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A desoneração gradativa do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em transações de câmbio pode estar em risco com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência da República, na avaliação de agentes do mercado financeiro. Mesmo que o corte do imposto seja mantido, existe o temor de que outro tributo seja elevado para compensar a perda de arrecadação.
Decretos do presidente Jair Bolsonaro (PL) – um de março e outro de julho – estabeleceram que as alíquotas do IOF sobre as operações com moeda estrangeira de empresas e pessoas físicas serão zeradas até 2029. A medida é uma das condicionantes para o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). "O objetivo é alinhar o Brasil ao disposto no Código de Liberalização de Capitais da OCDE, ao qual estamos em processo de adesão", informou o Ministério da Economia na época.
Na avaliação de empresários e operadores, a desoneração do IOF sobre as operações de câmbio representaria uma perda de arrecadação significativa, principalmente num contexto de aperto nas contas públicas.
Segundo o Ministério da Economia, a desoneração gradativa do IOF sobre operações com câmbio vai tirar dos cofres públicos cerca de R$ 4,7 bilhões nos próximos quatro anos – serão R$ 500 milhões em 2023, R$ 900 milhões em 2024, R$ 1,4 bilhão em 2025 e R$ 1,9 bilhão em 2026, quando haverá nova eleição presidencial. O impacto aumenta nos anos seguintes: de 2027 a 2029, o impacto sobre a arrecadação somará R$ 14,4 bilhões.
Alterações no IOF costumam ser feitas por decreto, e anteriormente alíquotas do tributo foram modificadas para atender a necessidades pontuais do governo. Um exemplo: em setembro de 2021, o IOF sobre operações de crédito foi elevado por tempo determinado – pouco mais de três meses – a fim de garantir a fonte de recursos para a ampliação do Auxílio Brasil naquele ano.
Embora a equipe de transição ainda não tenha dado nenhum sinal de que pode mexer neste compromisso firmado com a OCDE, o empresário Micael Martins, sócio e responsável pela área de produtos da Frente Corretora de Câmbio, diz que o mercado está atento a isso.
“Sempre que há uma troca de governo surge esse temor de quais serão as mudanças na política fiscal do país. Porém, quando se fala de um modelo diferente [de gestão], gera aquele receio de ‘será que o novo governo vai armar outras maneiras de tributar? Medidas que já estão previstas para que se tenha redução da alíquota, elas vão continuar? Os prazos ainda serão cumpridos?’ Obviamente, é muito difícil de que isso seja mudado, pois a burocracia seria muito grande, mas, há sim o receio”, diz.
Quatro faixas de incidência do IOF cambial são abrangidas pelos decretos:
- Operações de ingresso e saída de recursos estrangeiros de curto prazo (até 180 dias), hoje taxadas em 6%, terão desoneração total a partir de 2023;
- Transações com cartões de crédito e débito, cheques de viagem e cartões pré-pagos internacionais, que hoje têm alíquota de 6,38%, vão diminuir 1 ponto porcentual a cada ano até 2027, zerando em 2028;
- Operações de aquisição de moeda estrangeira à vista no Brasil e para transferência de recursos de residentes no país para disponibilidade no exterior, hoje com tributo de 1,1%, serão zeradas em 2028;
- Demais operações de câmbio, com tributação de 0,38% atualmente, passarão a ser isentas de IOF a partir de 2029.
Novo imposto poderia ser proposto para cobrir a desoneração do IOF
Segundo Martins, da Frente Corretora, há dúvida sobre como o governo vai cobrir os valores que deixarão de ser arrecadados nos próximos quatro anos com o corte gradativo do IOF sobre operações cambiais.
"Há um receio. Pode ser que ele não mude essa medida que já foi tomada, mas pode criar outra, como um novo tributo, uma taxação de alguma outra coisa que poderia influenciar neste mercado todo. Pode ser que não mexa em nada do que foi firmado com a OCDE, mas que mude algo no Imposto de Renda ou coisas do gênero", comenta.
A visão é compartilhada em parte por Igor Lucena, economista, professor e pesquisador em desenvolvimento econômico e comércio internacional. Segundo ele, esse temor do mercado realmente existe, mas é algo que dificilmente será feito pela equipe de transição.
O economista acredita que revogar a desoneração gradativa do IOF das operações com moeda estrangeira levaria o país a um distanciamento da OCDE, o “clube dos ricos” de que o país pleiteia fazer parte. E iria até mesmo contra uma visão do presidente eleito, de tornar o Brasil ainda mais aberto ao comércio internacional.
“A revogação seria muito prejudicial e o ganho financeiro na prática é menor do que os ganhos futuros de um alinhamento com a OCDE em relação à convergência de taxa de juros, certificação para empréstimo de longo prazo mais estruturado, etc”, diz, ressaltando que a equipe de transição não sinalizou nenhuma medida sobre isso.
No último sábado (26), o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) disse a empresários e autoridades que o novo governo não vai mexer em nenhuma das reformas que já foram realizadas no país.
Reforma tributária para compensar queda de arrecadação
Além da desoneração do IOF no mercado de câmbio para se igualar às outras nações que fazem parte da OCDE, o economista Igor Lucena explica que o novo governo precisará tocar adiante a reforma tributária, que deve dar mais segurança e confiança para os investimentos estrangeiros no Brasil.
“Já escutei vários agentes e interlocutores dizendo que o presidente Lula tem uma visão de que deve ser trabalhada a reforma tributária que já está mais avançada na Câmara dos Deputados, a do economista Bernard Appy [cujas ideias inspiraram a PEC 45/2019]. É muito mais importante resolver este problema do que, de fato, uma revogação do IOF em que os ganhos serão muito pequenos”, analisa.
A desoneração do IOF do mercado de câmbio é uma das medidas para simplificar e tornar a economia brasileira mais competitiva, e que se soma ao novo marco cambial que entra em vigor em 2023. O marco substitui a legislação anterior, de 1935, e é visto por especialistas como uma “revolução” nesse mercado, por desburocratizar as operações com moeda estrangeira no país.
Igor Lucena vê na medida mais um passo para aproximar o Brasil dos países desenvolvidos, tornando as operações cambiais mais simples para o cidadão comum e às empresas. “Revogar o IOF seria voltar atrás em compromissos que já começaram a ser firmados com a OCDE há anos, deixando uma visão muito negativa do Brasil do ponto de vista estrutural para o mundo”, completa.