Um grupo de 92 super-ricos de sete países, intitulados de “milionários pela humanidade”, publicou uma carta aberta na última segunda-feira (13) pedindo que suas fortunas sejam taxadas para que governos ao redor do mundo possam arrecadar dinheiro suficiente para investir em ações de combate à Covid-19. E vão além: sugerem que essa cobrança mais pesada de impostos se torne permanente. Não há brasileiros entre os signatários da carta.
“Não, não somos nós que cuidamos dos doentes em enfermarias de terapia intensiva. Não estamos dirigindo as ambulâncias que levarão os doentes aos hospitais. Não estamos reabastecendo as prateleiras dos supermercados ou entregando comida de porta em porta. Mas nós temos dinheiro, muito. Dinheiro que é desesperadamente necessário agora e continuará sendo necessário nos próximos anos, à medida que nosso mundo se recuperar dessa crise. Hoje, nós, milionários abaixo-assinados, pedimos que nossos governos aumentem impostos sobre pessoas como nós. Imediatamente. Substancialmente. Permanentemente”, diz um trecho do texto.
O pedido surgiu como uma urgência em um mundo que enfrenta uma pandemia que afetou sistemas de saúde, prejudicou a atividade econômica e jogou milhares de pessoas na pobreza. É assinado por pessoas ricas dos Estados Unidos (país onde já há um movimento mais estruturado de “milionários patrióticos”), Alemanha, Canadá, Reino Unido, Dinamarca, Holanda e Nova Zelândia.
Entre os milionários que assinam a carta estão os herdeiros Abigail e Tim Disney; o co-fundador da marca de sorvetes Ben and Jerry’s, Jerry Greenfield; o ex-diretor administrativo da BlackRock (maior gestora de ativos do mundo), Morris Pear; e o empresário dinamarquês-iraniano Djaffar Shalchi, um dos fundadores da Human Act Foundation.
O que argumentam os milionários
O ponto central da argumentação dos milionários é de que os problemas causados e revelados pela Covid-19 não serão resolvidos com caridade e o impacto da crise deve durar décadas.
“Os líderes do governo devem assumir a responsabilidade de levantar os fundos de que precisamos e gastá-los de maneira justa. Podemos garantir que financiemos adequadamente nossos sistemas de saúde, escolas e segurança por meio de um aumento permanente de impostos sobre as pessoas mais ricas do planeta, pessoas como nós”, aponta o texto.
A carta ainda exaltou o trabalho dos profissionais que atuam na linha de frente de combate à Covid-19, em atividades essenciais (sobretudo nos serviços de saúde) e as mulheres, que ainda acumulam a maior parte do trabalho não remunerado em casa.
“Ao contrário de dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo, não precisamos nos preocupar em perder nossos empregos, casas ou nossa capacidade de sustentar nossas famílias. Não estamos lutando nas linhas de frente desta emergência e temos muito menos chances de ser suas vítimas. Então, por favor, taxe-nos. Taxe-nos. Taxe-nos. É a escolha certa. É a única escolha. A humanidade é mais importante que o nosso dinheiro”, encerra o texto.
Ricos do Brasil não assinam a carta, mas taxação de fortunas é discussão antiga
Até o momento, nenhum super-rico brasileiro decidiu assinar a carta dos Milionários pela Humanidade – foi aberto um campo para que mais milionários possam se tornar signatários do documento. E não é porque o país não tenha seus ricos.
De acordo com o World Wealth Report 2020 – uma publicação anual do Credit Suisse Research Institute, que é um tipo de anuário mundial sobre a riqueza que é referência para rastrear as pessoas com maior patrimônio líquido – o Brasil tinha 199 mil milionários em 2019. Isso representa um crescimento de 7% ante os 186 mil milionários de 2018 – o que garantiu a 18.º colocação no ranking de países com mais super-ricos.
A discussão sobre a tributação de grandes fortunas não é novidade no Brasil: ela faz parte da agenda da esquerda há anos e volta e meia acaba na mesa de discussão. O atual momento pode ser propício para esse debate. O Congresso dá sinais de que vai retomar a discussão sobre a reforma tributária. Mas, dentro dos projetos de simplificação de impostos, não se fala sobre a taxação de grandes fortunas.
Fora da reforma, o assunto foi lembrado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). Ela apresentou um projeto de lei para taxar grandes fortunas como forma de aumentar a arrecadação e obter mais recursos no combate ao coronavírus. A ideia da proposta era “aproveitar” o decreto de estado de calamidade pública para autorizar o empréstimo compulsório – há previsão constitucional para isso em casos excepcionais.
A proposta definia que seriam atingidos os brasileiros cujo patrimônio líquido superasse em mais de 12 mil vezes o limite de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física, levando em conta o ano-base de 2019. Essas pessoas pagariam alíquotas que variariam de 0,5% a 1% e o governo devolveria o dinheiro, corrigido pela Taxa Referencial (TR), a partir de 2021. A proposta não prosperou no Senado.
No ano passado, o Psol chegou a protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). A tributação sobre grandes fortunas é uma prerrogativa da União, determinada pela Constituição de 1988, mas o Congresso nunca aprovou lei para estabelecer as regras dessa cobrança. Essa ausência de regulamentação foi usada como argumento pelo partido para justificar a ação, que também não andou na Corte.
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