O ministro da Fazenda, Guido Mantega, fará um grande esforço para transmitir uma imagem de austeridade fiscal em 2010, mesmo diante do fato de que desonerações tributárias e aumentos de despesas correntes já estão contratadas para o ano eleitoral. Ele se comprometeu em cumprir a meta mais alta de superávit primário a economia feita pelo governo para o pagamento de juros da dívida de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010, sem utilizar os abatimentos permitidos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Tudo isso baseado na aposta de recuperação das receitas, já que o país deverá crescer em ritmo bem mais acelerado.Ao mesmo tempo em que quer entregar um resultado fiscal mais "robusto", como ele costuma se expressar, Mantega não quer tirar o pé do acelerador dos investimentos públicos. Afinal, as obras garantem expansão maior da economia brasileira e reforçam os dividendos eleitorais. Por isso, apesar de perseguir o cumprimento da meta, a equipe econômica sabe que poderá abater 0,65% do PIB em obras do PAC previstas no Orçamento de 2010. Existe ainda a possibilidade de deduzir os chamados "restos a pagar" referentes a 2009 e que podem somar cerca de 0,4% do PIB.
O governo também dispõe de mais de 0,5% do PIB no Fundo Soberano do Brasil (FSB). O mecanismo não foi usado neste ano de crise, mas por várias vezes a equipe econômica sinalizou que pretende utilizá-lo em 2010. Essa opção, no entanto, não é pacífica. Os críticos argumentam que não faz sentido sacar essa poupança de natureza anticíclica em um contexto de crescimento econômico e que tal atitude teria caráter eleitoreiro, sem compromisso com a sustentabilidade macroeconômica do país.
Fontes da área técnica da equipe, entretanto, preferem focar o discurso na aposta da retomada da arrecadação e também na desaceleração no ritmo de crescimento das despesas, uma vez que os maiores gastos previstos foram feitos em 2009. Essa combinação, avaliam, colocaria as contas públicas em uma situação mais confortável e tornam factível o cumprimento da meta. Mantega enfatiza o compromisso com o alvo de 3,3% do PIB para o superávit e se sente "responsável" no governo por entregar esse resultado.
Diferente da era FHC
Outro motivo que leva o ministro a direcionar esse discurso em favor do cumprimento da meta mais ambiciosa em 2010 é a preocupação em não adicionar volatilidade ao mercado no ano das eleições. A avaliação é que em 2002 o governo FHC contribuiu para disseminar o pânico no mercado. E, agora, a equipe econômica diz pretender o contrário, transmitindo segurança econômica em um momento normalmente cercado por maior incerteza.
Dívida crescente
A tentativa do governo de afastar a desconfiança com a sustentabilidade da política fiscal tem como uma das principais razões o aumento da preocupação dos analistas econômicos com o crescimento da dívida bruta do setor público, indicador econômico que contabiliza todos os passivos do governo. Embora a dívida líquida tenha uma tendência declinante em 2010, a dívida bruta está aumentando rapidamente, principalmente com as operações compromissadas que o Banco Central (BC) é obrigado a fazer no mercado aberto para retirar o excesso de liquidez (dinheiro livre) da economia. Essas operações aumentaram com as compras de dólares do BC e com os empréstimos feitos pelo Tesouro ao BNDES.
O problema maior do crescimento da dívida bruta é que os ativos e os passivos são remunerados em taxas diferentes, o que traz mais custo fiscal para o governo. Um exemplo claro dessa discrepância é a remuneração das reservas (ativos), a juros baixos em dólar, e os títulos públicos (passivos), emitidos para a compra da moeda norte-americana pelas operações compromissadas. Outro exemplo é o empréstimo para o BNDES, em que a taxa de remuneração do Tesouro é mais baixa do que as operações que o BC tem que fazer para enxugar esses recursos quando entrarem no mercado.