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A aprovação do arcabouço fiscal pela Câmara dos Deputados não alterou a expectativa do mercado, segundo a qual o governo não vai conseguir cumprir as metas estabelecidas e pode recorrer à contabilidade criativa para fechar as contas. A opinião é do pesquisador do Insper Marcos Mendes, um dos autores da proposta de teto de gastos do governo Michel Temer, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo publicada neste sábado.
Segundo Mendes, não houve mudanças significativas no texto, que tem como ponto de partida um desequilíbrio muito grande. “A PEC da Transição (aprovada no fim do ano passado) permitiu que o déficit deste ano fosse orçado em mais de 2% do PIB e, agora, o governo está correndo atrás para tentar diminuir esse déficit”, assinalou.
O arcabouço exige um aumento de receita muito forte para cumprir as metas propostas pelo governo. São metas ambiciosas considerando o cenário atual, porém modestas para estabilizar a dívida pública. Também há equívocos do governo, segundo Mendes, que vão impedir o alcance das metas. Um deles é o aumento permanente do salário mínimo acima da inflação, que afeta a despesa primária e corrói a estabilidade fiscal ao longo do tempo. Um segundo ponto é que, ao revogar o teto de gastos, revogou-se também a regra de correção da despesa mínima de saúde e educação, que voltará a ser corrigida pela variação da receita. “O governo vai ter de aumentar muito a receita e isso vai puxar a despesa de saúde e educação”, explica. Além disso, o piso para investimentos colocado no arcabouço é mais um fator de rigidez.
Para o pesquisador, está clara a “desancoragem entre o que os analistas esperam e que o governo anuncia como resultado primário”. Tudo isso fará com que o arcabouço tenha de ser rediscutido já no ano que vem.
Se não mudar metas, governo será tentado a usar contabilidade criativa
Para resolver a questão, o governo teria de optar por controlar despesas, acabar com programas ineficientes, rever a regra do salário mínimo, rever o mínimo de saúde e educação ou rever o Fundo Constitucional do Distrito Federal. Mas Mendes vê pouca chance de que isso aconteça: “vai contra a orientação política e econômica do governo e também não encontra respaldo no Congresso”, afirma.
Mesmo sabendo das dificuldades, Mendes não acredita que o governo possa rever as metas do arcabouço, porque isso seria mal recebido pelo mercado. “Com o arcabouço, não é mais crime descumprir a meta. Já tem lá todo um ritual. Se descumprir a meta no ano que vem, a despesa cresce menos, ativam-se alguns gatilhos para controlar a despesa obrigatória.” Mas esses mecanismos, segundo ele, não vão resolver a questão fiscal. Além disso, a pressão por aumento de gastos é muito grande, o que pode gerar um problema político. “Há sinais de que o governo pode começar a utilizar a contabilidade criativa”, avalia o pesquisador.
Corte de despesas não está no radar do Planalto
Mendes lembra que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está tentando convencer a diretoria da Petrobras a desistir de uma ação no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que envolve R$ 30 bilhões em demandas de pagamento de impostos. Na prática, há uma pressão do governo sobre uma empresa que deveria estar sendo gerida para atender o interesse de todos os acionistas. “Como Petrobras e bancos públicos estão fora do conceito de déficit público, fazendo uma transação do Tesouro com a Petrobras, você consegue, de forma artificial, diminuir a dívida líquida e aumentar o resultado primário”, explica o professor do Insper. Essa triangulação, por meio de estatais e bancos públicos para fechar as contas, já foi feita no passado.
Existe uma agenda grande de revisão de despesas no Ministério do Planejamento, mas Mendes não tem muitas expectativas. “Isso já vem sendo tentado desde o governo Temer e até hoje não surtiu muito efeito”, diz. A agenda inclui a redução de gastos tributários, que nunca acontece por causa dos grupos de pressão no Congresso. “Uma vez que você instala determinados benefícios fica muito difícil de retirar”, justifica.
Mendes também defende o fim da regra de aumento do salario mínimo, uma forma ineficiente de diminuir a pobreza. “O aumento é muito bom para quem está empregado no setor formal e tem sua remuneração referenciada ao salário mínimo. Mas quem é trabalhador pobre, de baixa produtividade, e que não consegue produzir o equivalente a um salário mínimo não vai ser empregado. Cada vez que você dá aumento real do salário mínimo, você joga para informalidade a massa dos pobres menos produtivos e capacitados”, argumenta.
Além disso, com a vinculação de benefícios sociais e previdenciários ao salário mínimo, existe um custo fiscal extremamente elevado com outras consequências sobre a economia como, por exemplo, o aumento da taxa de juros de equilíbrio, que trava o crescimento e impede a absorção de mais pessoas no mercado de trabalho. “Essa é, claramente, uma agenda de trabalhadores sindicalizados com empregos garantidos, que são uma parte importante da base de apoio do partido do governo”, finaliza.