O mercado esperava um Michel Temer “mãos de tesoura”, mas tem visto um presidente “mão aberta”. O interino, que assumiu o cargo com discurso de austeridade, já endossou reajustes ao funcionalismo, aliviou a dívida dos estados e deu ao Bolsa Família um aumento maior que o prometido pela presidente afastada Dilma Rousseff (PT).
Enquanto o pacote de bondades é pago à vista, as principais medidas de ajuste dependem da aprovação – não se sabe quando – do Congresso e não terão efeito tão cedo.
Às críticas de irresponsabilidade com as contas públicas, membros do governo respondem que tudo estava previsto no Orçamento e embutido no déficit recorde de R$ 170 bilhões que o Planalto definiu como objetivo para este ano.
A oposição vê nessas justificativas uma evidência de que a pior meta fiscal da história foi um “cheque especial” capaz de acomodar todo tipo de despesa e garantir sustentação a um governo que ainda é provisório.
Temer vinha cedendo tanto a demandas que elevam o gasto público que até a meta de um rombo de R$ 139 bilhões nos cofres federais em 2017, anunciada na quinta-feira (7) pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles e enviada ao Congresso nesta sexta (8), soou como vitória da equipe econômica sobre o núcleo político. Dias antes, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, havia considerado “ótimo” repetir o resultado de 2016.
Para defender que a meta do ano que vem representa “um grande esforço”, Meirelles salientou que o buraco chegaria a R$ 270 bilhões – quase o dobro – se o governo não revertesse a tendência de aumento das despesas dos últimos anos. Uma das medidas imediatas para conter os gastos será a revisão do auxílio-doença e das aposentadorias por invalidez, que pode gerar uma economia anual de R$ 6,3 bilhões.
Ainda assim, o objetivo fiscal de 2017 é pior que o estimado pelo mercado quando Temer assumiu: em maio, o centro das projeções de bancos e consultorias indicava um saldo negativo de R$ 105 bilhões. E o próprio governo admite que só cumprirá a meta se conseguir R$ 55 bilhões em receitas de privatizações e concessões, sem descartar uma alta de impostos.
“A equipe econômica prometeu um ajuste fiscal mais rápido, mais objetivo. Até agora, a única medida de fato colocada foi o controle para o crescimento dos gastos no longo prazo, e mesmo assim não se sabe quais serão os mecanismos para isso”, diz o economista Marcelo Curado, professor da UFPR. “Por enquanto, o governo é um fiasco do ponto de vista do ajuste fiscal, o que prejudica muito a economia.”
A generosidade do governo interino provocou controvérsia entre economistas liberais. Monica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, de Washington, disse dias atrás que o país “flerta perigosamente com uma crise fiscal” e chamou atenção para o que classificou de “cinismo” de colegas. “Quando as bondades eram feitas por Dilma, achincalhe geral entre os economistas. Quando vêm de Temer, é porque há ‘agenda dupla’, demandas do presidencialismo de coalizão”, escreveu em seu perfil no Facebook.
Até Dilma Rousseff alfinetou a política fiscal. “O governo interino e provisório promove um rombo fiscal que vai prejudicar a recuperação da economia e a população”, disse, no Twitter. “Ao tempo que apregoa ajuste fiscal, faz o rombo crescer R$ 125 bilhões até 2018”, completou, mencionando o custo estimado das “bondades” distribuídas até agora.
Medidas de impacto só devem vir com impeachment
O conflito entre o ideal (para as contas públicas) e o possível (na política) deve persistir enquanto durar a interinidade do governo de Michel Temer, avalia Rafael Leão, economista-chefe da consultoria Parallaxis Economia. Assim, medidas de impacto só devem aparecer após o eventual afastamento definitivo de Dilma Rousseff.
“Temer está sendo ‘mão aberta’ para não perder apoios que poderiam se reverter em votos contra o impeachment”, diz Leão. Para ele, o governo deveria ter investido num déficit de mais “qualidade”: “Eu não veria como problema uma retomada dos investimentos em infraestrutura, imprescindível para a retomada do crescimento”. Já descontada a inflação, os investimentos do governo federal encolheram 15% no acumulado de janeiro a maio.