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Em um ano marcado pela crise causada pela Covid-19, o mercado formal de trabalho foi menos afetado do que o esperado. A perda de empregos no acumulado deste ano está bem menor que a registrada em 2015 e 2016, quando o país estava em recessão. Até recordes na geração de vagas foram batidos em meses deste segundo semestre, em um sinal de retomada do mercado com carteira assinada após a pandemia.
Segundo dados ajustados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o Brasil fechou 171,1 mil vagas formais de trabalho de janeiro a outubro deste ano, fruto de 12.231.462 admissões e 12.402.601 desligamentos no período. Foi o pior resultado desde 2016, mas ainda assim bem melhor que o computado naquele ano, quando o país perdeu 751,8 mil vagas de janeiro a outubro. Em 2015, o tombo foi ainda pior: fechamento de 818,9 mil postos de trabalho no período.
O resultado do acumulado do ano de 2020 é influenciado diretamente pela pandemia de Covid-19. Depois de começar o ano com geração de vagas, o país perdeu 1,6 milhão de empregos de março a junho, quando muitos estados e municípios adotaram medidas de isolamento social para conter o avanço do vírus. O pior mês foi o de abril, com a destruição de 942,8 mil postos de trabalho.
Mas, a partir de julho, o Brasil voltou a gerar empregos, ao criar 139,2 mil postos de trabalho, o melhor resultado para o mês desde 2012. A partir daí, o país não parou de gerar vagas e bater recordes.
Em agosto, foram abertos 243,2 mil empregos com carteira assinada, melhor resultado para o mês em dez anos. Em seguida, 311,5 mil vagas, no melhor setembro desde o início da série histórica do antigo Caged, em 1992. Em outubro, um novo recorde: criação de 395 mil vagas, melhor resultado para um mês em toda a série.
Os dados consideram ajustes declarados pelas empresas neste ano. O resultado do Caged de novembro será divulgado nesta quarta (22). O dado do fechamento do ano será revelado apenas no fim de janeiro.
O que explica os resultados do mercado formal de trabalho
Mesmo sem os números de novembro e dezembro, as projeções indicam que a perda de vagas no ano de 2020 deve ser menor do que a esperada no começo da crise e bastante inferior às registradas durante a recessão de 2015 e 2016. Quatro fatores podem explicar – em maior ou menor grau – esse resultado, segundo especialistas em mercado de trabalho consultados pela Gazeta do Povo.
Um desses fatores é o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm). Ele foi criado pelo governo em abril e permitiu que as empresas suspendessem temporariamente o contrato de trabalho dos seus funcionários ou reduzissem em até 75% a jornada e o salário. O objetivo foi preservar empregos, dando uma alternativa à demissão.
Segundo o Ministério da Economia, 9,8 milhões de trabalhadores foram atingidos pela medida, tendo seus empregos preservados. A adesão ao programa prevê período de estabilidade para o trabalhador durante e após a suspensão ou redução do salário. Quase 1,5 milhão de empresas fecharam acordos pelo BEm.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que o BEm foi o programa mais bem-sucedido do governo, pois além de preservar quase 10 milhões de empregos, custou “apenas” R$ 32 bilhões. Os trabalhadores atingidos pela medida receberam um auxílio do governo para compensar a redução da renda. Para efeito de comparação, a despesa com o auxílio emergencial já está em quase R$ 300 bilhões.
O economista Bruno Ottoni, pesquisador do IDados, lembra que os desligamentos registrados ao longo de 2020 caíram abaixo do que era a média histórica, o que pode estar relacionado ao programa. “Ele pode ter afetado de forma expressiva os saldos do Caged, em especial das demissões, porque chegou a contemplar 9,8 milhões de pessoas que tiveram a garantia de estabilidade nos seus empregos.”
Economista-chefe da Fecomércio-RS e professora de Economia da ESPM Porto Alegre, Patrícia Palermo também diz que o BEm conseguiu segurar as demissões neste ano. “O BEm foi extremamente importante pra proteger emprego formal num cenário em que houve muitas limitações do poder público sobre a atividade econômica”, afirma.
De janeiro a outubro, foram computadas 12,4 milhões de demissões. No mesmo período de 2019, um ano sem crise, foram quase 13 milhões (12,98 milhões). Ou seja, mesmo em meio à pandemia da Covid-19, as demissões caíram 4,5% em 2020 na comparação com 2019.
Além do BEm, Patrícia Palermo cita que janeiro e fevereiro foram meses muito bons para a geração de vagas, o que ajuda no saldo do acumulado do ano. Nos dois primeiros meses de 2020 foram criadas 340 mil vagas, número 44% maior que o de 236 mil postos com carteira assinada criados em janeiro e fevereiro de 2019. “2020 era um ano que começou prometendo uma forte geração de vagas, mas infelizmente fomos atropelados pela pandemia”, comenta a economista e professora.
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Mudança de metodologia dificulta comparação com anos anteriores
Outro fator que pode contribuir para os números deste ano é a quebra de metodologia. As informações que precisam ser prestadas pelo empregador ao governo federal passaram a ser feitas pelo sistema chamado de e-Social. Trata-se de uma nova base de prestação de informações e com novas obrigações. É do e-Social que passarão a ser colhidos os dados do Caged neste ano. Como houve uma mudança de base, Ottoni afirma que a comparação das informações de 2020 com os anos anteriores fica prejudicada. “É como comparar maçãs com bananas.”
Mas isso não quer dizer que a mudança foi para pior. O pesquisador do IDados explica que mais empresas estão prestando informações no e-Social do que no sistema antigo, já que as sanções são mais severas. No e-Social também é obrigatório que todas as empresas informem contratos de trabalho temporários. “É possível que os dados antigos tenham mais omissões e que os dados informados agora estejam mais completos”, argumenta Ottoni.
A última hipótese que pode explicar o desempenho relativamente bom do Caged neste ano é uma subnotificação das demissões. Essa tese foi levantada por Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV. Ele observou um desalinhamento entre o Caged e demais dados sobre mercado de trabalho, como pedidos de seguro-desemprego e taxas de desemprego medidos pela Pnad e Pnad Contínua, do IBGE.
“O que me parece é que houve um pico de subnotificação de demissões no período do auge da crise, em abril, maio e junho. Até porque havia um número menor de empresas reportando esse tipo de notificação do que o observado na série histórica”, explica Duque.
Esse mesmo fenômeno da subnotificação teria acontecido em 2015 e 2016, durante a última recessão econômica. A hipótese trabalhada pelo pesquisador é que muitas empresas acabam fechando durante a crise, mas não informam ou só informam meses depois as demissões ao governo federal.
O que esperar do consolidado de 2020 e 2021
Independentemente dos motivos para o desempenho do mercado de trabalho, o ministro Paulo Guedes acredita que é viável ficar ainda melhor. Ele tem dito publicamente que é “perfeitamente possível” terminar o ano com zero perda de empregos formais.
"Nessa recessão, que veio de fora, que nos jogou no fundo do poço, nós não perdemos o rumo, nos levantamos e estamos criando empregos com alta velocidade. Podemos chegar ao fim do ano com zero de perda de empregos no mercado formal", projetou Guedes. "Se terminarmos o ano com zero perda de empregos formais, terá sido um ano histórico para a economia brasileira", completou, na última coletiva do Caged.
Os três especialistas consultados pela Gazeta do Povo afirmam que a expectativa do ministro não deve ser confirmada. “A tendência é de que o resultado de novembro venha positivo. Mas dezembro costuma ter muita demissão. Também é esperado o registro de muitas notificações atrasadas de desligamento [com demissões que possivelmente ocorreram em meses anteriores mas não foram informadas até o momento]. Então acho muito difícil acabar no zero a zero”, afirma Duque.
Bruno Ottoni trabalha com a possibilidade de uma perda de vagas de 400 mil a 500 mil empregos em dezembro, o que faria o acumulado do ano, mesmo com resultado positivo em novembro, ficar negativo.
Para 2021, os especialistas também consideram que o país pode começar o ano fechando vagas, em virtude da sazonalidade e do fim do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Um agravante seria uma segunda onda de medidas restritivas para controle do vírus. “Se esse cenário de limitações do poder público sobre a atividade econômica se repetir e não houver programa de emprego em 2021, certamente haverá mais demissões”, afirma Patrícia Palermo.