Depois de 24 anos e 48 cúpulas, o Mercosul pode finalmente começar a tirar do papel o artigo primeiro da declaração que formou o bloco como uma zona “de livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países”. Depois de meses de pressão dos governos de Paraguai e Uruguai, o bloco aprovou na sexta-feira (17) um plano de trabalho, proposto pelos dois países, para levantar todas as barreiras, alfandegárias ou não, que ainda existem dentro do que deveria ser uma zona de livre-comércio.
Menores economias do Mercosul - e diretamente prejudicados por medidas protecionistas do Brasil e da Argentina -, Paraguai e Uruguai decidiram se unir para pressionar por um avanço nas relações econômicas. Aproveitando a presidência pro tempore paraguaia, os dois países queriam eliminar todas as barreiras nos próximos seis meses, mas foram convencidos de que o prazo era muito curto e seria necessário primeiro fazer um levantamento de tudo que atrapalha a circulação de bens na região.
Uma proposta mais suave ganhou o apoio do Brasil, que também reclama dos limites impostos pela Argentina nas importações. Em seu discurso, a presidente Dilma Rousseff defendeu o fim das barreiras, mesmo sem citar diretamente a Argentina. “A crise econômica não pode ser razão para criarmos barreiras entre nós. Pelo contrário, deve reforçar nossa integração”, afirmou a presidente.
A maior barreira hoje é a Declaração Jurada de Importação Antecipada (DJAI), criada em 2012 pelo governo de Cristina Kirchner para controlar a saída de divisas do país e que pode segurar a autorização de importação por vários meses. No início deste ano, depois de queixas da Europa e dos Estados Unidos, a Organização Mundial do Comércio (OMC) declarou que a DJAI fere suas normas, mas não estabeleceu sanções.
Uruguai e Paraguai têm sofrido fortemente os efeitos das crises econômicas que afetam o Brasil e a Argentina. Com os brasileiros, no entanto, o comércio continua crescendo. Com os argentinos, reduziram consideravelmente. De 2013 a 2014 as importações do Paraguai caíram US$ 45 milhões, quase 10%. Nos primeiros meses deste ano, a tendência se mantém. Com o Uruguai, os números são ainda piores: uma queda de US$ 87 milhões entre 2013 e 2014. O Brasil também sofre com a crise e a imposição de barreiras da Argentina, mas com a economia maior e mais poder de barganha, não é tão severamente afetado como os dois vizinhos menores.
“Continuamos empenhados em consolidar a união aduaneira. É preciso reconhecer que a crise gera desafios importantes para a economia da região. É importante que as regras do Mercosul se mantenham flexíveis”, disse Dilma.
A flexibilidade das regras de que trata a presidente é a decisão tomada pelo bloco de renovar de uma vez só as exceções à Tarifa Externa do Mercosul até 2021 para Brasil e Argentina e 2023 para Paraguai e Uruguai, além de renovar o regime especial para uruguaios e paraguaios, o que permite aos dois países terem mais tempo para ampliar o porcentual de nacionalização dos produtos fabricados por eles.
Outra da decisão foi a renovação por mais 10 anos do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, que financia obras de infraestrutura na região. Como mostrou o Estado, o Brasil, maior contribuinte, com US$ 70 milhões anuais, advogava a renovação, apesar de ter um débito de mais de US$ 120 milhões com o fundo. A renovação foi comemorada.