A economia real ainda procura o fundo do poço, mas o mercado financeiro viveu dias de euforia nas últimas semanas. A prisão do marqueteiro João Santana, o vazamento da suposta delação do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) e a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor à Polícia Federal reacenderam nos investidores o sentimento de que Dilma Rousseff não durará muito tempo na presidência.
Quem observa a reação da Bolsa para cima (alta semanal de 18,01%, a maior desde outubro de 2008) e do dólar para baixo (terminou a semana cotado em R$ 3,72, queda de 6,6%) pode ter a impressão de que a economia sairá do buraco em questão de semanas. Não será o caso. A eventual queda da presidente tende a reanimar empresários e consumidores, e a volta da confiança é mesmo fundamental para a reação da atividade econômica. Ainda assim, os fundamentos vão demorar a se recuperar.
“O mercado costuma antecipar os movimentos. Ele claramente passou a apostar numa queda mais rápida do governo Dilma, que faria com que a crise política terminasse mais rápido e a recuperação da economia viesse mais rápido. Mas o ritmo da política e da economia não é o mesmo do sentimento do mercado”, diz Pedro Paulo Silveira, economista da corretora Nova Futura. Segundo ele, as próximas semanas tendem a ser de muita volatilidade na BM&FBovespa e no câmbio, alternando dias de otimismo com sessões de decepção e devolução de ganhos.
Segundo a consultoria Rosenberg Associados, a progressão de um processo de impeachment tende a ser lenta. “Serão meses de vaivéns. Concretizada a saída de Dilma, é claro que os ânimos serão diferentes, mas vale lembrar que ainda haverá um grande número de problemas a serem enfrentados”, afirmaram, em relatório, os economistas da consultoria.
Expectativa
Para Mehanna Mehanna, sócio-diretor da Toro Investimentos, os movimentos do mercado são reação “pura e simples” à expectativa de que a confiança na economia melhore com uma troca de governo. Nem mesmo a melhora do humor do mercado financeiro é consistente, avalia. “Enquanto não houver notícias novas, a tendência é de que o mercado devolva parte dos ganhos recentes. Para termos altas tão expressivas como as das últimas semanas, só com a efetiva prisão do Lula ou a queda da presidente”, diz Mehanna.
O lulismo econômico em quatro tempos
Relembre as idas e vindas da política econômica brasileira desde o primeiro mandato de Lula:
Início austero
Com Antonio Palocci no Ministério da Fazenda, o governo Lula começou austero. Para ganhar o apoio do mercado e conter o avanço da dívida pública, que estava perto de 80% do PIB e com juros de mais de 25% ao ano, o Planalto fechou a torneira. O setor público poupou 3,23% do PIB para pagar os juros da dívida em 2003, superávit primário ligeiramente superior ao do último ano de FHC. De um lado, a economia cresceu só 1,1%; de outro, a dívida, a inflação e os juros começaram a cair ainda em 2003. Com ajuda do boom das commodities, a economia cresceu a uma média anual de 4,8% pelos cinco anos seguintes. Em meio à euforia, petistas e aliados cobravam o fim da austeridade. Foram atendidos em 2006, quando Palocci deu lugar ao desenvolvimentista Guido Mantega.
Do etanol ao pré-sal
O advento dos carros flex, em 2003, ressuscitou a indústria de álcool. Lula virou embaixador dos biocombustíveis e, em 2007, chegou a classificar os usineiros de “heróis nacionais e mundiais”. Naquele mesmo ano, no entanto, a Petrobras confirmou a descoberta de reservas gigantescas de petróleo na camada pré-sal. O etanol foi sumindo do discurso à medida que o programa de investimentos da Petrobras aumentava e o governo agia para mudar o marco regulatório do petróleo – nas palavras de Lula, para impedir que a “dádiva de Deus” se transformasse em “verdadeira maldição”. A crise financeira mundial, em 2008, pegou a indústria sucroalcooleira superendividada, situação que piorou com problemas climáticos e o congelamento dos preços da gasolina nos anos seguintes.
Cofres abertos no pós-crise
Guido Mantega abriu os cofres para enfrentar a crise global. Baixou impostos para a compra de carros, pôs o BNDES para financiar a juros subsidiados e manteve a aposta em programas de transferência de renda e aumentos reais do salário mínimo. Mesmo com o PIB caindo 0,1%, o mercado formal gerou quase 1,4 milhão de empregos em 2009. No ano seguinte, o último de Lula na presidência, mais 2,6 milhões de vagas e uma alta de 7,5% no PIB, que pavimentaram o caminho para a eleição de Dilma Rousseff. O governo alardeou que o país foi “o último a entrar” e “o primeiro a sair” da crise, mas depois a expansão descontrolada dos gastos públicos cobrou seu preço: hoje o mundo cresce mais de 3% e a economia brasileira encolhe pelo segundo ano seguido.
Nova matriz e pedaladas
Dilma Rousseff manteve Mantega na Fazenda e dobrou a aposta. Ampliou o gasto público, desonerou a folha de pagamento, deu mais subsídios ao setor privado e derrubou a taxa de juros, num conjunto de medidas batizado de “Nova Matriz Macroeconômica”. Como resultado, a inflação subiu e não voltou mais para perto do centro da meta, de 4,5%, e as finanças públicas caíram em descrédito. Para cumprir as metas de superávit primário, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, recorreu a todo tipo de truques contábeis, incluindo as “pedaladas fiscais” que hoje embasam o pedido de impeachment da presidente. Dilma chegou a ensaiar uma política econômica mais austera com Joaquim Levy na Fazenda, mas, com a base dividida, não aprovou grande coisa no Congresso.
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