele: "O que nós queremos é o seguinte: empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro", disse o presidente em fevereiro.

Hugo Garbe, professor do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, destaca um certo déjà vu na troca de presidência da estatal, expressando preocupação com a possibilidade de novos episódios de corrupção.

Segundo o CEO do Instituto Millenium, Wagner Lenhart, já se teve a oportunidade de observar uma Petrobras mais nacionalista, intervencionista e refém do Planalto.

“No passado, essa doutrina nacionalista-intervencionista trouxe custos altos, desempenho operacional ruim, aquisições a preços elevados e retornos baixos, subsídios aos preços dos combustíveis e o título de empresa mais endividada do mundo ao final de 2014, após quatro anos seguidos de preços de petróleo acima de US$ 100 por barril. Sem falar dos escândalos de corrupção noticiados pela mídia”, destaca.

Lula quer que Petrobras seja indutora do crescimento nacional

Lula deseja que a Petrobras impulsione o crescimento nacional com projetos de viabilidade discutível. Nas gestões anteriores do PT, grandes quantias foram dilapidadas e, somadas aos escândalos de corrupção, contribuíram para prejuízos recordes em 2014 e 2015, totalizando R$ 66,3 bilhões em perdas.

Tornar a Petrobras uma indutora do crescimento nacional só seria possível em um cenário em que a economia fosse bem menor do que ela é, apontam analistas ouvidos pela Gazeta do Povo.

“Mas o Brasil tem uma economia complexa. Crescimento econômico é gerado principalmente por investimentos em educação e os ganhos de produtividade causados por inovações e a alocação eficiente de capital”, diz Lenhart.

O Palácio do Planalto quer avançar em projetos considerados “estruturantes”, como a refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, inicialmente orçada em US$ 2,3 bilhões e ainda não concluída após consumir mais de US$ 18 bilhões.

A empresa anunciou em janeiro, com direito a cerimônia festiva na presença de Lula, a retomada nas obras da refinaria. A ideia é elevar a capacidade de refino, hoje em 100 mil barris diários, para 230 mil barris por dia, com desembolso estimado entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões.

Outro projeto considerado estruturante pelo governo é o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), inicialmente orçado em US$ 6,1 bilhões, mas que consumiu US$ 13,5 bilhões até 2014, um ano antes de o projeto ser interrompido. O Comperj também foi alvo de denúncias de corrupção e considerado antieconômico no governo Michel Temer (MDB).

Segundo o jornal “Valor”, Chambriard reuniu-se com o ministro Silveira, na semana passada. Na pauta, estavam investimentos na ampliação de fábricas de fertilizantes. Uma das ações de curto prazo é a reativação da fábrica de fertilizantes de Araucária (PR), além das unidades da Bahia e Sergipe, atualmente com a Unigel, e a conclusão da planta de Mato Grosso do Sul, cujas obras foram paralisadas em 2015, com 80% de avanço.

Luiz Carvalho, head de análise de óleo e gás do banco suíço UBS, ressaltou em live realizada pelo portal especializado EPBR que a produção de fertilizantes é mais uma questão de vontade política do que de competitividade do país no segmento. O objetivo seria aproveitar a grande demanda existente no Brasil, um dos maiores produtores mundiais de alimentos e grande importador de fertilizantes.

Os fertilizantes e o refino, ao lado do gás, serão três das principais obrigações que Chambriard terá à frente da Petrobras, disse Silveira em entrevista ao jornal "O Globo". “Ninguém em sã consciência aceitaria um desafio conhecendo a visão do governo, inclusive a do ministro de Minas, se tivesse visão diferente", afirmou o ministro. "Ela tem outras obrigações com o investidor e com o Brasil: gás, fertilizantes e refino."

O governo também tem interesse em que a Petrobras faça encomendas à indústria naval brasileira para reativá-la. O “Valor” informa que Lula e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, já alinharam o discurso. O BNDES planeja desembolsar R$ 5 bilhões este ano para os estaleiros, com recursos do Fundo de Marinha Mercante.

Carvalho lembra que experiências passadas com contratações locais não foram bem-sucedidas na Petrobras e podem ser contraproducentes na atual conjuntura. Segundo ele, tais contratações só fariam sentido se a exploração de petróleo estivesse em crescimento acentuado. “É preciso entender que o Brasil não será competitivo do parafuso ao casco do navio.”

O CEO do Instituto Millenium complementa dizendo que a imposição de índices de conteúdo local implica na concessão de poder de monopólio para fabricantes locais, em prejuízo da Petrobras – que assim fica obrigada a adquirir, no Brasil, navios a preços muito mais altos do que no exterior, como na China, Coreia do Sul e Japão, e com defasagem tecnológica.

Petrobras é mais eficiente na extração de petróleo

Segundo Bruno Corano, da Corano Capital, a Petrobras tem como essência a extração de petróleo. “Ela nunca demostrou eficiência nas tentativas de refinação, ou seja, gerir a refinaria, quanto em qualquer outra frente. Todas as vezes que a empresa saiu dessa essência dela, isso gerou perdas e não rendeu”, diz.

O professor do Mackenzie diz que o investimento em projetos questionáveis pode comprometer a empresa no longo prazo. Haveria uma demanda de tempo, dinheiro e energia com outras frentes, em meio a um cenário de queda nos lucros da empresa. No primeiro trimestre de 2024, o resultado líquido foi de R$ 23,7 bilhões, 37,9% abaixo do registrado no mesmo período do ano passado.

Corano destaca que, para melhorar a performance financeira, a empresa precisa repassar a flutuação do preço do petróleo que ela vem retendo. Levantamento feito na quarta-feira pela Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) aponta que a defasagem no preço da gasolina em relação à cotação internacional é de 5% e a do diesel, de 3%.

“De qualquer forma, o preço do petróleo caiu, comparada aos últimos anos e ao período de pós-pandemia. O preço arrefeceu. Mas a Petrobras é ainda é mais prejudicada porque existe uma contenção de repasse, por interesses políticos, para não pressionar a inflação”, diz o analista.

Chambriard vai assumir a Petrobras em momento desafiador

Segundo a XP Investimentos, a executiva assume o cargo em um “contexto desafiador com significativas pressões externas”, mas encontrará a empresa em uma posição financeira robusta, com forte geração de caixa, balanço patrimonial desalavancado e um sólido portfólio de investimentos.

Corano aponta que o principal desafio de Chambriard ao assumir o comando da Petrobras será conciliar os interesses da empresa – mercado e acionistas – com as políticas do atual governo.

As principais pressões externas originam-se do conturbado cenário geopolítico internacional, com a guerra entre Rússia e Ucrânia, o conflito armado entre Israel e o grupo terrorista Hamas e as tensões no Leste da Ásia entre China e Taiwan. O preço do barril de petróleo tem mostrado volatilidade, oscilando entre US$ 70 e US$ 100 desde o início do ano.

A inflação na cadeia de suprimentos do setor de óleo e gás também preocupa. Sérgio Leite, ex-diretor financeiro da Petrobras, relatou em uma teleconferência sobre os resultados do primeiro trimestre, realizada no dia 14, que a cadeia está sob intensa pressão, enfrentando dificuldades para acompanhar a demanda das empresas, além de problemas de liquidez e estrutura de financiamento. Naquele mesmo dia, Leite foi demitido, junto com Prates.

Chambriard enfrentará desafios cruciais, como a contratação de plataformas previstas para operação nos próximos anos e questões de licenciamento ambiental. Licitações para o afretamento de plataformas fracassaram, e a construção de unidades próprias está em análise pela empresa, considerando a alta taxa de conteúdo local exigida.

Problemas relacionados ao licenciamento ambiental podem afetar negativamente a produção brasileira deste ano, com a Petrobras estimando um impacto de até 2%. A produção média prevista para este ano é de 2,8 milhões de barris de petróleo por dia. Servidores do Ibama estão em operação padrão desde janeiro, o que tem atrasado o calendário de perfuração de poços de desenvolvimento e campanhas de levantamento sísmicos.

A nova CEO também terá o desafio de expandir as áreas de exploração de petróleo e gás, incluindo a Margem Equatorial. Sem novas frentes de extração, a produção brasileira pode sofrer redução a partir de 2028. Chambriard questiona as ações da Funai e do Ibama quanto ao licenciamento inicial para poços na foz do Rio Amazonas.

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