Google, Facebook, Amazon e Apple se tornaram alvo de investigações do governo e da desconfiança do público, sob acusação de diversas formas de abuso de poder, uso indiscriminado de informações pessoais a ataques à concorrência. Mas qual empresa conseguiu se livrar dessa onda de críticas? A Microsoft, uma empresa do setor de tecnologia que vale mais que todas as outras.
A gigante do software, avaliada em mais de US$ 1 trilhão pelos investidores, já recebeu sua parcela de escrutínio do governo e críticas do público, sobrevivendo a anos de investigações antitruste e a um processo que quase dividiu a empresa em duas. No fim, a Microsoft pagou bilhões de dólares em multas e acordos e aprendeu algumas lições importantes.
Mas seu apelido de "Império do Mal", que costumava ser usado pelos críticos da empresa, parece ter saído de voga.
Microsoft faz parceria com governos
Atualmente, a Microsoft é uma das principais defensoras de políticas públicas para o setor de tecnologia, incluindo a proteção da privacidade dos consumidores e a criação de diretrizes éticas para a inteligência artificial. Embora tenha aberto um processo para limitar o acesso do governo a dados de usuários, a Microsoft é vista em capitais do mundo todo como a empresa de tecnologia mais aberta a relações com o governo.
"Eles estão em outro nível", comentou Casper Klynge, que atua como embaixador da Dinamarca junto ao setor de tecnologia, no Vale do Silício. "É claro que a Microsoft age em benefício próprio, mas, para tratar de questões importantes, ela tem um engajamento muito mais direto com os governos que outras grandes empresas do setor."
As mudanças no mercado e a evolução dos negócios da Microsoft ao longo dos anos ajudam a explicar a transformação. Comparada às outras, a empresa depende menos de produtos vendidos diretamente para o consumidor. Por exemplo: a ferramenta de busca Bing e a rede social profissional LinkedIn, ambas da Microsoft, vendem anúncios, mas a empresa como um todo não depende dos anunciantes virtuais nem da coleta de dados pessoais, ao contrário do Facebook e do Google.
Gigante não tão ameaçador
Mesmo que continue a ser grande, a Microsoft já não parece mais tão ameaçadora quanto na era do computador pessoal. A empresa ocupa um saudável segundo lugar em áreas como computação em nuvem (atrás da Amazon) e videogames (atrás da Sony), em vez de um dominante primeiro lugar.
"Devido ao seu modelo de negócios, a Microsoft pode se permitir uma postura mais moralista em relação a algumas questões sociais", explicou David B. Yoffie, professor da Harvard Business School.
Mas a Microsoft também foi submetida a uma mudança de personalidade corporativa ao longo dos anos, passando a olhar mais para fora e a querer saber as opiniões de legisladores, críticos e concorrentes. Essa mudança foi capitaneada por Brad Smith, presidente da Microsoft e seu principal contato com o mundo exterior. Seu trabalho foi aceito e ganhou mais espaço desde que Satya Nadella assumiu o cargo de executivo-chefe da empresa em 2014, colocando-a novamente no caminho do sucesso.
Em seu novo livro, Smith defende um novo relacionamento entre o setor de tecnologia e os governos.
"Quando sua tecnologia transforma o mundo, você precisa assumir a responsabilidade de ajudar a compreender o mundo que criou", afirma Smith, completando que os governos "devem ser mais ágeis e acompanhar o ritmo da tecnologia".
Lições aprendidas
Em uma entrevista, Smith conversou sobre as lições que aprendeu com os antigos conflitos da Microsoft e com o que acredita ser o futuro da legislação para a tecnologia, defendendo uma maior cooperação entre o setor de tecnologia e os governos. Esse é um tema presente em todo o livro "Tools and Weapons: The Promise and the Peril of the Digital Age" (Armas e Ferramentas: as promessas e perigos da era digital, em tradução literal), que escreveu com Carol Ann Browne, da equipe de comunicação da Microsoft.
Smith, de 60 anos, já estava na Microsoft durante o julgamento antitruste dos anos 1990, embora não estivesse a cargo das estratégias legais.
A Microsoft perdeu o processo aberto pelo Departamento de Justiça dos EUA e por 20 estados norte-americanos, escapando por pouco de ser dividida em duas quando assinou um acordo com o governo Bush em 2001. Smith, que assumiu o cargo de conselheiro geral em 2002, passou desde então a trabalhar como uma espécie de pacificador da Microsoft em todo o planeta, fazendo acordos com empresas e governos.
Com base nessa experiência, Smith tem alguns conselhos para as jovens plataformas de hoje – Google, Facebook e Amazon. Grandes confrontos antitruste levam tempo demais. Os casos mais famosos do setor – AT&T, IBM e Microsoft – demoraram décadas para terminar.
"E, quando você se mete em uma encrenca tão grande, é difícil sair", explica Smith.
A tendência natural das empresas mais novas do setor de tecnologia é brigar. "Elas não chegaram onde estão fazendo concessões. Estão ali porque se mantiveram firmes em seus propósitos e, por isso, acham que estão certas e que são os governos que estão errados", afirma Smith.
Essa mentalidade é especialmente verdadeira no caso dos fundadores dessas empresas, que se tornaram imensamente ricos e bem-sucedidos. De acordo com Smith, Bill Gates, um dos fundadores da Microsoft, "aprendeu que a vida depende de fazer concessões e que os governos são mais fortes que as empresas", mesmo que tenha apanhado um pouco para chegar a essa conclusão.
Gates, que escreveu o prefácio do livro de Smith, lembra que durante muitos anos sentia orgulho por não gastar tempo conversando com pessoas do governo. "Aprendi da maneira mais difícil, com o processo antitruste, que essa não era uma postura sábia", escreveu.
Na Microsoft, Smith indicou um novo caminho. Horacio Gutierrez, que era advogado sênior na Microsoft e agora faz parte do conselho geral do Spotify, conta que "deixamos de reagir de maneira defensiva aos governos e passamos a procurá-los proativamente".
À medida que Smith resolvia o legado de problemas judiciais da Microsoft, o setor de tecnologia seguia adiante. O computador pessoal já não era mais o centro de gravidade do setor, assumido agora por smartphones, ferramentas de busca, redes sociais e computação em nuvem.
"O que aconteceu na Microsoft foi que passaram a aceitar a realidade e a reagir às novas circunstâncias", afirma A. Douglas Melamed, professor da Escola de Direito de Stanford. Segundo ele, a Microsoft não está no centro das críticas atualmente "em grande medida porque a empresa não ocupa o mesmo espaço ostensivamente dominante de antigamente".
Nova visão
Sob o comando de Nadella, a Microsoft abraçou a computação em nuvem, passando a oferecer até mesmo o Office, seu lucrativo conjunto de softwares de produtividade, como um serviço on-line. Enquanto Nadella transformava os negócios da empresa, Smith se tornava o enviado da Microsoft no mundo da criação de regras e legislações. Em 2015, Smith assumiu os cargos de presidente e diretor jurídico da Microsoft.
O maior impacto na postura da empresa pode ser sentido na Europa. Mesmo que o continente não seja líder de inovação tecnológica, é ele que determina o futuro da legislação em tecnologia.
Segundo Smith, a Regulamentação Geral da Proteção de Dados da Europa é a "Magna Carta dos dados". A lei, que entrou em vigor este ano, permite que as pessoas tenham acesso a seus dados virtuais e restringe as maneiras pelas quais as empresas obtêm essas informações e lidam com elas. Smith concluiu afirmando que "a Europa é a maior esperança para o futuro da privacidade no mundo".
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