Baixadas as restrições de combate à pandemia da Covid-19, que levaram a China a dois anos de fraco crescimento (2020 e 2022), as expectativas são de retomada da expansão da economia. Depois de um incremento de 3% do PIB no ano passado, a intenção é de crescer em torno de 5% neste ano. Analistas apontam que essas expectativas podem ser modestas: o Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, projeta uma expansão um pouco maior, de 5,2%.
Para o Brasil, as características da economia chinesa neste momento parecem apontar para um ano promissor para o agronegócio, que já é o principal setor exportador para o país asiático, e mais incerto para commodities minerais e energéticas, dada a perda de tração do setor imobiliário chinês.
Li Keqiang, primeiro-ministro que está de saída, encaminhou na sexta-feira (3) um relatório ao Congresso Nacional do Povo, parlamento chinês controlado pelo Partido Comunista, sinalizando para metas conservadoras de crescimento. Nos últimos 40 anos, o país cresceu, em média, 9,2% ao ano, de acordo com o FMI.
Segundo Richard Tang, analista do banco suíço Julius Baer para a Ásia, as metas fixadas implicam dizer que não haverá fortes estímulos monetários ou fiscais, o que já era esperado. “Comparado ao relatório anterior, este parece estar mais focado nas realizações dos últimos cinco anos e tem menos conteúdo voltado para políticas daqui para a frente. Acreditamos que políticas mais detalhadas serão anunciadas após a formação do novo governo”, diz.
Ele ressalta que o relatório de Keqiang segue em linha com a Conferência Central de Trabalho sobre a Economia, realizada em dezembro, na qual foi definido que será dada ênfase ao consumo doméstico.
Jacqueline Rong, economista do BNP Paribas para a China, disse à Bloomberg que os efeitos indiretos positivos, comparados aos ciclos anteriores de recuperação do país, deverão diminuir um pouco, devido à dependência dos consumidores para alimentar a economia e à relutância em estimular o crescimento por meio de setores intensivos em commodities, como infraestrutura e imobiliário.
Zhang Zhiwei, economista-chefe da Pinpoint Asset Management, afirmou, também à Bloomberg, que a meta do PIB deve ser encarada como um piso, o que pode fazer com que o crescimento seja maior do que a meta.
Como o desempenho da economia da China em 2023 pode afetar o Brasil
Mesmo com a perda de ritmo no crescimento da segunda maior economia global em 2022, as exportações brasileiras para a China atingiram níveis recordes: foram vendidos US$ 89,7 bilhões, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). É uma expansão de 2,1% em relação ao ano anterior e o maior nível da série histórica, iniciada em 1997.
No primeiro bimestre de 2023, porém, houve uma queda de 4,9% nas importações chinesas de produtos e mercadorias brasileiras. Segundo a Secretaria de Comércio Exterior, os negócios foram de US$ 10,2 bilhões. A redução reflete um movimento de desaceleração no comércio exterior chinês, refletindo, segundo a XP Investimentos, a menor demanda global em meio a condições financeiras mais apertadas e preços de commodities mais baixos.
A queda nas importações chinesas de todos os países foi mais forte no período, de 10,2%. A economista Sophie Altermatt, do Julius Baer, diz que essa retração geral está relacionada a uma demanda interna ainda lenta no país asiático, já que a recuperação começou há pouco e por ora está mais orientada para o consumo interno de serviços.
O diretor de gestão de investimentos da Nova Futura, Pedro Paulo Silveira, diz que o mercado tem sido um pouco mais cauteloso em relação aos efeitos da recuperação chinesa após a flexibilização das medidas sanitárias.
“Podemos ver isso nos preços das matérias-primas, que interromperam a alta que vinham fazendo há algumas semanas. De qualquer forma, os preços internacionais de commodities ainda estão em patamares atrativos e permitem que sejamos otimistas em relação ao ano. A nova safra e as exportações de minérios serão beneficiadas pelos preços e isso deve impulsionar esses setores”, avalia.
Silveira acredita que o relacionamento entre Brasil e China deve continuar forte. Segundo ele, do lado das nossas importações, o crescimento deverá depender da taxa de expansão do PIB brasileiro. “Não há sinal de que a corrente de comércio Brasil-China sofra qualquer restrição por conta de eventos geopolíticos”, diz. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem viagem marcada para a China no fim do mês.
O Brasil também pode ser impactado pela mudança no perfil do crescimento chinês, destaca Heitor Paiva, analista do hEDGEpoint Global Markets. A expansão da China está mais orientada ao setor de serviços que ao da construção civil, que responde por 30% do PIB do gigante asiático. No quarto trimestre, atividades relacionadas aos serviços tiveram forte crescimento. O PIB do setor financeiro cresceu 5,9% em comparação com igual época do ano anterior e o de software e serviços de tecnologia, 10%.
O setor imobiliário, por sua vez, encolheu 7,2% no comparativo entre os últimos trimestres de 2021 e 2022, o que pode ter implicações para a economia brasileira. “Pode implicar em uma menor demanda de commodities minerais e energéticas, como é o caso do minério de ferro e do petróleo, dois importantes produtos na pauta de exportações brasileira”, diz Paiva.
Outros fatores também pesam para a postura mais cautelosa, diz o presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Entre eles estão:
- problemas decorrentes da Covid, como o surgimento de novos casos;
- as tensões com os Estados Unidos, que ganharam força com a derrubada de um balão chinês na costa Leste norte-americana, no início de fevereiro;
- a revisão nas cadeias globais de suprimentos, de modo a reduzir a dependência de produtos chineses.
Outra questão a ser monitorada é o desemprego entre a população jovem, que permanece elevado e pode prejudicar o crescimento do consumo nos próximos meses, segundo Alef Dias, analista de macroeconomia e grãos da hEDGEpoint Global Markets. “Alguma volatilidade nos dados econômicos da China pode ser observada nos próximos meses e não pode ser vista como total surpresa, ainda que o quadro geral continue muito positivo.”
Mesmo assim, o diretor de comércio exterior da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra), Arno Gleisner, espera que, com a retomada da economia chinesa, haja maior participação do país asiático na pauta de exportações brasileira. No ano passado, a fatia foi de 26,8% de acordo, com dados da Secex – o menor nível desde 2017.
Agronegócio do Brasil pode continuar brilhando com demanda da China
O agronegócio pode continuar tendo boas oportunidades no país asiático, avalia Castro, da AEB. E uma das principais está na soja, cujos negócios foram beneficiados no ano passado pelos bons preços. O volume vendido foi 11,3% menor, mas a receita aumentou 16,8%, em comparação com 2021, apontam dados da Secex.
Dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) apontam que a China pode importar 96 milhões de toneladas neste ano, 4,8% mais que no ano anterior.
“A China vem consolidando seu rebanho suíno em níveis altos, embora recentemente o governo tenha dado sinais de não estar confortável com o excesso de oferta. Todavia, o consumo de ração tem se mantido forte”, complementam os analistas Alef Dias e Pedro Schicchi, da hEDGEpoint.
O USDA aponta que a produção global de soja nesta safra deve ser 1,3% menor, devido a colheitas menores na Argentina, afetada pelos problemas climáticos e pela redução na área plantada, e na Ucrânia, por causa da guerra.
“As exportações globais de soja vão permanecer estáveis, com menos vendas por parte da Argentina compensadas por maiores carregamentos do Paraguai e do Brasil”, apontam analistas do departamento norte-americano, em relatório.
Boas oportunidades também podem surgir para o milho. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), braço do Ministério do Planejamento, o cereal poderá ter maior participação nas exportações, em decorrência de acordo assinado com a China e a perspectiva de os chineses diversificarem os fornecedores.
O déficit interno do cereal na China é crescente e devido aos problemas enfrentados por seus principais fornecedores, como os Estados Unidos e a Ucrânia, a China incluiu o Brasil na sua lista de importadores. “Isto poderia deslocar cerca de 4 a 6 milhões de toneladas de milho das origens tradicionais da China”, apontam Dias e Schicchi, em relatório.
As compras de milho brasileiro por parte da China, que foram insignificantes no primeiro bimestre de 2022, já atingiram US$ 293,1 milhões no mesmo período de 2023, aponta a Secex.
“Com a demanda internacional aquecida, a expectativa é de manutenção dos preços das commodities e de uma participação maior do agronegócio na balança comercial do país”, citam os analistas do Ipea em relatório sobre o comércio exterior do agronegócio.
Outro produto com perspectivas favoráveis é a carne suína. O USDA estima que a produção chinesa deverá permanecer estável e as importações devem crescer 2,4%, para 2,1 milhões de toneladas neste ano. Segundo o Itaú BBA, há oportunidades para o Brasil manter o fluxo de embarques para a China.
Os desafios da economia da China
Diego Cerdeiro, economista-sênior no Departamento da Ásia e Pacífico do FMI, e Sonali Jain-Chandra, chefe da missão do FMI na China, apontam que o gigante asiático enfrenta uma série de desafios na área econômica: a retração do setor imobiliário permanece uma força contrária ao crescimento e ainda há alguma incerteza sobre a evolução do vírus. No longo prazo, outro obstáculo é a população declinante e o lento crescimento da produtividade.
Segundo eles, a economia precisa de políticas macroeconômicas adequadas e reformas estruturais para assegurar a recuperação e promover um crescimento mais balanceado, inclusivo e verde.
“Nós recomendamos manter uma política fiscal neutra neste ano, com acomodação adicional da política monetária, o que ajudará na recuperação, apesar das pressões inflacionárias e do crescimento abaixo do potencial. Uma reestruturação organizada de incorporadoras problemáticas também ajudará a reduzir riscos”, escrevem em artigo no site da instituição.
Os economistas do FMI complementam afirmando que, com a redução na força de trabalho e retornos menores para os investimentos em capital, o crescimento da China nos próximos anos dependerá do impulso no incremento da produtividade, que se encontra declinante. “Sem reformas, estimamos que o crescimento cairá abaixo dos 4% nos próximos cinco anos.”
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