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Meta fiscal frouxa defendida por PT e parte do governo piora inflação e juros

Meta fiscal
Deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) defende uma meta fiscal mais frouxa, para permitir mais gastos públicos em 2024. (Foto: Renato Araújo/Câmara dos Deputados)

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As alterações na meta fiscal, um objetivo almejado pela ala política do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), podem dificultar a redução da taxa básica de juro (Selic), atualmente em 12,25% ao ano, e contribuir para um aumento na inflação, segundo analistas consultados pela Gazeta do Povo.

O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) apresentou no final da tarde desta segunda (13) duas emendas: uma sugerindo que a meta fiscal para 2024 seja de déficit primário de 0,75% do PIB, e outra autorizando rombo de 1% do PIB.

Segundo relatos de bastidores, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, também defende um afrouxamento na meta do arcabouço, para permitir um déficit de pelo menos 0,5% do PIB no ano que vem.

A meta oficial defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é de resultado primário zero, ou seja, sem déficit nem superávit.

A ideia de relaxar o objetivo intensifica o debate em torno do arcabouço fiscal, um conjunto de regras que, em tese, deveriam ajudar a controlar os gastos do governo e evitar o aumento da dívida pública.

O arcabouço foi aprovado em agosto e sua principal meta recebeu a "pá de cal" apenas dois meses depois, durante um encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com jornalistas em 27 de outubro. Na ocasião, ele praticamente descartou chances de cumprir a meta.

A declaração foi reforçada em 3 de novembro durante uma reunião com ministros, na qual ele afirmou que "dinheiro bem gasto é investido em obras, não mantido no Tesouro".

Economistas da XP Investimentos ressaltam que a mudança na meta sugere uma preferência por flexibilizar o arcabouço em vez de ajustar a política fiscal. Eles observam que a política do governo atual favorece os gastos públicos, o que obriga o Banco Central a manter a taxa Selic em níveis mais elevados por mais tempo, visando a estabilização do IPCA no centro da meta inflacionária.

O mercado já considerava a meta de déficit zero difícil de ser alcançada. A mediana das projeções do mercado para o resultado primário aponta para um déficit de 0,8% do PIB no próximo ano, segundo o boletim Focus divulgado nesta segunda-feira (11) pelo Banco Central.

A questão é que descartar o compromisso tão cedo indica que o governo não está disposto a qualquer esforço para controlar os gastos. Vale destacar que o arcabouço nem sequer prevê uma queda nas despesas; ao contrário, estabelece que elas terão aumento real de 0,6% a cada ano mesmo em caso de queda na arrecadação.

"Em nenhum momento o mercado esperava um déficit zero; a expectativa era um compromisso de buscar o melhor resultado possível”, diz Eduardo Castro, CIO da Portofino Multi Family Office.

Segundo ele, o discurso do presidente decepcionou em meio às discussões com o Congresso sobre as leis orçamentárias e evidenciou a divisão do Executivo em duas frentes: uma mais política, de natureza desenvolvimentista, e outra mais técnica, preocupada com a economia. “Colocou Haddad em uma saia justa”, diz Castro.

Flávio Serrano, economista-chefe do BMG, também afirma que as declarações de Lula prejudicam a percepção da consolidação fiscal. "A criação do arcabouço demonstrou uma maior preocupação com a questão fiscal. Alterar as regras significa modificar o que foi acordado, o que não é bem visto pelo mercado."

Números divulgados na última quarta-feira (8) mostram um agravamento da situação das contas públicas. O resultado primário (a diferença entre a arrecadação e os gastos do governo, excluindo as despesas com juros) de todo o setor público em 12 meses até setembro foi um déficit de R$ 101,9 bilhões, equivalente a 0,97% do PIB. No fim do ano passado, havia superávit de 1,27% do PIB.Outro indicador que indica uma piora na situação fiscal é o endividamento público, que passou de 72,9% do PIB em dezembro para 74,4% em setembro.

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Copom ressalta necessidade de manutenção da meta fiscal

O deputado Lindbergh Farias anunciou sua intenção de propôr um rombo fiscal de até 1% do PIB poucas horas após o Comitê de Política Monetária (Copom) publicar a ata da última reunião, realizada nos dias 31 e 1.º. No documento, há um claro aviso para Lula: a redução nos esforços para implementar reformas estruturais e manter a disciplina fiscal pode contribuir para o aumento da taxa neutra de juros.

A taxa neutra é aquela que não afeta positiva nem negativamente o crescimento econômico. Um aumento desta pode ter impactos negativos no nível de atividade, na execução da política econômica e, consequentemente, no custo de redução da inflação.

Castro, da Portofino, observa que o Banco Central condicionou a velocidade da flexibilização da política monetária a uma situação fiscal mais equilibrada: "A política econômica tem dois aspectos: fiscal e monetário. Uma política fiscal mais frouxa prejudica a eficácia da política monetária".

O enfraquecimento do arcabouço fiscal pode ter implicações negativas para a economia brasileira, de acordo com analistas. Um dos principais temores, segundo o economista-chefe do BMG, é o aumento do prêmio de risco dos ativos brasileiros. "Sem esforço fiscal do governo, a tendência é de taxas de juros mais altas", diz.

Andréa Angelo, estrategista da Warren Rena, também expressa preocupações sobre as expectativas de inflação. As projeções para 2024 e 2025 já estão em 3,5%, meio ponto percentual acima da meta de inflação. Um afrouxamento na meta fiscal pode levar a uma maior desancoragem das expectativas.

Ela observa que se o governo reforçar o compromisso de Lula com mais gastos e chancelar a emenda para afrouxar a meta fiscal, pode haver mais pressão sobre os preços.

Mais gastos públicos levam a uma demanda mais aquecida, o que, por sua vez, contribui para o aumento da inflação.

Em paralelo, o aumento da desconfiança dos investidores estrangeiros se reflete na desvalorização do real, encarecendo produtos importados ou cotados em dólar.

Não é a primeira vez que o governo pensa em modificar metas econômicas. A primeira vez foi em relação à meta de inflação – Lula defendia tolerar preços mais altos. No entanto, em junho, o Conselho Monetário Nacional (CMN) manteve os objetivos para os próximos anos e estabeleceu a meta de 2026 em 3%. As idas e vindas causaram turbulências nos mercados, pressionando negativamente o câmbio e favorecendo um aumento nas taxas de juros futuros.

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