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Política econômica

Meta fiscal mais frouxa do governo Lula piora expectativas e mercado joga juros para cima

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Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse, nos EUA, que "dois terços" da disparada do dólar podem ser atribuídos a fatores externos (Foto: Diogo Zacarias/MF)

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A decisão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em rever a meta fiscal prevista para 2025, de déficit zero em vez de um superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), deve ter mais implicações além do “estouro” do dólar, na terça (16), quando a moeda norte-americana chegou a ser cotada a mais de R$ 5,28. Nesta quarta, a cotação encerrou o dia a R$ 5,24.

Segundo Felipe Uchida, head do departamento de análises quantitativas da Equus Capital, o quadro atual mostra que a confiança dos mercados na capacidade do governo de gerir suas finanças de forma sustentável tem diminuído, o que pode aumentar a percepção de risco e as taxas de juros de longo prazo.

Um dos reflexos dessa desconfiança pode ser visto na exigência do mercado por maiores juros nos títulos do governo. Em leilão realizado pelo Tesouro Nacional na terça, as Notas do Tesouro Nacional da Série B (NTN-B) – títulos atrelados à inflação - com vencimento em 2060 foram emitidas com uma taxa real (já descontada a inflação) de 6.1%. É o maior valor em um ano. Em 20 de dezembro, era de 5,54%.

O impacto também foi sentido nas taxas de contratos de depósito interfinanceiro (DI): as com vencimento em janeiro de 2025 passaram de 10,07% ao ano no fechamento de sexta, para 10,16%, na terça. Os DIs com vencimento em 2026 passaram de 10,21% para 10,44%; os de 2027, de 10,53% para 10,75%; e os 2029, de 11,07% para 11,35%,

A percepção de aumento de que o Brasil é um país mais arriscado para se investir também vem de fora. O risco país, medido pelo CDS de 5 anos, atingiu, nesta quarta, 159,15 pontos, o maior valor desde outubro de 2023.

Aumenta risco do Copom segurar o corte nos juros

Um importante risco é a possibilidade de o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), que se reúne nos dias 7 e 8 de maio, antecipar o final do ciclo de queda na taxa Selic, iniciado em agosto. Bancos, consultorias e corretoras sinalizavam para um juro final de 9% ao ano, segundo o boletim Focus, do Banco Central, divulgado nesta terça (16). Agora, começam a refazer as contas. Atualmente, a Selic está em 10,75% ao ano.

A probabilidade de um corte de meio ponto percentual na taxa Selic caiu de 90,3%, em 16 de março, para 63,9% nesta terça, segundo o contrato de opções do Copom, que é negociado na B3, a bolsa brasileira. A possibilidade de uma redução de magnitude menor – de 0,25 ponto percentual – subiu de 7% para 20,1%. A de manutenção variou de 0,7% para 14,7%.

“Aumentou muito a chance de uma Selic terminal de 9,75% ao ano, mais em função dos riscos fiscais domésticos do que do quadro externo”, diz o estrategista-chefe da Warren Investimentos, Sérgio Goldenstein.

Um dos motivos pelo qual o Copom poderá rever sua estratégia está relacionada à maior pressão inflacionária. Ao mudar as metas de resultado das contas públicas, o governo ganha uma “folga fiscal” de R$ 159,3 bilhões nos últimos dois anos do mandato de Lula, segundo cálculos da XP Investimentos. É dinheiro que pode vir a ser usado para aumentar os gastos públicos e ajudar a aquecer ainda mais a economia.

Segundo a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese, a mudança de meta proposta abre espaço para o governo gastar mais. “Em um momento em que a possibilidade de arrecadação via novas receitas parece estar terminando, o que se esperava ver para o cumprimento das metas anunciadas no início do ano passado era um corte de gastos e não uma revisão da meta fiscal para os próximos dois anos. O que o governo fez foi uma forma de não cumprir as metas anunciadas em 2023 e não sofres os bloqueios previstos pelo arcabouço fiscal”, diz ela.

Mais gastos públicos dificultam o combate à inflação

Mais gastos públicos tendem a dificultar o trabalho do BC no combate à inflação. O presidente do órgão, Roberto Campos Neto, afirmou na segunda-feira que mudanças que tirem a credibilidade da política fiscal tornam o trabalho da autoridade monetária mais difícil e aumentam o custo da política monetária. “A âncora fiscal e a monetária precisam trabalhar juntas”, disse em evento nos Estados Unidos.

“Estamos falando de uma política fiscal mais expansionista em um momento em que os dados de crescimento já têm surpreendido”, afirma a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese.

O Monitor do PIB, da Fundação Getulio Vargas (FGV), apontou um crescimento de 0,8% em fevereiro frente a janeiro, puxado pelo consumo. No período de 12 meses houve uma expansão de 3% na atividade econômica, ligeiramente acima da expansão do PIB de 2023, que foi de 2,9%.

Outro indicador que mostra que a economia brasileira está bem aquecida, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) teve alta de 0,4%, levando-o para o maior nível desde abril de 2023 e um dos maiores da série histórica, iniciada em janeiro de 2002

Segundo ela, o cenário de atividade econômica mais aquecida pode fazer com que o BC tenha menos liberdade para manter o atual ritmo de cortes na taxa Selic. Na última ata, a autoridade monetária sinalizou para mais um corte de meio ponto percentual em maio e abriu espaço para uma redução menor na reunião seguinte.

Campos Neto afirmou que o ideal era que as metas não fossem alteradas e que fosse feito o máximo possível em termos de esforço para alcançar os objetivos estabelecidos. “Se por algum motivo, você tiver de fazer um desvio disso, é importante comunicar bem, porque se as pessoas perderem a confiança na âncora fiscal, então a ancora monetária é afetada, e vimos isso repetidamente na nossa história.”

O caso mais recente na história brasileira foi no governo de Dilma Rousseff (PT), entre 2011 e 2016, quando, enquanto a autoridade monetária tentava conter a inflação, o governo dava ênfase aos gastos públicos.

O gestor da Nippur Finance, Marcelo Caleffi, afirma que o governo errou no timing e na comunicação ao anunciar a mudança nas metas fiscais. “O anúncio veio como um balde de água fria em meio a um cenário de caos internacional. A pequena credibilidade que tinha foi perdida”, destaca.

Já a consultoria internacional Eurasia considera que a decisão do governo em revisar as metas fiscais foi menos um revés para a equipe econômica do que um sinal dos difíceis compromissos forçados pelo "trilema" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: como conciliar mais gastos sem aumentar os impostos ao ponto de prejudicar o crescimento ou sem gerar preocupações com a sustentabilidade da dívida.

Pressões também vem do exterior

O governo tentou minimizar os impactos da decisão de mudar as metas fiscais. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, notícias externas ao Brasil explicam “dois terços” do que ocorre no cenário interno. Ele aponta que entre os fatores que estão afetando a cotação do dólar estão a atividade econômica aquecida nos EUA, a inflação americana e a escalada do conflito no Oriente Médio.

Na terça (16), o Fundo Monetário Internacional (FMI) elevou as expectativas de crescimento do PIB da maior economia global de 2,1% para 2,6%.

A inflação em 12 meses nos Estados Unidos está bem acima da meta de 2% estabelecida pelo Federal Reserve (o BC americano) é de 2%. Segundo o US Bureau of Labour Statistics, em março ela fechou em 3,5%.

A economia mais aquecida na maior economia global dificulta a redução na taxa básica de juros, que está na faixa de 5,25% a 5,5% ao ano, o maior nível em 22 anos. No final do ano passado, a expectativa era de que o Fed promovesse seis ou sete cortes ao longo do ano. Agora, uma das hipóteses é de que os cortes comecem em julho ou setembro. O mercado não chega a trabalhar com a hipótese de dois cortes em 2024. Há, no entanto, analistas que apontam que não há possibilidade de redução das taxas neste ano.

A preocupação se acentua com o recrudescimento do conflito no Oriente Médio. Após o ataque do Irã a Israel no sábado, a situação se tornou mais complexa. O gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu está estudando uma reação.

Goldenstein, da Warren, avalia que, caso haja uma escalada, pode provocar um aumento de aversão ao risco e valorização global da moeda norte-americana. “Caso o real continue se desvalorizando, isto geraria efeitos inflacionários.” Parte dos produtos, especialmente commodities agrícolas, que compõem o cálculo da inflação são cotados na moeda norte-americana.

Também preocupa, nesse cenário, a situação do petróleo, devido a seus efeitos na inflação global e local. Há o temor de uma escalada nos preços, o que internamente poderia afetar a cotação dos combustíveis. Desde o início do ano, o barril do tipo brent está em alta, passando de US$ 75 para perto dos US$ 90.

Analistas apontam que, caso a commodity continue aumentando, pode aumentar a defasagem do preço da gasolina e do óleo diesel em relação ao exterior. Segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), nesta quarta (17), ela era de 22%, ou R$ 0,79 por litro para a gasolina e de 12%, ou R$ 0,48 por litro para o diesel.

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