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Política econômica

Lula x Haddad: oito vezes em que ministro da Fazenda foi desautorizado pelo presidente

O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad
Lula e Haddad: iniciativas da equipe econômica são barradas pelo Planalto. (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

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Além de enfrentar a resistência do Congresso Nacional a seus projetos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vez ou outra tem se deparado com outro importante opositor a algumas de suas iniciativas: seu próprio chefe, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

Desde que assumiu a condução da política econômica do país, o ministro já teve de recuar pelo menos oito vezes após ter sido desautorizado pelo chefe do Executivo. Na divergência mais recente, Lula fez a Fazenda abandonar a ideia, em estudo até então, de desvincular aposentadorias e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo.

Para além desse desalinhamento, analistas econômicos atribuem ainda a falas de Lula contra o Banco Central (BC) e seu presidente, Roberto Campos Neto, a incerteza sobre a condução da política fiscal, o que contribui para a instabilidade do dólar e do mercado de ações, dificultando ainda mais o trabalho de Haddad.

Apesar disso, e depois de já ter cobrado publicamente que o ministro “em vez de ler um livro, deve perder algumas horas conversando no Senado e na Câmara”, o chefe do Executivo diz confiar no trabalho de seu subordinado.

“É importante que a gente tenha liberdade de dizer para o outro, isso pode, isso não pode, isso eu concordo, isso eu não concordo. Sabe? Isso é saudável. Agora o Haddad é um companheiro que tem 100% da minha confiança”, disse o mandatário em entrevista recente. 

Relembre oito episódios em que Haddad foi desautorizado por Lula: 

Desvinculação de benefícios do salário mínimo 

A ideia de desvincular o piso das aposentadorias e a parcela do BPC do salário mínimo veio à público por meio da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, mas contaria com o apoio de Haddad e sua equipe. O objetivo por trás da iniciativa seria conter o crescimento dos gastos com os benefícios, impulsionado com a política de ganho real do mínimo que foi retomada no atual mandato de Lula.

Pela nova regra, aprovada no ano passado, todo mês de janeiro o salário mínimo recebe, além do repasse da inflação do ano anterior, um reajuste real equivalente ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. O problema é que cada R$ 1 adicional de aumento no salário mínimo eleva as despesas da União em R$ 389 milhões, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024.

Haddad já havia sido derrotado na discussão sobre a política de valorização do mínimo no ano passado. Ele queria que o reajuste anual considerasse o PIB per capita como referência, uma vez que a variável geraria um impacto fiscal menor que o da variação geral do PIB.

Mas a ideia da desvinculação, que vinha sendo analisada pela equipe econômica, foi descartada de forma contundente por Lula. “Se eu acho que vou resolver a economia brasileira apertando o mínimo do mínimo, eu estou desgraçado, eu não vou pro céu, eu ficaria no purgatório”, disse o presidente em 26 de junho ao UOL.

Inclusão de carnes na cesta básica na reforma tributária 

Na discussão do projeto que regulamenta a reforma tributária, o Ministério da Fazenda bateu pé contra a inclusão de carnes na cesta básica, cujos itens serão isentos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – tributos que substituirão os atuais PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS. 

Mesmo com a pressão de entidades setoriais e da bancada do agronegócio, deputados que trabalharam em um substitutivo à proposta do governo foram convencidos por Haddad a manter as proteínas animais fora da lista de produtos com alíquota zero. 

A justificativa era que a desoneração levaria a um aumento da tributação modal, que pesará sobre todos os demais bens e serviços. No relatório elaborado pelos parlamentares, as carnes haviam sido mantidas em uma relação de itens com desconto de 60% nos impostos.

Dias antes da votação do projeto, no entanto, Lula, desautorizando Haddad, defendeu a inclusão de ao menos alguns tipos de carnes na cesta básica.

“Você tem vários tipos de carne: tem carne chique, de primeiríssima qualidade, que quem consome ela pode pagar um impostozinho. Agora, você tem outro tipo de carne que é a carne que o povo consome. Eu não entro em detalhe, porque tem muita gente importante trabalhando nisso, mas eu acho que a gente precisa colocar a carne na cesta básica, sim”, disse o chefe do Executivo à rádio Princesa FM, de Feira de Santana (BA).

Em uma reviravolta no dia da votação da proposta na Câmara, o relator, Reginaldo Lopes (PT-MG), que descartara a isenção para as proteínas animais em seu parecer, acabou apoiando uma emenda de plenário proposta pelo deputado de oposição Rodolfo Nogueira (PL-MS) que incluiu não só carnes, mas também peixes, queijos e sal no benefício.

Mais cedo, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), havia dito à CNN Brasil que Lula lhe telefonara orientando que votasse a favor da emenda, em detrimento da posição de seu próprio ministro da Fazenda.

No dia seguinte, em uma demonstração de subordinação à cadeia de comando, Haddad ainda apareceu em um vídeo atribuindo ao presidente a responsabilidade pela medida. “O presidente Lula também teve a sua vitória ontem, muito importante”, disse. 

“O presidente Lula tinha feito uma manifestação pública que a carne tinha que estar na cesta básica, porque, afinal de contas, o acesso à proteína animal tem que ser garantido a todos os brasileiros”, prosseguiu o ministro. “Nós conseguimos vencer a oposição e colocamos a carne na cesta básica”, disse, sem mencionar que era contra a medida.

“Taxa das blusinhas”

A ideia de Haddad de taxar compras internacionais em plataformas de e-commerce como Shopee, Shein e AliExpress também foi desaprovada por Lula, mas nesse caso o ministro da Fazenda conseguiu fazer valer sua vontade.

Ainda em abril de 2023 o Ministério da Fazenda anunciou que acabaria com a isenção do imposto de importação sobre remessas internacionais de até US$ 50 entre pessoas físicas. A proposta veio a público em uma entrevista concedida pelo secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, e logo gerou uma onda de críticas ao governo, notadamente em redes sociais. 

O desgaste veio até mesmo dentro do próprio PT. Integrantes da sigla consideravam que a medida, se levada adiante, afetaria diretamente a popularidade do partido e do governo. Após toda a repercussão negativa, Lula desautorizou Haddad de levar a ideia a cabo.

Os planos foram revistos e, meses depois, a Receita Federal anunciou a criação do programa Remessa Conforme, por meio do qual empresas que comercializam produtos importados poderiam manter a isenção para encomendas de até US$ 50 – acima disso, no entanto, as compras passaram a ser taxadas na fonte, com a alíquota de 60%.

Além disso, todas as compras passaram a recolher ICMS, tributo estadual, também na origem, acabando com a possibilidade de remessas passarem pela alfândega sem tributação. 

O ministro não se deu por vencido e insistiu na necessidade de tributar mesmo as compras de valor inferior a US$ 50. Recentemente, no fim de junho, conseguiu fazer a medida ser aprovada no Congresso em uma espécie de “jabuti” na lei que instituiu o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover).

Lula acabou sancionando o texto com o dispositivo em razão de acordo entre partidos, porém a contragosto. Mesmo após a Câmara dos Deputados ter aprovado o projeto de forma terminativa, enquanto a proposição aguardava sua sanção, ele criticou a tributação apoiada por Haddad.

“Nós temos um setor da sociedade brasileira que pode viajar uma vez por mês para o exterior e pode comprar até US$ 2 mil sem pagar imposto. Pode chegar no free shop e comprar US$ 1 mil, e pode comprar US$ 1 mil no país, e não paga imposto”, disse o presidente ao UOL em 26 de junho. 

“Agora, quando chega a minha filha, a minha esposa, que vai comprar US$ 50, eu vou taxar US$ 50? Não é irracional? Não é uma coisa contraditória?”, questionou.

“MP do Fim do Mundo” 

O episódio da derrubada da medida provisória (MP) 1.227 foi provavelmente o que mais constrangeu Haddad publicamente em todo o período em que está à frente da Fazenda. Apelidada de “MP do Fim do Mundo”, o ato do Executivo, editado em 4 de junho, restringia o uso de créditos de PIS e Cofins por empresas. O objetivo era compensar o impacto da desoneração da folha de pagamento de 17 setores e de municípios de até 156 mil habitantes limitando as deduções a que empresas teriam direito.

Lançada sem debate prévio com os setores atingidos ou com o Congresso Nacional, a iniciativa foi duramente criticada por empresários e parlamentares da oposição. No dia 10, o presidente Lula deu 48 horas para que Haddad, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e líderes do governo no Congresso negociassem um acordo sobre a MP.

Haddad trataria do assunto no dia seguinte com representantes das confederações nacionais da Indústria (CNI) e da Agricultura (CNA), mas o plano acabou frustrado por interferência do ministro da Casa Civil, Rui Costa, segundo relatos de fontes do governo a diferentes veículos de imprensa. 

Costa teria intermediado um encontro do presidente da CNI, Ricardo Alban, com Lula no Palácio do Planalto horas antes da reunião do ministro da Fazenda. Ao sair do encontro, Alban concedeu entrevista dizendo ter ouvido do presidente que a MP seria revogada.

“As palavras do presidente da República foram de que estaria sendo retirada ou devolvida, dentro de uma negociação”, disse o empresário, para surpresa de Haddad, que soube da decisão pela imprensa. 

Mais tarde, ao receber os representantes da CNI e da CNA, o titular da equipe econômica não escondia a irritação, conforme relataram participantes do encontro à revista "Veja". “Pensei que vocês nem viriam. Se o presidente já resolveu, o que eu tenho que falar?”, teria esbravejado Haddad.

Cumprimento da meta fiscal (1)

Outra passagem que causou grande embaraço a Haddad ocorreu em outubro do ano passado. Fazia menos de dois meses que Lula sancionara a lei do arcabouço fiscal, e o ministro atuava para garantir o cumprimento das metas de resultado primário estabelecidas no texto. O Congresso discutia propostas da Fazenda de taxar offshores e fundos exclusivos, que dariam mais segurança a investidores em relação à viabilidade da nova regra fiscal.

Desde a apresentação do novo arcabouço, no entanto, Haddad era alvo de “fogo amigo” de membros da chamada ala política do governo, que consideravam o objetivo de zerar o déficit em 2024 inexequível e pediam que os números fossem revistos. Entre os defensores da tese estavam os ministros Rui Costa (Casa Civil), Esther Dweck (Gestão e Inovação) e Simone Tebet (Planejamento), além dos deputados Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann, presidente do PT.

O ministro resistiu às investidas, e a proposta de orçamento para 2024, apresentada em 31 de agosto, veio com a previsão de resultado primário neutro, tranquilizando o mercado. Mas, no dia 26 de outubro, durante um café da manhã com jornalistas, o presidente fez pouco caso da meta, dizendo que “dificilmente” o objetivo de zerar o déficit seria alcançado, e ainda criticou o mercado por cobrá-lo.

“Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo um corte de bilhões nas obras que são prioritárias nesse país”, disse. “Eu acho que muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida”, prosseguiu o presidente. 

“Quero dizer para vocês que nós dificilmente chegaremos à meta zero, até porque eu não quero fazer cortes em investimentos de obras. E se o Brasil tiver um déficit de 0,5%, o que é? De 0,25%, o que é? Nada. Praticamente nada”, afirmou ainda. 

As declarações caíram como uma bomba no mercado financeiro por sinalizarem um descompromisso do governo com a responsabilidade fiscal. A cotação do dólar, que durante a manhã estava em R$ 4,94, fechou o dia em alta de 0,58%, a R$ 5,02, enquanto o Ibovespa recuou 1,29% ao fim do pregão.

Dias depois, em entrevista coletiva em Brasília, Haddad voltou a defender a manutenção da meta, contrariando o chefe do Executivo. “Meu papel é buscar o equilíbrio fiscal porque acredito que o Brasil precisa voltar a olhar para as contas públicas. Eu vou buscar equilíbrio fiscal de todas as formas justas e necessárias. A minha meta está mantida”, garantiu.

Cumprimento da meta fiscal (2) 

Há cerca de duas semanas, em uma espécie de reprise do episódio, Lula voltou a desacreditar o trabalho de Haddad, que mantém o compromisso de alcançar o déficit zero este ano.

“Você não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se você tiver coisas mais importantes para fazer”, disse o presidente, em entrevista à TV Record, no último dia 16. “Este país é muito grande, este país é muito poderoso. O que é pequena é a cabeça dos dirigentes deste país e a cabeça de alguns especuladores. Porque este país não tem nenhum problema se é déficit zero, se é déficit 0,1%, se é déficit 0,2%.”

A fala acabou sendo vazada pela entrevistadora, Renata Varandas, antes da veiculação pela emissora e novamente perturbou os ânimos de operadores do mercado. Mais tarde, Haddad veio a público dizer que as frases do presidente foram retiradas de contexto.

O problema é que quando você solta uma frase descontextualizada, você gera desnecessariamente uma especulação em torno do assunto. Na íntegra da resposta, vocês vão poder constatar que ele diz exatamente o que eu disse há duas semanas: que nós temos compromisso com arcabouço fiscal. O presidente falou que pode ser 0 ou 0,1%, 0,2%, e isso está dentro da banda”, minimizou o ministro. 

Pela nova regra fiscal, há uma margem de tolerância equivalente a 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) para o cumprimento da meta de resultado primário.

Prorrogação da isenção de PIS e Cofins sobre combustíveis 

A primeira vez que Haddad teve um projeto barrado por Lula foi no fim de 2022, ainda antes da posse de Lula. Já preocupado em elevar a arrecadação da União, o então futuro ministro da Fazenda queria retomar a cobrança de PIS, Cofins e Cide sobre combustíveis a partir de 1.º de janeiro de 2023.

As alíquotas dos impostos haviam sido zeradas em meados de 2022 no governo de Jair Bolsonaro (PL), como uma forma de baixar os preços dos derivados de petróleo às vésperas do início da campanha para as eleições presidenciais daquele ano. 

Temendo um desgaste à imagem do governo que acabara de ser eleito e um impacto dos preços dos combustíveis sobre a inflação, uma ala do PT, liderada pela presidente do partido, Gleisi Hoffmann, se opôs a Haddad e defendeu a prorrogação do benefício. 

Lula tomou o lado da direção do partido e, em uma medida provisória (MP) assinada em 1.º de janeiro de 2023, dia da posse, estendeu a alíquota zero dos tributos federais sobre gasolina e etanol por dois meses, enquanto diesel e gás de cozinha ficaram livres da taxação federal até 31 de dezembro de 2023.

Distribuição de dividendos extraordinários da Petrobras 

Outra disputa em que Haddad foi voto vencido ocorreu em março deste ano, quando o Conselho de Administração da Petrobras decidiu reter dividendos extraordinários referentes ao quarto trimestre de 2023. Como sócia majoritária da petrolífera, a União teria direito a até R$ 16 bilhões da distribuição do lucro naquele momento.

O ministro da Fazenda defendia que ao menos parte dos dividendos extraordinários fossem pagos, fazendo coro ao então presidente da companhia, Jean Paul Prates, que era favorável à distribuição de pelo menos 50% dos lucros. Como a União é a principal acionista da Petrobras, receberia também a maior fatia dos dividendos – e esse dinheiro colaboraria para o cumprimento das metas fiscais.

Convencido pelos ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e da Casa Civil, Rui Costa, Lula orientou os conselheiros da Petrobras indicados pelo governo a votarem contra o repasse dos dividendos. A justificativa era que a retenção dos valores aumentaria a capacidade de investimento da empresa. Meses depois, como consequência do conflito interno, Prates acabou demitido do cargo

“A Fazenda às vezes é provocada a dizer se entende que a distribuição pode prejudicar o plano de investimento da companhia. Agora, o conselho é soberano para pedir informações. É normal isso. [O valor] está numa conta reservada de remuneração de capital, cuja destinação é a distribuição. O ‘quando’ e ‘como’ vão ser julgados à luz das informações”, disse Haddad, na época, ao ser questionado sobre o assunto.

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