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Mercado de capitais espera recuperação após queda de 2022, mas governo e juros preocupam

Mercado bolsa de valores
Após uma queda de 57% em 2022, mercado prevê um desempenho melhor na captação de recursos via bolsa de valores em 2023. (Foto: Gustavo Scatena/divulgação B3)

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Sinais de preocupação da equipe econômica do governo com o ajuste fiscal – apesar da incerteza sobre os resultados – e um maior interesse do investidor estrangeiro podem ajudar o mercado brasileiro de capitais a ter um desempenho melhor em 2023. Por outro lado, declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra o equilíbrio das contas públicas e o crescimento das apostas de que a taxa básica de juros (Selic) permanecerá alta até o fim do ano põem algumas nuvens nesse horizonte.

O número de fusões, aquisições e negociações na bolsa de valores ao longo de 2022 despencou na comparação com o ano anterior. Não apenas pela preocupação dos investidores com a eleição, mas também pelos efeitos dos lockdowns anti-Covid na China e da invasão da Ucrânia pela Rússia – que fizeram a inflação disparar em todo o mundo, contribuindo para uma escalada na taxa de juros em vários países.

Para reduzir a exposição ao risco, investidores passaram a evitar a renda variável e apostar na renda fixa, como mostram os mais recentes relatórios de consultorias como KPMG e Kroll e da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Apesar de alguma diferença entre os números apurados, os relatórios apontam que as atividades do mercado de capitais diminuíram drasticamente em 2022. Não houve abertura de capital (IPO) e ocorreram 18 emissões adicionais de papéis (follow-ons) na B3, o que permitiu às empresas captar R$ 55 bilhões. O valor foi 57% menor que o de 2021, quando foram movimentados R$ 128 bilhões em 50 IPOs e 26 follow-ons.

Por outro lado, a quantidade de empresas se fundindo com outras ou mesmo adquirindo novas operações para ampliar mercado e se manter relevantes teve o segundo melhor ano da série histórica, somando 1.728 transações. Foi um número apenas 12% menor que o de 2021, quando foi atingido o recorde de 1.963 operações segundo a KPMG.

Em ambos os segmentos do mercado de capitais (ações na bolsa e fusões e aquisições), as operações começaram 2022 com boas perspectivas, mas que acabaram se desvanecendo com a piora do cenário econômico internacional e o aumento das incertezas de médio e longo prazo no cenário econômico local, em especial no segundo semestre, explica Luis Motta, sócio-líder da área de fusões e aquisições da KPMG.

Alexandre Pierantoni, head de corporate finance da Kroll no Brasil, explica que esse cenário de incertezas – aqui e no resto do mundo – deixou os investidores mais seletivos e o mercado, mais restritivo a novas operações.

“O mercado em si só aceitou aquelas empresas mais resilientes que já estavam em operação, principalmente no setor de infraestrutura. E, entre as fusões e aquisições, as negociações cresceram para os negócios se capitalizarem, ampliarem a quantidade de serviços oferecidos e estarem presentes em toda a cadeia de consumo", diz Pierantoni.

Veja como foi o desempenho total do mercado de capitais em 2022:

José Eduardo Laloni, vice-presidente da Anbima e presidente do Fórum de Estruturação de Mercado de Capitais, diz que houve um “movimento sincronizado de dificuldade de emissão de renda variável, com a inflação resistindo mesmo com o aperto monetário feito pelos países”.

Por aqui, as emissões secundárias de ações responderam por quase a totalidade das atividades da bolsa, somando R$ 54,6 bilhões ao longo de 2022. E a maior parte desse valor veio da Eletrobras, que foi privatizada por R$ 33,6 bilhões.

“Do ponto de vista de mercado, [a Eletrobras] criou um player diferente com a possibilidade de crescimento de uma empresa que era pública e agora passa a ter uma outra configuração de gestão e de governança”, afirma Laloni.

A Anbima diz que o mercado de renda variável como um todo despencou ao longo de 2021, com queda também de 40,4% nos títulos híbridos, como notas promissórias e fundos de investimento imobiliário, com R$ 87 bilhões emitidos.

Por outro lado, os títulos de renda fixa como CRIs e CRAs (Certificados de Recebíveis Imobiliários e do Agronegócio) e debêntures cresceram 6,6%, somando R$ 457 bilhões no ano.

Analistas veem mais otimismo em 2023. Mas há ressalvas

Para Pierantoni, da Kroll, o cenário em geral é mais otimista do que se viu anteriormente, com o Brasil sinalizando uma melhor economia para o mundo a partir de um desempenho mais estável da bolsa de valores e do câmbio.

Outro indicativo positivo para o mercado, avalia, é a estabilidade no relacionamento entre os três Poderes da República, principalmente após os ataques de 8 de janeiro às sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário em Brasília.

“A expectativa é de que com algumas nuvens limpando no horizonte, a gente deve ter um 2023 um pouco melhor”, completa Guilherme Maranhão, vice-presidente do Fórum de Estruturação de Mercado de Capitais.

Por outro lado, William May, um dos sócios da L6 Capital Partners, ressalva que há correções a serem feitas pela equipe econômica do novo governo, como um indicativo de controle maior nas contas públicas e um discurso mais uniforme.

Nas últimas semanas, declarações de preocupação com o déficit público vindas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foram contrabalançadas por falas em contrário do presidente Lula. O presidente do Executivo também vem atacando as metas de inflação e a independência do Banco Central, o que não costuma ser bem recebido por investidores.

Outro fator que pode inspirar cautela no mercado de capitais é o rumo dos juros. Após a primeira reunião de 2023, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central indicou que a taxa básica (Selic) pode continuar alta até o fim do ano – o que tende a manter o interesse por títulos de renda fixa, além de piorar as perspectivas para o consumo e o Produto Interno Bruto (PIB).

O Brasil como alternativa de investimento

Embora o presidente Lula já tenha batido o martelo de que não haverá mais privatizações, os investidores estão de olho em concessões nos estados, como rodovias, ferrovias e aeroportos, e também em infraestrutura de energia e saneamento e políticas ambientalmente sustentáveis.

A participação dos ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Marina Silva, do Meio Ambiente, no Fórum Econômico Mundial de Davos indicou também um compromisso com investimentos voltados à economia verde, o que é bem visto lá fora.

“Temos que aproveitar esse crescimento em temas como o ESG, que temos que liderar. E isso vai ser uma virada de chave, onde vamos puxar credibilidade e recursos para o país, para todos os setores”, diz Pierantoni, da Kroll.

José Eduardo Laloni, da Anbima, ressalta que a preocupação dos investidores com as políticas de ESG nos negócios será a grande tônica do mercado neste ano, em um movimento que começou ainda em 2022 e tende a crescer.

Para ele, há um importante trabalho a ser feito para que “o mercado de capitais faça emissões mais alinhadas ao que o investidor está pedindo, e não só ele, mas nós como sociedade”.

Outro fator que pode tornar o país mais atraente para o mercado internacional é a adoção de medidas de melhoria no ambiente de negócios mais alinhadas aos princípios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A entrada em vigor do Novo Marco Legal do Mercado de Câmbio, nos últimos dias de 2022, reforça a intenção brasileira de se reposicionar como um player global importante que vai além da economia verde, simplificando e reduzindo custos para as operações com moeda estrangeira.

Além disso, o cenário de recessão que já vem se configurando nos Estados Unidos e em países da Europa pode ser vantajoso para o Brasil, segundo William May, da L6 Capital Partners. “Estamos vendo resultados ruins nos Estados Unidos e na Europa, inflação, dívida alta, tudo isso influencia também aqui dentro. Estamos vendo os investidores mais confiantes [em investir] aqui”, afirma.

Na projeção dos analistas, essa combinação sugere melhores negócios neste ano, com a continuidade do volume de fusões e aquisições visto no ano passado – possivelmente batendo mais um recorde – e a retomada da abertura de capital na bolsa de valores. A Kroll projeta entre 20 e 30 IPOs e follow-ons, gerando de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões em receitas “que serão usadas também para novas fusões e aquisições”, diz Pierantoni.

A consultoria e a L6 Capital Partners projetam que os maiores movimentos de captação de recursos serão voltados principalmente às empresas mais maduras e bem estruturadas que atuam no mercado, com destaque para toda a cadeia do agronegócio, infraestrutura logística, energia renovável, finanças, educação e saúde.

“Na curva do ano, mais para o terceiro e quatro trimestres, com tudo performando conforme estamos projetando, teremos também os setores associados ao consumo, com a recuperação da economia como um todo. Produtos de consumo duráveis e não duráveis, embalagens, voltam entre o segundo semestre e o começo de 2024 a entrar nessa curva positiva”, arremata o executivo da Kroll Brasil.

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