Ouça este conteúdo
O Supremo Tribunal Federal (STF) costuma ser apontado como o "vilão" responsável pelo forte aumento dos gastos com precatórios nos últimos anos. A Corte é acusada de armar uma "bomba" para o governo federal às vésperas das eleições presidenciais.
O valor a pagar em 2022 é o maior da história: ao todo, a Justiça mandou a União quitar R$ 89,1 bilhões em dívidas no ano que vem, mais de 60% acima dos precatórios emitidos para 2021. Foi essa disparada que levou o ministro da Economia, Paulo Guedes, a chamar os precatórios de "meteoro".
O incômodo também se dá porque o Supremo concluiu apenas neste ano o julgamento de processos que tramitam há muito tempo na Corte, ajuizados a partir de 2002. Os julgamentos em si começaram nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020.
A maior parte do valor determinado pelo STF para pagamento em 2022 se refere a dívidas do governo federal com estados, referentes ao antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Trata-se de um total de R$ 15,5 bilhões devidos aos estados da Bahia (R$ 8,8 bilhões), Pernambuco (R$ 3,9 bilhões), Ceará (R$ 2,6 bilhões) e Amazonas (R$ 219 milhões).
Mas o STF é apenas um dos tribunais que expediram precatórios da União para o próximo ano. Segundo relação fornecida pelo Ministério da Economia, o Supremo determinou o pagamento de R$ 17,3 bilhões em débitos decorrente de oito sentenças, o equivalente a 19,3% do total de R$ 89,1 bilhões devido pela União em 2022.
Mesmo que o STF não tivesse emitido esses precatórios, portanto, ainda sobrariam outros R$ 71,8 bilhões para o governo federal pagar no ano que vem. Seria, de todo modo, o maior valor da história, superior ao custo de todas as sentenças judiciais que o governo está pagando em 2021 (R$ 55,5 bilhões).
Na relação informada pelo Ministério da Economia, a Justiça Federal (com todas as suas varas) responde pelo maior valor conjunto de precatórios expedidos e incluídos na Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2022, com 144,2 mil requisições que somam R$ 46,5 bilhões, ou 52,2% do total previsto para o ano.
PEC dos precatórios é a salvação?
Para abrir espaço no Orçamento e ampliar o Auxílio Brasil, sucessor do Bolsa Família, o governo elaborou a chamada PEC dos precatórios, que já passou pela Câmara e aguarda análise no Senado. A proposta prevê o pagamento, no ano que vem, de apenas parte dos precatórios emitidos – cerca de R$ 40 bilhões –, ficando o restante para os anos seguintes ou para um "encontro de contas" entre a União e os credores.
Ao longo da tramitação e a pedido do governo, a PEC passou a contemplar também uma mudança na regra do teto de gastos. Assim, o espaço fiscal sob o teto aberta pela proposta passa de R$ 90 bilhões. Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro passou a defender que parte desse valor seja usado para reajustar os salários de servidores federais.
A seguir, confira perguntas e respostas sobre os precatórios:
O que são precatórios?
Precatórios são dívidas decorrentes de sentenças judiciais e que não são mais passíveis de recursos. Esses débitos podem decorrer tanto de ações judiciais relacionadas a salários, pensões, aposentadorias e indenizações como de questões relacionadas a desapropriações e tributos, por exemplo.
Quem determina o pagamento dos precatórios?
Após o trânsito em julgado – quando são esgotados os recursos – e a definição do valor do precatório, são feitas as formulações das requisições de pagamento. Essa ação compete ao presidente do tribunal em que o respectivo processo tramitou.
Nos casos em que a União é o ente devedor, a relação dos precatórios é enviada para o Ministério da Economia até 31 de julho de cada ano, a fim de ser incluída no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do ano seguinte – proposta que, por lei, o governo tem de enviar ao Congresso até a data-limite de 31 de agosto.
Como isso, o Executivo costuma ter apenas um mês – entre o envio da relação dos precatórios e a apresentação do PLOA – para programar a despesa com sentenças judiciais do ano seguinte.
Quando o precatório deve ser pago?
O precatório é uma despesa obrigatória. Os valores dos precatórios emitidos até 1º de julho de determinado ano (2021, por exemplo) têm de ser informados ao Ministério da Economia até 31 de julho desse mesmo ano.
O prazo para depósito – no tribunal responsável pela sentença – desse valores é o dia 31 de dezembro do ano seguinte (2022, no exemplo citado). Em resumo, os precatórios emitidos desde meados de 2020 até meados de 2021 têm de ser pagos obrigatoriamente em 2022.
Os precatórios inscritos a partir de 2 de julho (de 2021, por exemplo) têm de esperar mais (serão pagos em 2023, nesse exemplo). Os débitos são corrigidos pelo IPCA.
No ano da execução do pagamento, o dinheiro fica à disposição do juiz responsável pela sentença, que decide pela liberação imediata do recurso ou não. Não se trata, portanto, de uma compensação automática entre devedor e o credor do precatório.
Quem tem prioridade na fila de pagamento?
Na etapa do pagamento, têm prioridade os débitos de natureza alimentar cujos titulares tenham 60 anos de idade ou mais, portadores de doença grave ou pessoas com deficiência.
São considerados precatórios de natureza "alimentar" ou "alimentícia" aqueles decorrentes de condenações envolvendo salários, vencimentos, proventos, pensões, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez.
Depois, vêm os precatórios chamados "comuns". Eles são decorrentes, por exemplo, de processos relacionados a desapropriações, tributos, indenização por dano moral e outros, em que os pagamentos são realizados em observação à ordem cronológica de apresentação dos casos.
Trata-se de uma espécie de fila de espera. À medida que cada precatório vai sendo expedido, passa a ocupar lugar na lista e, havendo recurso disponível – quando há recebimento de depósitos das entidades devedoras, como a União, por exemplo –, o presidente do tribunal paga os primeiros da fila.
Quem determinou o pagamento dos precatórios para 2022?
Todos os tribunais podem emitir precatórios. Os valores podem variar muito de um ano para outro, pois dependem do que será julgado, das vitórias e derrotas do Executivo, e da data de julgamento.
Segundo relação fornecida pelo Ministério da Economia, os precatórios emitidos entre 2 de julho de 2020 e 1º de julho de 2021, que devem ser pagos em 2022, são de responsabilidade dos seguintes tribunais:
- O STF emitiu oito precatórios a serem pagos em 2022, com valor total de R$ 17,259 bilhões. A maior parte desse valor (R$ 15,5 bilhões) é de dívidas do governo federal com estados, referentes ao antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).
- O Superior Tribunal de Justiça (STJ) encaminhou requisição de pagamento de 1.940 precatórios em 2022, com valor total de R$ 839,8 milhões
- A Justiça Federal julgou casos que resultaram em 144.259 precatórios a serem pagos à União em 2022, no valor de R$ 46,522 bilhões
- A Justiça do Trabalho emitiu 1.403 precatórios que somam R$ 302,3 milhões
- A Justiça do Distrito Federal e Territórios emitiu 38 precatórios, de R$ 5,3 milhões ao todo
- As Justiças Estaduais, por sua vez, encaminharam ao governo federal requisição de pagamento de 10.057 precatórios, com valor total de R$ 1,386 bilhão
- Os precatórios citados acima somam R$ 66,3 bilhões. Os R$ 22,8 bilhões restantes a serem pagos em 2022 correspondem, segundo o Ministério da Economia, a "requisições de pequeno valor (RPVs) e outras sentenças judiciais". A pasta não informou os dados concretos, mas afirmou que pelo menos R$ 828 milhões dizem respeito a sentenças de empresas estatais e R$ 1,5 bilhão de "outras sentenças", sem especificar.
As ações estão sendo julgadas mais rapidamente?
Em setembro, o então secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Bruno Funchal, disse à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados que aumentou a velocidade de tramitação dos precatórios na Justiça.
Segundo ele, o tempo médio entre o ajuizamento e o momento em que o precatório entra no Orçamento passou de 13 para sete anos. "O tempo médio do ajuizamento até o precatório entrar no Orçamento era de 13 anos. Neste ano, caiu para 7 anos. E, como acelerou muito, o volume aumentou: de 160 mil a 170 mil precatórios, aumentou para 264 mil. Então, saiu do padrão", disse Funchal na audiência. Ele pediu demissão do cargo em outubro, em meio à manobra do governo para mudar a regra do teto de gastos.
Segundo ele, o forte aumento nos gastos com precatórios para 2022, além de "fora do padrão", era "imprevisível", pois em pouco tempo foram julgados vários processos relativos ao Fundef que tramitavam há anos no STF.
Quanto o governo gastou com precatórios nos últimos anos?
O montante de precatórios da União tem aumentado nos últimos anos. Em 2010, por exemplo, a União desembolsou R$ 14,3 bilhões do Orçamento para quitar essas dívidas. Em 2014, a conta chegou a R$ 18,9 bilhões em 2014. Desde então, o valor passou a crescer mais rápido, de acordo com dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).
O valor projetado para 2021 para pagar esse tipo de despesa é de R$ 55,5 bilhões. Para 2022, são R$ 89,1 bilhões programados. Confira a evolução dos gastos com sentenças judiciais nos últimos anos:
- 2010 - Total pago: R$ 14,265 bilhões
- 2011 - Total pago: R$ 15,419 bilhões
- 2012 - Total pago: R$ 15,147 bilhões
- 2013 - Total pago: R$ 16,592 bilhões
- 2014 - Total pago: R$ 18,921 bilhões
- 2015 - Total pago: R$ 26,228 bilhões
- 2016 - Total pago: R$ 30,678 bilhões
- 2017 - Total pago: R$ 32,121 bilhões
- 2018 - Total pago: R$ 36,780 bilhões
- 2019 - Total pago: R$ 41,640 bilhões
- 2020 - Total pago: R$ 50,525 bilhões
- 2021 - Total a pagar (PLOA): R$ 55,5 bilhões
- 2022 - Total a pagar (PLOA): R$ 89,1 bilhões