Ouça este conteúdo
Aprovada pelo Senado no último dia 8, a proposta de reforma tributária que pode ser votada em caráter terminativo pela Câmara neste mês prevê uma ampla mudança no sistema de impostos que incidem sobre o consumo de bens e serviços no Brasil. Mas alguns dispositivos do texto, menos comentados, afetam também, em menor grau, a tributação sobre o patrimônio.
Essas modificações dizem respeito mais especificamente aos impostos sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). As novas regras, nesses casos, entram em vigor imediatamente após a promulgação da proposta, sem prazo para transição.
“A proposição ficou conhecida popularmente como reforma tributária sobre o consumo porque as alterações mais relevantes trazidas pelo texto são relativas ao consumo”, explica Daniela Teixeira, advogada tributarista da Bento Muniz Advocacia.
Mas a proposta de emenda à Constituição (PEC) 45/2019 tem como objeto a alteração do sistema tributário em geral, explica Daniela, e, portanto, veicula todas as alterações que precisam ser realizadas no texto constitucional.
IPVA vai incidir sobre jet-skis e jatinhos particulares
No caso do IPVA, a PEC prevê a incidência do imposto também sobre veículos aquáticos e aéreos. Assim, proprietários de embarcações, como iates e jet-skis, e aeronaves, como jatinhos e helicópteros, passem a recolher anualmente um valor proporcional ao bem como já ocorre com os donos de automóveis terrestres.
Segundo o texto, ficam excetuadas do tributo, no entanto, aeronaves agrícolas e embarcações voltadas a transporte aquaviário ou de pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência.
“É uma espécie de atualização legislativa”, diz Sulamita Szpiczkowski Alayon, sócia da área tributária do escritório Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados. “Na época em que foi criado o IPVA, não havia tantos veículos aéreos e aquáticos particulares”, diz.
Por ser de competência estadual, alíquotas e regras de isenção do imposto são definidas pelos governos estaduais, por isso variam em cada unidade federativa. O valor arrecadado é dividido entre o estado e o município no qual o veículo é emplacado.
Um estudo de 2020 do Sindicado dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) estimou um aumento de 10% na arrecadação do IPVA com a ampliação da base do tributo. Quase 90% dessa elevação viria da tributação sobre embarcações, enquanto o restante da propriedade de aeronaves a jato, turboélice e helicópteros.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o atual texto constitucional é de que IPVA só alcança veículos terrestres. Nas últimas décadas, os ministros da corte já barraram tentativas de cobrança do imposto sobre embarcações e aeronaves por estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Amazonas, por entender que o tributo sucedeu a antiga Taxa Rodoviária Única (TRU) e que, diferentemente de automóveis, veículos aquáticos e aéreos são licenciados pela União.
A reforma também prevê a permissão para que os governos estaduais cobrem alíquotas progressivas do IPVA em razão do impacto ambiental de veículos, o que a advogada considera uma mudança positiva trazida pela proposta. Automóveis híbridos e elétricos, por exemplo, podem pagar um porcentual menor do imposto em razão da eficiência energética.
A mudança, no entanto, pode ter pouco impacto, uma vez que algumas legislações estaduais já preveem descontos no tributo sobre carros híbridos e elétricos ou movidos a gás natural.
Prefeitos poderão atualizar valor do IPTU por decreto
Em relação ao IPTU, cobrado por municípios, a alteração prevista é mais polêmica. Conforme redação já aprovada tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, a atualização da base de cálculo do imposto poderá ser feita por meio de decreto do Executivo, a partir de critérios gerais previstos em lei municipal.
A mudança dará mais autonomia a prefeitos para elevar com mais frequência a carga tributária e a arrecadação dos municípios. Hoje os reajustes precisam necessariamente passar pelo crivo das câmaras municipais para entrar em vigor.
“Isso é algo que pode vir a majorar o tributo. Embora vá seguir critérios estabelecidos em lei, acredito que poderia continuar a seguir o processo Legislativo, até para se ter uma análise maior por parte dos vereadores”, diz Sulamita.
Imposto sobre herança passará a ser progressivo em todo o país
As maiores mudanças da reforma no que diz respeito à tributação de patrimônio estão relacionados ao ITCMD. O texto estabelece que o imposto:
- terá alíquota progressiva de acordo com o valor da transmissão ou doação;
- incidirá também sobre residentes no exterior;
- será de competência do estado de domicílio do de cujus ou doador;
- não incidirá sobre transmissões e doações para instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social.
Por ser de competência estadual, o imposto hoje é cobrado de forma progressiva em algumas unidades federativas, enquanto outras recolhem uma alíquota fixa.
Além disso, a cobrança, no caso de causa mortis, é realizada no estado onde for feito o inventário ou arrolamento dos bens. Já a doação é tributada no local de domicílio do doador.
Assim como os demais tributos subnacionais, as alíquotas são definidas pelos governos estaduais. Há uma expectativa de que, com a obrigatoriedade do sistema progressivo, o imposto aumente em estados em que hoje a cobrança é de um porcentual fixo.