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Brasília – Cada vez mais desconfortável na equipe econômica por conta dos rumos do pacote fiscal que está sendo preparado pelo governo, o secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, deixou o cargo ontem pela manhã. A sua saída já era dada como certa, mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, preferiu fazer o anúncio somente no último dia útil do ano para não provocar especulação no mercado financeiro. Mantega nomeou o secretário-adjunto do Tesouro, Tarcísio Godoy, interinamente, para o cargo. Godoy é responsável há cinco anos pela área que cuida do caixa do Tesouro.

A demissão de Kawall deixou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, isolado na equipe de Mantega como principal representante da ala defensora de um ajuste fiscal mais rigoroso, o que aumenta a desconfiança dos analistas do mercado no futuro da política fiscal no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com Kawall fora do governo cresceram as especulações em torno da saída de Appy.

Apesar de ter um viés mais desenvolvimentista – diferentemente do antecessor ultrafiscalista Joaquim Levy –, Kawall defendia a necessidade de o governo impor limites rígidos para o crescimento do gasto público, posição que perdeu força junto a Lula nas discussões sobre o pacote.

"O cargo muda a pessoa", disse uma fonte do governo, numa referência à postura mais conservadora adotada por Kawall depois que deixou, há nove meses, a diretoria financeira do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para assumir o Tesouro, quando Mantega substituiu Antonio Palocci no Ministério da Fazenda.

Na carta de demissão endereçada a Mantega e divulgada hoje pelo Ministério da Fazenda, Kawall alega razões estritamente pessoais para o pedido de demissão. No documento, trata o ministro Guido Mantega com intimidade, chamando-o várias vezes de "você" e ressalta que deixa o governo sem inimizades, seja com o ministro ou com outros integrantes do governo. "Sabemos que esta interpretação é infundada e inverídica, somente podendo prosperar na mente dos que (ainda que legitimamente) fazem oposição ao governo, ou daqueles que implicitamente acreditam que quem está em um cargo público não tem vida pessoal", afirma.

Na tentativa de dirimir as vinculações de sua saída à divergência no ministério, o secretário defende na carta a política fiscal do governo e afirma que está otimista com o país. "Por isso, quero reafirmar de público meu apoio à condução da política econômica do governo e, em particular, a sua política fiscal e de dívida pública, que devem contribuir para que nossa classificação de risco mantenha-se em ascensão, devendo inevitavelmente nos conduzir, no horizonte do próximo governo, ao grau de investimento", ressalta, alegando ter feito um acordo com Mantega para sair no fim do ano, independentemente do resultado das eleições.

Embora os motivos pessoais tenham realmente pesado na sua decisão, o secretário enfrentava dificuldades para emplacar medidas mais duras de controle de gastos. Previsibilidade e qualidade das despesas eram consideradas por ele condições essenciais para garantir uma trajetória fiscal saudável, capaz de levar o Brasil a receber, num futuro próximo, o chamado "grau de investimento" pelas agências internacionais de classificação de risco.

Kawall estava empenhado em incluir no pacote regras claras de contenção do aumento das despesas, sobretudo de pessoal. Também defendia mudanças na vinculação dos gastos com saúde, matéria controversa que exige alteração constitucional. Nas discussões sobre o salário mínimo, defendeu um reajuste menor do que acabou ocorrendo.

O secretário já havia comunicado a assessores, há pelo menos três semanas, que deixaria o cargo no final do ano.

Wall Street

A saída de Kawall é avaliada pelos analistas em Wall Street como uma ocorrência negativa para a perspectiva da disciplina fiscal no segundo mandato de Lula. O fato inevitavelmente reaviva especulações que também circundaram anteriormente a permanência de Bernard Appy. "Este, sem dúvida, não foi um bom presente de fim de ano para o Brasil", disse um estrategista para mercados emergentes de um banco dos EUA.

O anúncio feito no último dia útil do ano pegou o mercado esvaziado, sendo que em Nova Iorque o mercado de títulos fecha mais cedo em virtude das celebrações de Ano Novo, e, desta forma, reações mais fortes no mercado doméstico ou nos papéis da dívida brasileira à saída do secretário devem vir nos primeiros dias úteis de 2007, estima o estrategista. "A saída não é uma coisa boa. O Kawall vinha trabalhando para colocar uma pausa no aumento de despesas", observa John Welch, vice-presidente do Lehman Brothers.

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