Alívio pela dívida extinta- A auxiliar de cozinha Sonia Miniguini, 50 anos, (foto) sempre teve cuidado com as contas. Depois que o filho se separou, porém, o financiamento de uma motocicleta contratado por Sonia para o casal atrasou – vieram juros sobre juros. Preocupada, ela procurou o banco, mas a renegociação não ajudou. “A parcela era pesada. Paguei no início, mas não consegui mais”, diz. Sonia procurou o Projeto Superendividamento no ano passado e conseguiu liquidar a dívida, que estava em R$ 1,8 mil, em três parcelas de R$ 280. “Esses dias fui ao banco e vi um rapaz dizendo ao atendente que não poderia adiantar R$ 2 mil para diminuir as parcelas. Quase me meti para sugerir que ele fosse ao tribunal”, conta| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

Consumidor

Reforma do código endurece regras para quem concede crédito

Um projeto que busca modernizar o Código de Defesa do Consumidor prevê normas mais rígidas para quem concede crédito a fim de evitar o superendividamento das famílias. Exige informação ao consumidor, tetos de comprometimento da renda (30%) e proíbe propaganda abusiva. O projeto, porém, teve mais de 40 emendas no Senado. Muitas o enfraqueceram, como a que impediu que a norma venha a ser retroativa.

O projeto sugere ferramentas de educação financeira, consideradas bem-vindas. "A indução da criança e do adolescente ao consumo interfere na educação e na economia da família", diz Andreza Cristina Baggio, professora de Direito da Unicuritiba. Ela cita que a política de governo de crescer pelo consumo já é um indicativo da necessidade de se atualizar o código.

Para o economista Ronald Otto Hillbrecht, do Instituto Millenium, a dificuldade de negociar dívidas mostra a tendência nacional em podar o empreendedorismo. "Nos EUA, o sistema permite ao cidadão tentar, fracassar e se reerguer. No Brasil, as portas se fecham até no mercado de trabalho", compara.

Outro limitador do debate, segundo o defensor público estadual Luis Gustavo Purgato, é o fato de credores perceberem dívidas como oportunidade de ganho. "A resistência em renegociá-las contribui para que o débito nunca seja pago e que processos perdurem por anos. Isso gera prejuízo ao Estado e à economia."

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Serviço

Como procurar ajuda

Para receber ajuda no Projeto Superendividamento, o cidadão que mora na região de Curitiba deve preencher um formulário no link www.tjpr.jus.br/superendividamento. É preciso enviar cópias de comprovantes de gastos (aluguel, escola, supermercado, etc.) e das dívidas. As audiências são marcadas em prazo médio de 30 dias. Há estudos para implantar o projeto nas Comarcas de União da Vitória e de Telêmaco Borba. Mais informações: (41) 3234-3605.

Numa época em que o comprometimento da renda das famílias com dívidas bate recorde no país, projetos que ajudam devedores a negociar seus débitos são cada vez mais procurados. É o caso do Projeto Superendividamento, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), que abriu 34% mais processos de conciliação em 2013 em relação ao ano anterior. Desde 2010 foram firmados cerca de 1,1 mil acordos na região de Curitiba – o sistema de informática do TJ-PR não permite calcular o número de cidadãos atendidos por ano, mas no total são mais de 2 mil.

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INFOGRÁFICO: Quem procurou o Projeto Superendividamento 2013 já estava com renda familiar comprometida, confira

Ainda que a procura também reflita o grau de informação da população sobre o projeto, as estatísticas revelam que as famílias estão mais endividadas no estado. Em julho de 2013, 21,7% disseram ter dívidas em atraso, segundo a Federação do Comércio do Paraná (Fecomércio-PR). Em fevereiro passado, o índice cresceu para 27,4%. Também subiu o porcentual de famílias que acredita não ter como liquidar dívidas atrasadas (10,3% para 11,5%).

Motivo da dívida

Em 32% dos casos atendidos pelo TJ-PR, as dívidas surgiram por redução de renda – o novo emprego paga menos ou o salário não seguiu a inflação. Outros 28% enfrentaram desemprego. O descontrole nos gastos – pré-julgamento comum sobre endividados – é apenas o quarto motivo. Entram na conta ainda doenças (do consumidor ou na família) e separação. Quando o assunto é o tamanho da dívida, há indícios de que o projeto é a tábua de salvação dos muito endividados: 31%, a maior fatia, deve acima de 25 salários mínimos.

"Novo empréstimo"

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Segundo a juíza Sandra Bauermann, que coordena o projeto do TJ-PR, a característica das dívidas tem mudado. Estão mais frequentes, por exemplo, débitos que mudaram de credor. Ocorre quando a dívida é comprada – espécie de investimento de alto risco adotado por financeiras. Bancos e varejistas vendem a dívida por um valor mais baixo para outras empresas, que tratam de cobrar o devedor ou o abordam oferecendo renegociação – na prática, um novo empréstimo. A juíza alerta que esta situação pode complicar mais o consumidor. "A pessoa contrai um crédito caro para pagar a dívida e acaba que não consegue arcar com nenhuma", afirma.

Sandra explica que o projeto tem a vantagem de evitar más decisões e possibilitar a devedores uma negociação em pé de igualdade. Consumidores alegam que juros oferecidos em renegociações cara a cara com credores são sempre muito altos. A dificuldade aumenta quando o devedor tem patrimônio ou a dívida é recente, por exemplo.

Ao permitir calcular o quanto o consumidor está comprometido com gastos e débitos no total, e não apenas com uma empresa, as audiências no Judiciário mostram um panorama mais realista do sufoco vivido pelo cidadão. O TJ-PR tem uma lista de pelo menos 40 credores dispostos a ouvir devedores, mas isso não significa que a batalha não seja árdua: em 2013, o número de acordos caiu 20% sobre 2012.

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