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Um ano de mercados voláteis, mas sem medo do futuro eleitoral, de economia ainda em marcha lenta e de mais pressões sobre o governo para dar conta da inflação que corrói o poder de compra do brasileiro. Esse é um resumo do cenário que deve marcar 2022 na avaliação do estrategista-chefe da XP Investimentos, Fernando Ferreira.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Ferreira destacou uma certa tranquilidade dos mercados, independentemente de quem assuma o Palácio do Planalto em 2023. A atmosfera distensionada, segundo o economista, tem relação com a perspectiva de continuidade dos caminhos da economia brasileira, sem rupturas esperadas adiante. O cenário, portanto, também deve ser de Selic alta – na tentativa de fazer baixar a inflação. Enquanto isso, crescimento estagnado, com a atividade econômica patinando, e mercado de trabalho que se recupera, mas sem ganhar tração.
Ferreira falará sobre as perspectivas para a economia em 2022 e nos próximos anos em jantar oferecido a clientes da XP Investimentos em Curitiba nesta terça-feira (1.º). Confira a seguir os principais trechos da entrevista que ele concedeu à Gazeta do Povo.
O ano de 2021 foi de recuperação na economia mundial, inclusive com crescimento. Já se observam mudanças neste cenário em 2022?
A gente já vê o mundo em uma desaceleração de crescimento, porque ano passado foi aquele ano de recuperação pós 2020, e além disso não só a base de comparação começa a ficar mais difícil e o mundo começa a desacelerar, mas também vemos todos os bancos centrais começando a tirar estímulos das economias.
O tema que a gente está vendo esse ano é justamente de aperto das políticas, caminho em que o Brasil já entrou há muito tempo: de aumento de juros, aperto monetário, porque a inflação subiu muito forte e tem demorado a cair.
A gente falava no nosso relatório do ano passado sobre onde investir, que 2022 seria um ano mais volátil e, de fato, estamos vendo isso. Este começo de ano mostrou o maior nervosismo do mercado lá fora, principalmente com a guinada de postura do FED [o banco central dos EUA]. O banco central europeu ainda está segurando a mensagem de aumentar juros com força, outros bancos centrais também estão ainda de olho no que vai acontecer, mas o FED dá o caminho para vários BCs: vai ter que fazer uma postura mais dura com a inflação.
Isso traz um panorama global um pouco mais desafiador, porque aquele cenário de liquidez infinita e juro zero que vimos nos últimos anos está terminando. A gente está saindo desse ciclo e isso tem algumas implicações.
Uma delas é que o dólar volta a se fortalecer por conta desse aumento de juros nos EUA. O dólar está no valor mais alto dos últimos 6 meses em relação a uma cesta de moedas do mundo. Só que o que está acontecendo no Brasil é um pouco a parte do mundo.
Por quê?
Era esperado que as commodities começassem a ceder este ano, mas isso não está acontecendo. O preço dos grãos continua bem alto (a seca no Brasil, principalmente no Sul, tem impactado para cima o preço nas Bolsas lá fora); vimos petróleo indo para perto dos US$ 100 dólares o barril; minério de ferro que tinha caído bastante no ano passado se recuperou mais de 50% nos últimos meses – sobe 15% só este ano.
Então, para a inflação e os BCs tentando segurar ou controlar a inflação no mundo, as commodities não estão ajudando, continuam em alta e esse cenário está ajudando muito os ativos brasileiros. A gente viu até agora mais de R$ 23 bilhões de fluxo de investidores estrangeiros comprando bolsa brasileira, entrando na bolsa, só em janeiro – esse número é muito forte (em todo o ano passado foram R$ 100 bilhões).
Fomos na contramão do mundo, que está passando por uma correção de preço de ativos, juros para cima, bolsas em queda. Aqui, a bolsa está indo super bem, câmbio apreciando. Tem alguns motivos para isso.
O primeiro são justamente as commodities. O Brasil é bastante dependente delas, mais de 1/3 da bolsa é relacionado às empresas de commodities, são também super relevantes para a balança comercial; então, ajuda bastante o câmbio nesse sentido.
No mundo, também por conta dessa alta de juros, está tendo uma fuga, os investidores saindo dos setores mais sensíveis à taxa de juros, principalmente o setor de tecnologia tem sofrido bastante. Quando o juro sobe, o mercado encurta o horizonte, começa a olhar para empresas que têm lucro hoje. Esses papéis mais arriscados caíram até 70%. O mercado migrou para setores de commodities, para setores de bancos, empresas da “velha economia”. E o Brasil acaba se situando muito bem nesse cenário, esses dois setores são mais de 55% do índice Ibovespa.
Segundo fator: o Brasil ficou muito barato. Nossos ativos em geral (juros, câmbio e bolsa) sofreram muito ano passado. Há indicadores que nossa bolsa estava negociando com 60% de desconto em relação à bolsa americana. Os ativos ficaram baratos e chamaram atenção do investidor estrangeiro.
E do ponto de vista político, existe, ao menos, um pano de fundo na cabeça do investidor estrangeiro de que não vai haver grandes rupturas ou mudanças nos caminhos da política econômica do Brasil. Nos próximos anos, o que dá um conforto para que entrem e comprem no Brasil como eles têm feito.
O que exatamente o mercado espera neste 2022?
O que está no preço é o Brasil continuar um pouco nos mesmos rumos recentes, que é uma política fiscal um pouco mais frouxa, o Brasil gastando mais, o que significa mais juros.
Estamos vendo o Banco Central tendo que subir bastante juros, esta semana deve subir mais 1,5 p.p., chegando próximo dos 12% de taxa Selic. O problema é que o peso de segurar a inflação volta mais para o BC, para a política monetária.
A gente chama esse cenário aqui na XP desde o ano passado de “velhos hábitos”, porque o Brasil já vem há bastante tempo adotando essa política de gastar mais, mas isso significa maior inflação e uma inflação que demora mais a cair, o que significa mais juros. E é exatamente o cenário que o mercado está precificando.
A gente vê as taxas de juros de mercado assumindo uma Selic acima de 11% ou 12% nos próximos anos, então o mercado não espera que a Selic vá voltar para um patamar de 5% ou 6%, o que seria muito mais saudável para a economia do país.
Pensando do ponto de vista de atividade econômica, juros de 12% ao ano e uma inflação ainda alta significam um pano de fundo bastante desafiador para a atividade econômica. Juros de dois dígitos pesam muito mais para o empresariado e também para as famílias brasileiras, têm impacto grande no orçamento de quem tomou dívida durante a pandemia. Sem dúvida nenhuma, freia a atividade econômica. Por isso, para esse ano, a gente espera um crescimento de zero no PIB e para o próximo ano, só 1,2%.
Dados recentes da Pnad Contínua mostram queda na taxa de desemprego, mas a economia patinando atrapalha a continuidade dessa tendência? Como fica o mercado de trabalho?
Nosso time de economia tem dito que esse mercado de trabalho, de fato, ainda tem espaço para melhorar mais. A taxa de desemprego continua bem elevada, acima de 12%, mas é uma das poucas áreas dentro da economia que tem tido algumas surpresas positivas, muito por conta também da reabertura da economia.
O setor de serviços voltando a abrir, shoppings reportando resultados muito fortes, empresas que haviam sido muito afetadas por restrições, lockdows, etc, que são a base da economia brasileira. Agora, com uma expectativa de maior vacinação da população e quando a ômicron começar a ceder, a expectativa é de que essa reabertura continue ajudando uma queda na taxa de desemprego. Gradualmente, a gente deve observar uma queda para mais próximo de 10% ou menos, voltando para casa de um dígito.
Mas, obviamente, com uma economia que não cresce este ano e que também vai crescer muito pouco no ano que vem, não é uma queda rápida.
Outra questão é a inflação. Quais as projeções?
A gente continua em um ambiente inflacionário. Esperamos um primeiro trimestre de inflação mais elevada, mas cedendo ao longo do ano. A projeção é de que ao final de 2022 ela já esteja em 5,2%. E temos algumas questões, somadas à economia que beira a recessão, que devem trazer essa inflação para baixo.
As chuvas e uma expectativa de que as bandeiras tarifárias comecem a melhorar ao longo desse ano, saindo do cenário de preço de energia elétrica extremamente elevado, por exemplo. E também o próprio efeito da política monetária.
Temos que lembrar que há um atraso de seis meses no impacto da política monetária sobre a inflação e a média da Selic ano passado foi muito baixa (ficou nos 2% por bastante tempo).
Medidas como a PEC dos combustíveis, que terá um impacto fiscal considerável, de R$ 65 bilhões em perda de arrecadação, e a PEC dos precatórios podem trazer, ainda, impactos adicionais?
Essa pressão da PEC dos combustíveis, provavelmente, não é a primeira nem a última que vamos observar. Ela vem muito na linha do que a gente vê com o cenário inflacionário que é mundial e, por isso, pressões que têm sido feitas, por vários setores da sociedade.
Essa pressão de inflação alta corrói a renda das famílias, isso está muito evidente e começa a aparecer em diversas frentes. Pressões sociais, de classes pedindo reajuste de salários porque os salários estão muito defasados. Toda vez que sobe preço de combustíveis fica aquela tensão: como os caminhoneiros vão reagir, se vai ter nova rodada de paralisação ou não.
Essas pressões vão todas em cima do governo para obter respostas. E as respostas estão indo na linha de desonerações, repasses... O governo obviamente tem feito escolhas de como responder. O problema é que o cobertor do fiscal está curto. O Brasil não tem excesso de arrecadação, continua com déficit primário desde 2014, não tem nenhum excesso; pelo contrário, continua gastando mais do que arrecada.
Os números fiscais no ano passado melhoraram, mas a expectativa do nosso time econômico é que eles voltem a piorar.
A nossa dívida/PIB continua super elevada, entre as mais altas nos mercados emergentes, e, com juros indo para 12% ela vai demorar mais a cair, porque você tem o serviço dessa dívida, os juros que você paga sobre ela vão ser muito elevados. Temos um aumento de serviço de juros de mais de R$ 300 bilhões por conta da alta da Selic. Tudo isso pesa bastante nas contas do governo.
Nosso time de economia tem uma projeção de dívida bruta/PIB em torno de 85% do PIB neste ano. Ano passado foi 80%. E para o ano que vem, subindo para 87%. Estima-se, então, resultado primário de 1% de déficit e quase a mesma coisa no ano que vem.
Significa que a dívida PIB continua subindo. Isso, do ponto de vista de mercado e de expectativas futuras do mercado, é preocupante. Por isso que a gente tem visto, enquanto a bolsa e o câmbio estão indo bem, o mercado de juros indo na outra direção.
É um cenário para ficar de olho porque em algum momento o Brasil vai ser cobrado pelos investidores a dar respostas e mostrar pelo menos uma trajetória de estabilização e queda futura na dinâmica da dívida. Principalmente se as commodities começarem a cair.
As eleições começaram a esquentar cedo este ano, com pré-candidatos bastante vocais, pesquisas saindo já em janeiro. Como as eleições devem mexer com os mercados e a economia? E mais, podemos ver um mercado tão tenso quanto às vésperas da eleição de 2002?
É um cenário diferente de 2002, quando a incerteza era muito grande sobre quais seriam as políticas econômicas caso Lula fosse eleito, havia a expectativa, por exemplo, de ele dar default na dívida, isso fez o risco Brasil disparar, o câmbio disparar. Agora, o mercado não está precificando esse cenário, o que não quer dizer que um cenário de maior volatilidade não possa ocorrer.
Em geral, anos de eleição são anos bem voláteis para os ativos brasileiros. Os três a seis meses anteriores à eleição a volatilidade tende a subir bem; depois da eleição, ela tende a ceder. Também dá para dizer que, hoje, o mercado não tem grandes incertezas sobre como seria a política futura como tinha na eleição de 2002.
Você afirmou que o mercado não espera rupturas no caminho da política econômica para os próximos anos. O que esperar, então de ajustes fiscais e das reformas?
Para os próximos anos, sem dúvidas, vai continuar sendo um debate muito relevante para o Brasil. Independentemente de quem ganhe, qualquer candidato que ganhe, principalmente Congresso, que tem cada vez um papel mais relevante no Brasil, vai ter que dar essas respostas.
Estamos indo para um cenário desafiador para o país, com juros de dois dígitos, inflação alta, economia patinando, desemprego alto. Tanto Executivo quanto Legislativo vão ter que endereçar esse ponto: iremos mesmo para uma agenda de gastos e da economia e pagar nossas contas desta forma, via crescimento econômico, ou iremos para uma agenda de reformas, de ajuste fiscal, tentar voltar a ter um superávit, reduzir o tamanho do Estado, reduzir os gastos? Qual o caminho?
Dificilmente qualquer candidato vai falar sobre isso durante as eleições porque isso não gera votos, mas sem dúvida o ajuste fiscal vai continuar um tema, principalmente dados o tamanho da nossa dívida e os nossos juros, ambos altos, uma combinação que não é muito saudável para a economia.