O desemprego está em alta e a renda está estagnada. Os números do varejo não são nada animadores: o setor se expandiu 0,6% no primeiro quadrimestre, comparativamente a igual período de 2018, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As expectativas de crescimento são cada vez menores: na última semana, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) reviu para baixo, pela quinta vez, as projeções para o setor.
Mas, mesmo assim, o setor vive dias agitados. Duas operações marcaram a semana: o fim da batalha entre o Magazine Luíza e a Centauro pela Netshoes, com a primeira levando a melhor, e a volta da emblemática família Klein ao comando da Via Varejo, operação que reúne as Casas Bahia e o Ponto Frio.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que essas duas operações refletem uma aposta em dias melhores para o varejo, baseada em duas tendências: a digitalização cada vez maior e a consolidação do mercado. “As últimas operações de fusão e aquisição refletem a expectativa de um cenário melhor no futuro”, aponta Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Investimentos.
Segundo Mariana Vergueiro, analista de varejo da XP Investimentos, a melhora na confiança do consumidor pode trazer um impulso adicional ao segmento.
“O cenário de retomada de crescimento, inflação ancorada e juros nas mínimas históricas gera um ambiente positivo para o setor de varejo no Brasil. Ainda que os dados de atividade mais recentes indiquem recuperação mais lenta que o esperado, com consequente revisão para baixo no crescimento de lucro das empresas em 2019, acreditamos que uma melhora na confiança do consumidor possa impulsionar o setor."
Mariana Vergueiro, analista de varejo da XP Investimentos
Paralelamente a isso, destaca Patrícia Cotti, diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar), as empresas estão aproveitando o momento para se focar mais na especialização. É o que explica movimentos como o do GPA passando o controle da Via Varejo para o grupo liderado pela família Klein.
A Netshoes e o cenário digital
A compra da Netshoes reflete bem esse cenário, diz Patrícia. “Conceitos como marketplace vão ser cada vez mais relevantes no futuro do setor. E a Netshoes tem expertise no segmento esportivo.”
O varejo online também está em ebulição. A aquisição da Netshoes pelo Magazine Luíza reúne duas empresas que têm forte cultura digital e se segue à saída de cena do Walmart desse mercado. “Reflete também uma busca por ganhos de sinergia das operações”, aponta Silveira, da Nova Futura Investimentos.
Os ganhos da Magalu não se restringem a isso, aponta Jean Paul Rebetez, sócio-diretor da GS&Consult, uma consultoria especializada em varejo. “Está se incorporando um know how que a Netshoes tem, uma base muito grande de clientes e uma receita crescente ao longo dos próximos anos.”
Ao adquirir a Netshoes, diz ele, a Magazine Luiza também vê a oportunidade de agregar um novo setor ao seu ecossistema de negócios; pode usar sua capilaridade e sua malha logística para ampliar a presença da marca Netshoes; reforçar a omnicanalidade (integração entre o varejo online e offline) e se valorizar ainda mais no mercado.
Para o Magazine Luíza, a aquisição da Netshoes também tem um aspecto defensivo: “é um movimento frente à entrada da Amazon como importante player do segmento”, destaca Vinícius Andrade, analista da Toro Investimentos.
Mariana, da XP Investimentos, vê a transação envolvendo o Magazine Luíza em linha com a estratégia de expansão do sortimento online. Porém, segundo ela, ainda faltam detalhes sobre sinergias e como será estruturada a operação. Em 2018, as vendas líquidas da Netshoes no Brasil somaram R$ 1,7 bilhões, mas a operação ainda não é rentável.
A volta dos Klein à Via Varejo
A volta da família Klein ao comando da Via Varejo é decorrência da decisão do grupo francês Casino, controlador da GPA, em sair do segmento de eletroeletrônicos, que está com vendas em retração. Nos últimos 12 meses, a queda foi de 0,8% em relação ao período anterior, de acordo com dados do IBGE.
“O Casino não tinha expertise no segmento de eletroeletrônicos e aproveitou o mercado fraco para separar as operações e se concentrar no varejo de alimentos”, diz Patrícia, do Ibevar. Há pelo menos dois anos, o grupo, que está em um momento delicado e pediu proteção contra credores na França, tentava se livrar da operação.
O sócio da GS&Consult aponta que nunca houve uma integração ou aproveitamento de sinergias entre o GPA e a Via Varejo.
Para Silveira, o retorno da família Klein à Via Varejo é interessante para a empresa. “Sai o GPA, que não conhecia o segmento, e volta um grupo que tem forte conhecimento e tradição. Vai ser uma concorrência forte para o Magazine Luíza.”
Rebetez destaca que os Klein têm um profundo conhecimento do negócio, sabem bem o comportamento dos consumidores das classes C e D - um grupo que tem entre 40 e 50 milhões de pessoas - e sabem bem da importância do crédito para essas classes.
“Os Klein saíram do comando das Casas Bahia, mas parece que as Casas Bahia nunca saíram dele. Assim que surgiu uma oportunidade para voltar, eles aproveitaram.”
O negócio está estimado em R$ 2,6 bilhões e deve ser concretizado sem dificuldades”, aponta o consultor. Ele aponta que a família Klein tem fácil acesso a investidores e bancos. A família também foi beneficiada pelo ambiente econômico mais retraído, o que, segundo ele, favoreceu a operação.
O GPA também se beneficia da transação, ressalta Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos. “Eles passam a focar sua atenção em um segmento onde as margens são maiores do que no varejo de eletroeletrônicos, que é muito mais cíclico.”
A expansão do varejo digital também deve ser uma marca do novo comando da Via Varejo, diz a diretora do Ibevar. “É de se esperar uma reestruturação da operação de e-commerce do grupo.”
Andrade aponta que esse caminho é natural. “A Magalu vem nadando de braçada nesse segmento e a Via Varejo precisará, antes de mais nada, fazer a lição.”
A consolidação do setor
A fusão da Aliansce com a Sonae Sierra, criando um conglomerado com 29 shopping centers, e a união do Magazine Luiza com a Netshoes refletem uma outra tendência no setor: a de consolidação do setor. “Fusões e aquisições tendem a ser cada vez mais comuns no mercado brasileiro, que está cada vez mais maduro”, afirma a executiva do Ibevar.
Essa tendência deve ganhar força com a aprovação da Reforma da Previdência, que poderá contribuir para retomar a confiança dos investidores no mercado brasileiro. Isto, segundo Patrícia, pode contribuir para atrair players internacionais ao mercado brasileira e destravar o consumo.
“Está todo mundo em compasso de espera pela reforma da Previdência. Ultrapassando esta fase as expectativas tendem a melhorar”, diz Rebetez. E um dos primeiros setores a se beneficiar disto, complementa William Teixeira, da Messem Investimentos, é o varejo. “Assim ele voltará a crescer.”
O movimento de consolidação é inevitável, aponta Rebetez. Um dos segmentos em que isto é mais visível é no segmento de delivery. Ele cita o caso da curitibana James que foi adquirida pelo GPA, em dezembro de 2018. “As startups estão se associando ao varejo tradicional e isso acontece em outros setores como o financeiro e de meios de pagamento.”
Outro segmento em que este cenário de consolidação é evidente, e que tem forte ligação com o varejo, é o das maquininhas de pagamento. Os principais players desencadearam uma guerra por fatia de mercado, o que está impactando negativamente nas margens do negócio.