Apesar de avanços discretos na economia brasileira e resultados aquém do esperado, o cenário não é de recessão. Nos detalhes, porém, os movimentos apontam para outro lado. As sucessivas quedas na formação bruta de capital fixo, taxa de poupança e balança comercial, entre outros, formam uma teia perigosa que segura o potencial da economia nacional e ameaça o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em um futuro próximo.
Os resultados negativos em indicadores específicos funcionam como "microrrecessões". Ainda que a economia nacional não apresente queda, alguns setores-chave registram seguidas quedas e alguns de seus piores quadros dos últimos anos.
A produção industrial registra resultados semelhantes a 2008, quando o mundo estava prestes a mergulhar em um período de crise econômica. A taxa de investimento em relação ao PIB também está em queda e chegou ao pior patamar desde 2000. A poupança pública, idem. "Este é um cenário que resulta em um abalo na confiança do empresário, do investidor e do consumidor. Esta combinação pode derrubar uma economia", afirma o economista da Fator Corretora, Paulo Gala. "Considerando todas as quedas, fica muito difícil escapar de uma recessão", completa.
Os impactos destes resultados no PIB já estão latentes. No primeiro trimestre a economia brasileira teve avanço de apenas 0,2%. "A recessão industrial e os investimentos em baixa só não têm sido mais devastadores para a economia porque os serviços ainda estão em alta", explica o analista Opus Investimento, José Marcio Camargo.
O consumo das famílias, que já enfrenta desgaste como mola propulsora da economia, ainda é o que mantém a economia no azul. "É isso que garante uma baixa taxa de desemprego. Caso contrário, estes indícios de recessão já seriam dominantes e a nossa economia estaria em queda desde o ano passado", acredita o professor de macroeconomia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Sérgio Antunes Valle.
Retomada
Apesar das "recessões pontuais", o jogo não está perdido. O aumento da poupança interna e da taxa de investimento, por exemplo, seriam algumas das maneiras mais eficientes de reverter o viés de baixa.
Para Valle, no entanto, estas mudanças dificilmente aconteceriam simultaneamente. "A administração pública brasileira já mostrou uma dificuldade de aumentar a poupança ou investir mais. Simultaneamente, então, acho impossível", explica.
O contexto internacional também não colabora para que isso aconteça. Para elevar alguma das duas taxas em relação ao PIB, o Brasil dependeria da entrada de recursos estrangeiros na economia. "Mas os países emergentes estão com menos capital disponível neste início de ano", completa a professora de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Margarida Gutierrez.
Analistas projetam desaceleração maior no PIB semestral
Depois de um crescimento de apenas 0,2% no primeiro trimestre do ano, as expectativas de contração da atividade no segundo e no terceiro trimestres tomam cada vez mais corpo. Conceitualmente, se a economia nacional apresentar dois períodos seguidos de queda, ela entra oficialmente em recessão.
O Itaú reviu sua expectativa de crescimento no ano de 1,4% para 1%. De acordo com os indicadores de maio, a Markit/HSBC divulgou que o PIB do segundo trimestre pode ser ainda pior que o resultado dos primeiros três meses do ano. Levantamento do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, reforça que, para o segundo trimestre deste ano, as previsões são pessimistas em função da desaceleração do comércio e de um desempenho abaixo da média no setor de serviços.
Investidor em mercados emergentes, Mark Mobius, da Templeton Emerging Markets Group, também acredita em recessão na economia brasileira por causa dos gastos públicos elevados e do aumento na dívida dos consumidores.
A Mauá Sekular Investimentos também é mais taxativa: por conta do ajuste sazonal, qualquer contração mínima do PIB pode acabar sendo corrigida para uma queda de 0,4% a 0,5% no período.